Elas estão em todas: do cafezinho à transparência
Em um dia de sessão plenária na Câmara Municipal, a copeira do Anexo I faz 80 litros de café, café com leite e chá. Ela se chama Márcia Ferreira, tem 36 anos de idade, mora em Colombo, na região metropolitana de Curitiba, e acorda todos os dias às 5h30 da madrugada. Faz o próprio café, toma banho e pega um ônibus intermunicipal que a deixa no Terminal do Guadalupe. Ela faz parte das 24 mulheres que, diariamente, abrem a instituição às 7 horas da manhã (copa, serviços gerais e portarias) – antes das outras pessoas.
Segundo a Diretoria de Administração e Recursos Humanos (DARH) da Câmara Municipal, as mulheres são praticamente metade dos servidores de cargo de provimento efetivo (117 de 236, 49%) e um terço dos cargos em comissão, majoritariamente ligados aos gabinetes parlamentares (108 de 307, 35%). São minoria entre os vereadores (5 em 38, 13%), minoria na vigilância (3 em 35, 8,5%) e maioria nos serviços gerais, copa e portarias (46 em 52, 88%) e entre os estagiários (40 de 60, 66%).
“Sei que a sociedade ainda é preconceituosa, porém acredito que todos merecem a oportunidade de mostrar suas capacidades e habilidades como pessoas independente da questão de gênero”, defende Ana Claudia Melo dos Santos, 32 anos de idade, servidora da Câmara Municipal há cinco anos e diretora do DARH desde maio de 2013. Ela é uma das 26 mulheres que ocupam cargos de chefia no Legislativo (40% do total).
Ana Claudia e Waléria Christina Maida, diretora da Procuradoria Jurídica, concordam que historicamente as mulheres estão ocupando cada vez mais posições de comando. “Acredito que isto não é fruto só da necessidade, mas também da nossa vontade de provar que somos capazes, de superar limites. Avançarmos nisso é motivante para quem enfrenta esse desafio e para quem idealiza um futuro melhor para as mulheres e para a sociedade como um todo”, afirma a diretora de Recursos Humanos. “Hoje, na Câmara de Vereadores, temos bem mais mulheres em cargos de chefia que antigamente”, testemunha Waléria, há 28 anos no Legislativo.
A direção da Procuradoria Jurídica é o cargo mais importante ocupado por uma mulher dentro da instituição e está subordinado à Mesa Executiva. É equivalente a chefiar o Departamento de Administração e Finanças ou o Departamento de Processo Legislativo, que, por diferença operacional, no organograma da Câmara de Vereadores estão subordinados à Diretoria-Geral. “É um cargo de bastante responsabilidade, pois assessoramos todas decisões tomadas na instituição”, diz.
Ela e Ana Cláudia concordam em outra coisa: não enxergam a distribuição dessas posições de comando como uma questão de gênero, mas de competência profissional. “Estamos no mesmo barco e queremos um futuro melhor para todos, além de transformar a Câmara Municipal em referência”, relata a diretora de RH. Falando da gestão de recursos humanos, ela entende que, “independente do gênero, as pessoas têm que ter muita sensibilidade e habilidade no trato com os outros”. “Trabalho com competência é reconhecido”, reforça Waléria. As duas diretoras chefiam equipes mistas, com mulheres e homens, e garantem que o serviço é bem executado por ambos.
A copeira do Anexo I tem uma filha de 19 anos de idade, Luana, que ainda está dormindo quando a mãe deixa a casa para vir trabalhar na Câmara Municipal. No meio das dezenas de garrafas térmicas empilhadas na pia, Márcia Ferreira diz estar satisfeita por Luana ter completado o ensino médio. “Tudo que uma mãe deseja na vida é ver os filhos encaminhados”, diz, com a menina ao seu lado. Luana, que vai prestar vestibular para Comunicação Social, sempre a visita no Legislativo.
Voltando pra casa
Hoje foi o último dia de trabalho da haitiana Dieulitane Exilus na Câmara Municipal. Há quase dois anos, ela e o marido mudaram-se para Curitiba, seguindo o exemplo das mais de 100 mil pessoas que deixaram a ilha da América Central após o terremoto de 2010 em busca de melhores condições de vida no Brasil. Com 29 anos de idade, agora Dieulitane retornará ao país em que nasceu para cuidar dos três filhos, que ficaram com a avó.
“A maior dificuldade que ela encontrou foi aprender a língua nova”, comenta Roseli Pedrozo da Silva, responsável pela equipe de serviços gerais do Legislativo. A supervisora elogiou o trabalho de Dieulitane, uma das 27 mulheres encarregadas de limpar os ambientes da instituição – elas são maioria no serviço, pois apenas 6 homens trabalham na área de serviços gerais.
