Entidades pedem mais mudanças no Mesa Solidária, mas elogiam substitutivo
Durou quase três horas, nesta quinta-feira (22), a primeira audiência pública da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) sobre o projeto de lei que regulamenta o Programa Mesa Solidária na capital do Paraná. Com transmissão pelas redes sociais da CMC, o debate sobre a reestruturação do combate à fome em Curitiba (005.00103.2021 com substitutivo 031.00016.2021) teve aproximadamente 5 mil visualizações (confira aqui). No pico da audiência no YouTube, havia 301 pessoas simultaneamente acompanhando o debate.
A Comissão de Direitos Humanos, Defesa da Cidadania e Segurança Pública organizou a atividade, com a coordenação do vereador Jornalista Márcio Barros (PSD), presidente do colegiado, reunindo por videoconferência o secretário municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (SMSAN), Luiz Dâmaso Gusi, o presidente da Fundação de Ação Social (FAS), Fabiano Vilaruel, e dezenas de entidades comprometidas com a distribuição de alimentos à população socialmente vulnerável e em situação de rua.
> Confira aqui álbum de fotografias com os participantes da audiência pública no Flickr.
Logo após a sugestão da Prefeitura de Curitiba para a distribuição de comida à população em situação de rua vir a público, diversos atores da sociedade civil organizada questionaram aspectos da iniciativa, em especial a multa de R$ 150 a R$ 550 para quem distribuísse “alimentos em desacordo com os horários, datas e locais autorizados pelo Município”. Em resposta, o Executivo encaminhou à CMC um substitutivo, retirando esse ponto polêmico, e incluindo, na proposta, incentivos à adesão do voluntariado ao Programa Mesa Solidária (leia mais).
O secretário Luiz Gusi chamou o texto original de “ato falho” e garantiu que a aprovação do substitutivo pelos vereadores não resultará em restrições à atividade dos voluntários, movimentos sociais e igrejas que já realizam esse trabalho social. Também reafirmou, repetidamente, que o programa Mesa Solidária “é mais uma alternativa” para o combate à fome na cidade, desfazendo a imagem que interessaria ao Executivo centralizar todos esses esforços na SMSAN. “Saio entusiasmado [dessa audiência pública]”, afirmou, colocando-se à disposição da CMC para novas discussões.
Ao final, Márcio Barros anunciou que encaminhará à SMSAN um compilado com todas as sugestões formuladas durante a audiência pública, para que a Prefeitura de Curitiba se manifeste sobre elas. O documento será assinado por ele, por Carol Dartora (PT), vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos, e pelos demais vereadores integrantes do colegiado, Alexandre Leprevost (SD), Sargento Tania Guerreiro (PSL) e Toninho da Farmácia (DEM). Acompanharam a audiência o presidente da CMC, Tico Kuzma (Pros), Pier Petruzziello (PTB), Hernani (PSB), João da 5 Irmãos (PSL), Professor Josete (PT), Noemia Rocha (MDB), Oscalino do Povo (PP) e Mauro Ignácio (DEM).
Demandas da sociedade
Segundo as entidades da sociedade civil organizada, apesar de o substitutivo geral superar os problemas da obrigatoriedade de cadastro dos voluntários e das multas para quem não se identificasse ou seguisse as estipulações da prefeitura, o projeto de lei precisa de mais aprimoramentos. Por exemplo, Wanderleia Scuissiatto, da Femotiba (Federação Democrática das Associações de Moradores, Clube de Mães, Entidades Beneficentes e Sociais de Curitiba e Região Metropolitana), cobrou da SMSAN a minuta do regulamento do Mesa Solidária, para saber quais e como serão distribuídos os benefícios prometidos às entidades que aderirem ao programa.
Júlio Salem, da Defensoria Pública do Estado, informou ter enviado uma nota técnica à Câmara, com indicações do órgão público sobre o projeto. “A previsão de multas não era o único problema, havia também a ausência de dados empíricos [sobre a população em situação de rua]”, alertou, defendendo que a proposta não seja aprovada da forma como está redigida. A maioria dos participantes cobrou a realização de um censo desta parcela mais socialmente vulnerável da população, colocando os dados como pré-requisito para uma política pública bem-sucedida. Essa foi a tônica, por exemplo, da fala de Julia Bezerril, da OAB-PR.
