Em audiência pública, Sanepar diz ter pedido fim da tarifa mínima à Agepar

por José Lázaro Jr. — publicado 30/04/2021 16h26, última modificação 30/04/2021 16h26
Atividade foi realizada pela Comissão de Meio Ambiente da CMC, com a participação de mais de 20 pessoas, para discutir a crise hídrica.
Em audiência pública, Sanepar diz ter pedido fim da tarifa mínima à Agepar

Audiência pública foi realizada por videoconferência. Na imagem, transmissão da Sanepar. Carlos Costa/CMC)

Questionada pela sociedade civil, nesta quinta-feira (29), em audiência pública na Câmara Municipal de Curitiba (CMC), a Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) revelou aguardar há um ano e meio que a Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Paraná (Agepar) autorize o fim da cobrança da tarifa mínima de água, a dispensa da cobrança da ligação das residências à rede de esgoto e a permissão para o ingresso da Sanepar no mercado livre de energia, dentro de um plano para reduzir em 30% o gasto anual de R$ 500 milhões da empresa com eletricidade.

Organizada pela Comissão de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Assuntos Metropolitanos, a audiência pública reuniu representantes da Prefeitura de Curitiba, da Sanepar, da Defensoria Pública do Estado, do Ministério Público do Paraná, da comunidade científica, da Comissão de Direito Ambiental da OAB/PR, da sociedade civil organizada, dos movimentos sociais e de comunidades da Região Metropolitana de Curitiba para debater a crise hídrica que assola o estado desde o final de 2019. Coordenada pela vereadora Maria Leticia (PV), presidente da comissão, a atividade foi transmitida ao vivo pelas redes sociais da CMC e está disponível no canal do Legislativo no YouTube (confira aqui).

O presidente da Sanepar, Claudio Stabile, respondeu questionamentos sobre a atuação da companhia ante a crise hídrica e à pandemia do coronavírus e a respeito do equilíbrio entre pagamento de dividendos aos sócios privados da companhia e a necessidade de investimentos. Na outra ponta, a sociedade civil cobrou da Prefeitura de Curitiba e da Sanepar mais planejamento de médio e longo prazo, para evitar novas crises no futuro. Também a adoção de medidas de proteção social à população mais socialmente vulnerável, soluções de engenharia para o reuso de água nas áreas urbanas e mais engajamento na preservação da Serra do Mar, cuja Mata Atlântica é fundamental para o abastecimento da capital e do seu entorno.

Da CMC, além da vereadora Maria Leticia, presidente da Comissão de Meio Ambiente, e dos integrantes do colegiado, Nori Seto (PP), vice, Leonidas Dias (SD), Marcos Vieira (PDT) e Sidnei Toaldo (Patriota), participou o presidente do Legislativo, Tico Kuzma (Pros), e os vereadores Carol Dartora (PT), Marcelo Fachinello (PSC), Jornalista Márcio Barros (PSD), Mauro Ignácio (DEM), Mauro Bobato (Pode), Professora Josete (PT), João da 5 Irmãos (PSL). Também o presidente da Câmara de Piraquara, Valmir Nanico (PSD), e os deputados estaduais, Professor Lemos e Tadeu Veneri, do PT, que anunciaram audiência pública sobre o mesmo tema em junho, na Assembleia Legislativa do Paraná, a exemplo do feito pela Câmara de Curitiba.

Ações da Sanepar
Acompanhado de técnicos da Sanepar, na audiência por videoconferência, o presidente da companhia defendeu que a atual gestão investiu em infraestrutura, retomando, por exemplo, as obras do novo reservatório do Miringuava. Iniciado há 20 anos, o empreendimento ficou parado por pendências judiciais e as obras foram retomadas há pouco tempo. “Estava parado, mas será utilizado ainda dentro dessa gestão”, garantiu Stabile, que convidou prefeitos e presidentes das câmaras municipais para visitarem o canteiro de obras.

Sobre a pandemia, defendeu o rodízio iniciado no ano passado e ainda em vigor. “Se não tivéssemos tomado medidas em maio [de 2020], não teríamos hoje água para os municípios do Saic [Sistema de Abastecimento de Água Integrado de Curitiba e Região Metropolitana, que hoje contempla Curitiba, Fazenda Rio Grande, Araucária, Campo Largo, Campo Magro, Almirante Tamandaré, Colombo, Quatro Barras, Piraquara e São José dos Pinhais]”, afirmou Stabile. A Sanepar, disse, semeou chuva, buscou água em cavas e pedreiras, transpôs o rio Verde e o Capivari, antecipando obra prevista para acontecer daqui três anos.

“Suspendemos todos os cortes [de fornecimento de água por falta de pagamento] e religamos tudo que foi cortado [de janeiro a março de 2020]”, continuou o presidente da Sanepar, que desde abril de 2020 não “negativa” os devedores. Também começou um programa auxiliar de distribuição e instalação de caixas d’água e outras estruturas emergenciais em comunidades do Saic. A cobrança da tarifa mínima, num cenário de estiagem, foi duramente criticada pelos participantes, pois incentiva que as unidades gastem aquilo pelo que pagarão de qualquer forma. Sobre isso, Stabile disse que o pedido para parar com isso foi feito a Agepar há um ano e meio, pois dependeria do aval da agência reguladora.