Para Roseli, com 36 anos de idade, 16 deles dedicados à profissão, as condições de trabalho ficaram melhores nos últimos anos, “mas as meninas ainda se queixam de, às vezes, se sentirem meio "invisíveis"”. “E isso é algo que acontece em todos os lugares, pois a sociedade ainda não reconhece devidamente as pessoas que trabalham com limpeza. Não se enxerga que, sem o serviço, o ambiente não estaria adequado”, diz.
“Tinha que ser homem”
Assim como os serviços gerais, a vigilância patrimonial é efetuada na Câmara Municipal por uma empresa terceirizada. Das 35 pessoas que se revezam na atividade, 24 horas por dia, 3 são mulheres. “Já ouvi coisas como: "mas é uma mulher fazendo esse serviço? Tinha que ser homem"”, comenta rindo Silmara Dainez, 39 anos. Faz apenas um ano que ela se tornou vigilante, antes montava computadores numa fábrica.
Parte da equipe de vigilância, Silmara reclama desse “receio” com o fato de ela e as colegas serem mulheres. “A sociedade não nos vê nesta profissão, tem menos confiança”, relata. Igual a todas as mulheres ouvidas para esta reportagem, Silmara não lembra de ter sido pessoalmente desrespeitada pela diferença de gênero, mas cobra a “jornada dupla”. “Tínhamos que ter dois salários, um do trabalho e outro por cuidar da família”, provoca. Ela tem três filhos, de 11, 16 e 18 anos de idade.
“Quando aparece um QRU, a gente entra em ação”, diz Tânia Peixoto, 42 anos de idade, que trabalha na segurança direta dos membros da Mesa Diretora. Ela é a única mulher na equipe encarregada desse trabalho, composta por mais 4 homens. QRU, na linguagem cifrada deles, designa “as novidades”, os “elementos imprevisíveis”, as “pessoas de fora”. “Tem que prestar atenção, vai que ele está armado?”, explica.
Tânia começou nesse serviço na gestão do ex-presidente Paulo Salamuni (PV) e continua na função, agora com Ailton Araújo (PSC) na gestão da Câmara Municipal. “Meu dia mais tenso no trabalho aqui foi durante a ocupação do outro plenário [pela Frente de Luta pelo Transporte, em outubro de 2013, quando os manifestantes pernoitaram no auditório do Anexo II]. Eu estava responsável pelo portão, e tinha medo que eles tentassem derrubar”, lembrou.
Porta-voz da transparência
“As pessoas acham que se não tiraram de mim a informação naquele momento, não terão outra oportunidade. Isso não é verdade. Qualquer pessoa pode vir aqui na sala e pedir os documentos”, assegura a diretora contábil-financeira da Câmara Municipal, Aline Bogo. Ela tem uma dupla responsabilidade: fazer todos os pagamentos e, a cada quatro meses, prestar contas desses números em audiências públicas.
No último dia 27 de fevereiro, era ela quem estava diante dos vereadores para apresentar o balanço de 2014, ano em que a instituição economizou 23% do seu orçamento. “Falar em público sempre é um desafio”, confessa, apesar de fazer os pronunciamentos há pelo menos três anos. “Se eu sinto que houve mais interesse por algum dado, na próxima vez eu tento detalhar mais aquela informação. Nesta última, incluí o e-mail do Financeiro, para as pessoas entenderem que estamos aqui para atender a população”, disse, taxativa.
Mais de R$ 100 milhões foram desembolsados pela Câmara Municipal no ano passado. “O que nós fazemos todos os dias são pagamentos. Tudo que sai da conta bancária do Legislativo passa aqui pela diretoria. Duas pessoas sempre tem que autorizar os saques no banco e fazemos prestações de contas mensais ao TCE (Tribunal de Contas do Estado)“, relata Aline, 41 anos de idade e “quase seis” de trabalho na instituição. Ela diz que a gestão pública ganhou muito com a Lei de Responsabilidade Fiscal e as normas de transparência.
Conversa de mulher
Faz mais de 20 anos que só mulheres trabalham no departamento encarregado de fazer as atas de plenário, montá-las e arquivar esses documentos. Na verdade, Nazir Suphoronski, 50 anos, e Aderli de Oliveira, 52, não conseguiram precisar quando foi a última vez que uma pessoa do sexo oposto foi lotada na seção de Anais, vinculada à Diretoria da Assessoria Técnica ao Plenário.