Vanessa Lima, do projeto Mãos Invisíveis, cobrou a participação da sociedade civil no comitê gestor do Programa Mesa Solidária e a adoção de uma visão mais global do problema, que começa na falta de moradia e de renda. O padre Eguione Ricardo, da Arquidiocese de Curitiba, concorda com essa perspectiva de que a preocupação com a população em situação de rua não pode parar na distribuição de alimentos, mas precisa ser mais integrada, por exemplo, prevendo mais pontos de água potável e banheiros públicos.
Falando pela Fetespar (Federação do Terceiro Setor do Estado do Paraná), Cirleide Silva reclamou que não houve articulação da proposta com a FAS, nem a participação do Conselho Municipal de Assistência Social no projeto de lei do Executivo. A presidente do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (Comsea), Tammy Rafaelle Teixeira, fez a mesma queixa e pediu que a CMC peça uma posição oficial do conselho durante a tramitação. À parte disto, afirmou que o Comsea acompanha a execução do Mesa Solidária e que é um projeto importante para a cidade.
“Tirar a multa foi um sinal que o Município quer dialogar e construir junto”, opinou Leonildo José Monteiro Filho, coordenador estadual do Movimento Nacional de População de Rua. Ele cobrou mais medidas que empoderem as pessoas nessa situação, como a ampliação das cozinhas comunitárias, onde elas poderiam preparar a sua própria alimentação e até ser capacitadas profissionalmente, ou ao menos receber uma bolsa-auxílio pelo preparo e distribuição, “para pagar a pensão”. Na ponta da Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua, Renato Freitas (PT) sugeriu que os prédios desocupados pudessem virar empreendimentos de agricultura urbana nas mãos dessa população.
Uma das 45 entidades que já aderiram ao Mesa Solidária é o Terreiro Vovó Benta. “Participamos desde o início do programa, mas antes já distribuíamos [alimento] nas praças”, relatou Lilian Maria Dallastra, explicando que essa participação permitiu à entidade acessar o Banco de Alimentos e o projeto Chepa da Feira, com o qual o terreiro faz comida dentro dos espaços do Mesa Solidária, mas também distribui no bairro em que atuam. Ela entende que sem o mapeamento dos voluntários e das entidades “não será possível saber onde precisa de mais apoio [do poder público]”.
Verbalizando uma demanda presente em muitas falas, Elaine Batista, assistente social e mestranda em Políticas Públicas na UFPR, afirmou que faltava intersetorialidade ao projeto, com mais interlocução entre mais áreas da prefeitura, pois o Mesa Solidária está somente no âmbito da SMSAN. Ela cobrou mais descentralização dessas ações, mais controle e participação social em todo o processo. A psicóloga Júlia Ferreira, do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política da População em situação de rua também pediu mais diálogo com a sociedade civil e afirmou que só o Mesa Solidária não é suficiente, pois “nem todos se sentem confortáveis ou podem acessar os refeitórios”.
“Ontem, entregamos 700 marmitas no Centro de Curitiba e isso é muito preocupante para nós da sociedade civil”, disse Adriana Oliveira, do projeto Marmitas das Terra. “Precisa de acesso à moradia, de mais oferta de água potável, mas vagas em albergues e a ampliação dos restaurantes populares. Nós podemos fornecer alimentos para as cozinhas comunitárias”, disse, propondo parceria que foi comentada favoravelmente por Gusi, que também sinalizou positivamente à fala de Camilo Turmina, da Associação Comercial do Paraná (ACP), de distribuir vouchers dos restaurantes populares.
Também houve sugestões de Ivanei da Silva Jesus, da Federação das Igrejas Evangélicas, de Claudio Oliver, da Casa da Videira e de Cleverson Shilipacke, da Associação dos Comerciantes Estabelecidos no Mercado Municipal de Curitiba, que já apoio o refeitório do Mesa Solidária instalado nas proximidades do estabelecimento. O presidente da FAS não tratou do projeto em si, mas deu números da atuação da fundação na cidade, explicando que existem, em Curitiba, 19 unidades de acolhimento, com 1.471 vagas. “Nos últimos doze meses, fizemos 103 mil atendimentos. Na média, cada pessoa abordada foi acolhida nove vezes.
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