Sobre a acusação de a Sanepar se preocupar mais com os investidores privados que com a universalização do acesso a água, Stabile respondeu que “de 2016 a 2020 o lucro da companhia foi de R$ 4,2 bi e os investimentos foram de R$ 4,6 bi”. “Investimos 9% a mais do que houve de lucro”, continuou, afirmando que “até 2018 a distribuição do lucro era de 50% e a nossa primeira proposta foi baixar para 32%, o que foi um grande avanço, pois conseguimos manter mais recursos para investimento, cerca de R$ 400 milhões nesses dois anos”. Também anunciou um convênio com a Secretaria de Estado da Justiça para ampliar de 200 mil para 400 mil as famílias beneficiadas pela tarifa social da água.

A respeito do subsídio cruzado, no qual o lucro da operação em Curitiba, e em outras cidades grandes, pagam pela manutenção da rede da Sanepar nos municípios menores, Stabile foi taxativo. “O subsídio cruzado segue o princípio da solidariedade. Se isso não existir, abandonaremos os outros municípios, ficando só com um? É importante porque garante a uma parcela grande paranaenses receberem água e tratamento de esgoto”, afirmou. Na audiência, afirmou que fornecer 10 m³ de água tratada e coletar 10 m³ de esgoto custa R$ 15,15 e que, sobre o reajuste da tarifa, no mesmo período a conta de luz dobrou e os combustíveis ficaram seis vezes mais caros.

Prefeitura de Curitiba
O superintendente de controle ambiental da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Ibson Gabriel Martins de Campos, falou aos presentes no início da audiência pública. Ele se disse surpreso com a escassez de chuvas e que mesmo não sendo responsabilidade direta da prefeitura, o Executivo contratou 30 poços tubulares profundos e instalou reservatórios em comunidades para enfrentar a estiagem. “Cabe à Sanepar fazer estudos, projetos e obras relacionadas à oferta de água potável e ao Município cobrar e fiscalizar o cumprimento das metas”, alegou.

Sociedade civil
Foram ouvidas 20 pessoas da sociedade civil organizada, cujos apontamentos, testemunhos, críticas e sugestões serão relatorizadas pela Comissão de Meio Ambiente da CMC, conforme prometeu a vereadora Maria Leticia. Um dos principais eixos foi o da necessidade de planejamento de médio e longo prazo, conforme apontou, por exemplo, o geógrafo Pedro Fontão. Citando dados do Laboratório de Climatologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), ele indicou ter havido seca em 2006 e nas décadas de 1980, 1960 e 1920. “Falta uma cultura de gestão de riscos, pois só se lida com o impacto quando ele efetivamente aparece”, alertou. Na mesma linha, a defensora pública Olenka Martins Rocha e o promotor público Leandro Garcia Assunção cobraram ações de planejamento.

A preocupação com as populações mais socialmente vulneráveis neste cenário de estiagem e pandemia foi a tônica das falas da advogada Daiane Machado e de Robson Formica, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), e do Márcio Kieller, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT). “Não é só reduzir o consumo”, criticou Daiane Machado, referindo-se à campanha da Sanepar para a população cortar em 20% o gasto de água para evitar a adoção de racionamento no Paraná. “Não ter água quando retorna para casa é inviabilizar que as trabalhadoras e os trabalhadores façam a higienização mínima em meio a uma pandemia”, apontou.

A preservação ambiental, em especial da Serra do Mar, foi uma preocupação demonstrada por André Dias, do Observatório Justiça e Conservação; por Patrícia Pelanda, da Comissão de Direito Ambiental da OAB/PR, por Matheus Gustavo, do Rotary Act, por Geiza Pires, da Associação dos Protetores de Áreas Verdes (Apave), pelo engenheiro Eurico Borges dos Reis, pelo biólogo Kauê Cachuba de Abreu, por Gilmar de Lima do Hub Mãozinha Verde e por Luís Gonçalves, produtor agroecológico de Piraquara. “A Serra do Mar é a nossa grande caixa d’água”, resumiu Angelo Simão, da Apave.

Fabiano Camargo da Silva, do Dieese, recomendou que a Sanepar passe a remunerar os acionistas pelo mínimo legal, que é de 25%, argumentando que “se tivesse distribuído [dividendos nesse patamar] teria economizado R$ 1 bilhão”. Fernando Salino, da empresa Ambiente Engenharia, foi quem trouxe o debate sobre o subsídio cruzado para a audiência pública, dizendo que “Curitiba é a patrona da Sanepar e subsidia o estado inteiro”, depois indicando que “dez municípios dão lucro [para a companhia], 50 empatam e os outros, não”. Fabrício, da comunidade Formosa, cobrou da Sanepar obras na região para evitar enchentes e a recuperação da mata ciliar do rio que dá nome às moradias.