No levantamento realizado pela Comunicação Social para esta reportagem, reparamos que as sete mulheres dessa seção trabalham na única sala exclusivamente feminina de toda a Câmara Municipal. Outros setores com atribuições específicas também funcionam sem homens, mas como dividem sala com estruturas maiores, a situação desse espaço do térreo, entre os Anexos 1 e 2, é única.
“Homem não se liga em detalhe”, diz Nazir de bate-pronto, sobre a vantagem de ter mulheres trabalhando na gestão dos documentos. Com 28 anos de Câmara Municipal, é ela quem chefia a seção atualmente. Aderli, que se aposenta no próximo mês, concorda. Ela entende que, pelo fato de só trabalharem mulheres no ambiente, “o diálogo é mais fácil”. Elas têm histórias engraçadas sobre roupas umas das outras e admitem trocar conselhos sobre relacionamentos e questões familiares.
No dia das entrevistas, as servidoras Patrícia Melo e Elizete Marconcin, 28 e 32 anos, respectivamente, acompanharam a conversa. Elas trabalham no Legislativo há menos tempo, 4 anos, e confirmaram os papos sobre “assuntos particulares”. Lembraram também que não seria ruim se a instituição dispusesse de psicólogos no setor de Medicina Ocupacional. “Ia encher de mulher”, falaram aos risos. Aderli, já mais séria, disse não lembrar de tantos afastamentos por esse motivo antigamente.
No meio deles
Funciona no Anexo 1 a Diretoria de Informática, onde duas mulheres convivem há diversos anos com 17 homens. Uma delas é Marlise Pereira, 51 anos, e a outra é Cláudia Fantin, 43. Elas dizem que em ambas as áreas de trabalho, tanto no suporte, quanto no desenvolvimento de sistemas, nunca tiveram problemas por serem as únicas mulheres dali. “Já era assim na faculdade, então a gente se acostuma”, desconversa Cláudia.
Marlise, que ministra cursos para funcionários novos, ensinando-os a usar o Sistema de Proposições Legislativas (SPL), também nunca se sentiu menosprezada por questões de gênero. “São 15 anos de trabalho na Câmara, pode ser que as pessoas tenham se acostumado com uma mulher no suporte da informática”, brinca. Elas só precisam “lembrar os meninos”, de vez em quando, dizem, que o papo de homem deles está beirando os limites. Dividir o banheiro dali com os 17 também já rendeu uns “puxões de orelha”.
“Uma vez disseram que, por eu ser mulher, tinha uma visão especial”, contou Cláudia, cujo trabalho no desenvolvimento de sistemas, em 18 anos de carreira dentro da Câmara Municipal, habilita a servidora a falar sobre as ferramentas usadas nas Finanças, Recursos Humanos e demais setores do Legislativo. Marlise não só ministra os cursos, mas também participou da criação do SPL. “No Dia Internacional da Mulher, o que temos a dizer umas para as outras é dar os parabéns”, desejou.
Cláudia, contudo, fez uma observação que talvez ajude a explicar o porquê da ausência de queixas sobre discriminação: “se você é servidora efetiva, as suas condições são iguais às dos outros por força da lei. Não existe, por exemplo, diferença de salário de homem para mulher – como acontece no mercado de trabalho”, exemplificou, citando caso recente, onde a atriz Patricia Arquette, ao receber o Oscar de melhor atriz coadjuvante, pediu igualdade de remuneração entre os gêneros em Hollywood. “Se acontece lá, imagine aqui”, comentou.
No meio delas
Das 13 pessoas que trabalham na Taquigrafia, há apenas um homem. “Antes tinha dois, mas o Veli foi para o Deprole”, lembra, sem ressentimento, Everton Beckert. Há 18 anos ele trabalha com elas, por isso foi o único representante do sexo masculino ouvido nesta reportagem. “E é assim em casa também, com a minha esposa e duas filhas. Lá eu continuo minoria”, adianta. Everton tem 40 e as crianças 3 e 7 anos de idade.
“Eu fico impressionado com a capacidade delas serem multitarefa. Estão digitando aqui, conversando com a pessoa do lado e acompanhando, com direito a opinar, o papo da outra mesa. Eu não consigo”, admite o taquígrafo. “Nós nos relacionamos bem, até porque o trabalho em equipe é uma das condições da nossa atividade. A cada cinco minutos, cronometrados, uma nova pessoa assume. Precisa ter unidade, ter sincronia”, explica.
Everton diz que, devido a convivência, foi ficando mais perfeccionista. “Quando alguém usa uma palavra que não está dicionarizada, o normal é checar e, constatado isso, seguir em frente. É o que eu faço, sou mais despojado. Só que elas não se contentam, olham em um dicionário, procuram em outro, discutem alternativas”, conta o servidor, visivelmente assombrado.
Na condição de talvez o maior especialista do Legislativo em convivência com o sexo feminino, Everton diz que é importante “ser atencioso”. “Quando a gente conversa coisas do trabalho, preciso prestar atenção. Essa conexão, que é um sinal de respeito, é fundamental para o andamento do trabalho”, revela. “Paciência é importante”, conclui.
Por José Lazaro Jr. – Jornalista da Diretoria de Comunicação da Câmara Municipal de Curitiba. Colaboraram Chico Camargo e Andressa Katriny, fotojornalistas da mesma assessoria.
Segundo a Diretoria de Administração e Recursos Humanos (DARH) da Câmara Municipal, as mulheres são praticamente metade dos servidores de cargo de provimento efetivo (117 de 236, 49%) e um terço dos cargos em comissão, majoritariamente ligados aos gabinetes parlamentares (108 de 307, 35%). São minoria entre os vereadores (5 em 38, 13%), minoria na vigilância (3 em 35, 8,5%) e maioria nos serviços gerais, copa e portarias (46 em 52, 88%) e entre os estagiários (40 de 60, 66%).
“Sei que a sociedade ainda é preconceituosa, porém acredito que todos merecem a oportunidade de mostrar suas capacidades e habilidades como pessoas independente da questão de gênero”, defende Ana Claudia Melo dos Santos, 32 anos de idade, servidora da Câmara Municipal há cinco anos e diretora do DARH desde maio de 2013. Ela é uma das 26 mulheres que ocupam cargos de chefia no Legislativo (40% do total).
Ana Claudia e Waléria Christina Maida, diretora da Procuradoria Jurídica, concordam que historicamente as mulheres estão ocupando cada vez mais posições de comando. “Acredito que isto não é fruto só da necessidade, mas também da nossa vontade de provar que somos capazes, de superar limites. Avançarmos nisso é motivante para quem enfrenta esse desafio e para quem idealiza um futuro melhor para as mulheres e para a sociedade como um todo”, afirma a diretora de Recursos Humanos. “Hoje, na Câmara de Vereadores, temos bem mais mulheres em cargos de chefia que antigamente”, testemunha Waléria, há 28 anos no Legislativo.
A direção da Procuradoria Jurídica é o cargo mais importante ocupado por uma mulher dentro da instituição e está subordinado à Mesa Executiva. É equivalente a chefiar o Departamento de Administração e Finanças ou o Departamento de Processo Legislativo, que, por diferença operacional, no organograma da Câmara de Vereadores estão subordinados à Diretoria-Geral. “É um cargo de bastante responsabilidade, pois assessoramos todas decisões tomadas na instituição”, diz.
Ela e Ana Cláudia concordam em outra coisa: não enxergam a distribuição dessas posições de comando como uma questão de gênero, mas de competência profissional. “Estamos no mesmo barco e queremos um futuro melhor para todos, além de transformar a Câmara Municipal em referência”, relata a diretora de RH. Falando da gestão de recursos humanos, ela entende que, “independente do gênero, as pessoas têm que ter muita sensibilidade e habilidade no trato com os outros”. “Trabalho com competência é reconhecido”, reforça Waléria. As duas diretoras chefiam equipes mistas, com mulheres e homens, e garantem que o serviço é bem executado por ambos.
A copeira do Anexo I tem uma filha de 19 anos de idade, Luana, que ainda está dormindo quando a mãe deixa a casa para vir trabalhar na Câmara Municipal. No meio das dezenas de garrafas térmicas empilhadas na pia, Márcia Ferreira diz estar satisfeita por Luana ter completado o ensino médio. “Tudo que uma mãe deseja na vida é ver os filhos encaminhados”, diz, com a menina ao seu lado. Luana, que vai prestar vestibular para Comunicação Social, sempre a visita no Legislativo.
Voltando pra casa
Hoje foi o último dia de trabalho da haitiana Dieulitane Exilus na Câmara Municipal. Há quase dois anos, ela e o marido mudaram-se para Curitiba, seguindo o exemplo das mais de 100 mil pessoas que deixaram a ilha da América Central após o terremoto de 2010 em busca de melhores condições de vida no Brasil. Com 29 anos de idade, agora Dieulitane retornará ao país em que nasceu para cuidar dos três filhos, que ficaram com a avó.
“A maior dificuldade que ela encontrou foi aprender a língua nova”, comenta Roseli Pedrozo da Silva, responsável pela equipe de serviços gerais do Legislativo. A supervisora elogiou o trabalho de Dieulitane, uma das 27 mulheres encarregadas de limpar os ambientes da instituição – elas são maioria no serviço, pois apenas 6 homens trabalham na área de serviços gerais.
Para Roseli, com 36 anos de idade, 16 deles dedicados à profissão, as condições de trabalho ficaram melhores nos últimos anos, “mas as meninas ainda se queixam de, às vezes, se sentirem meio "invisíveis"”. “E isso é algo que acontece em todos os lugares, pois a sociedade ainda não reconhece devidamente as pessoas que trabalham com limpeza. Não se enxerga que, sem o serviço, o ambiente não estaria adequado”, diz.
“Tinha que ser homem”
Assim como os serviços gerais, a vigilância patrimonial é efetuada na Câmara Municipal por uma empresa terceirizada. Das 35 pessoas que se revezam na atividade, 24 horas por dia, 3 são mulheres. “Já ouvi coisas como: "mas é uma mulher fazendo esse serviço? Tinha que ser homem"”, comenta rindo Silmara Dainez, 39 anos. Faz apenas um ano que ela se tornou vigilante, antes montava computadores numa fábrica.
Parte da equipe de vigilância, Silmara reclama desse “receio” com o fato de ela e as colegas serem mulheres. “A sociedade não nos vê nesta profissão, tem menos confiança”, relata. Igual a todas as mulheres ouvidas para esta reportagem, Silmara não lembra de ter sido pessoalmente desrespeitada pela diferença de gênero, mas cobra a “jornada dupla”. “Tínhamos que ter dois salários, um do trabalho e outro por cuidar da família”, provoca. Ela tem três filhos, de 11, 16 e 18 anos de idade.
“Quando aparece um QRU, a gente entra em ação”, diz Tânia Peixoto, 42 anos de idade, que trabalha na segurança direta dos membros da Mesa Diretora. Ela é a única mulher na equipe encarregada desse trabalho, composta por mais 4 homens. QRU, na linguagem cifrada deles, designa “as novidades”, os “elementos imprevisíveis”, as “pessoas de fora”. “Tem que prestar atenção, vai que ele está armado?”, explica.
Tânia começou nesse serviço na gestão do ex-presidente Paulo Salamuni (PV) e continua na função, agora com Ailton Araújo (PSC) na gestão da Câmara Municipal. “Meu dia mais tenso no trabalho aqui foi durante a ocupação do outro plenário [pela Frente de Luta pelo Transporte, em outubro de 2013, quando os manifestantes pernoitaram no auditório do Anexo II]. Eu estava responsável pelo portão, e tinha medo que eles tentassem derrubar”, lembrou.
Porta-voz da transparência
“As pessoas acham que se não tiraram de mim a informação naquele momento, não terão outra oportunidade. Isso não é verdade. Qualquer pessoa pode vir aqui na sala e pedir os documentos”, assegura a diretora contábil-financeira da Câmara Municipal, Aline Bogo. Ela tem uma dupla responsabilidade: fazer todos os pagamentos e, a cada quatro meses, prestar contas desses números em audiências públicas.
No último dia 27 de fevereiro, era ela quem estava diante dos vereadores para apresentar o balanço de 2014, ano em que a instituição economizou 23% do seu orçamento. “Falar em público sempre é um desafio”, confessa, apesar de fazer os pronunciamentos há pelo menos três anos. “Se eu sinto que houve mais interesse por algum dado, na próxima vez eu tento detalhar mais aquela informação. Nesta última, incluí o e-mail do Financeiro, para as pessoas entenderem que estamos aqui para atender a população”, disse, taxativa.
Mais de R$ 100 milhões foram desembolsados pela Câmara Municipal no ano passado. “O que nós fazemos todos os dias são pagamentos. Tudo que sai da conta bancária do Legislativo passa aqui pela diretoria. Duas pessoas sempre tem que autorizar os saques no banco e fazemos prestações de contas mensais ao TCE (Tribunal de Contas do Estado)“, relata Aline, 41 anos de idade e “quase seis” de trabalho na instituição. Ela diz que a gestão pública ganhou muito com a Lei de Responsabilidade Fiscal e as normas de transparência.
Conversa de mulher
Faz mais de 20 anos que só mulheres trabalham no departamento encarregado de fazer as atas de plenário, montá-las e arquivar esses documentos. Na verdade, Nazir Suphoronski, 50 anos, e Aderli de Oliveira, 52, não conseguiram precisar quando foi a última vez que uma pessoa do sexo oposto foi lotada na seção de Anais, vinculada à Diretoria da Assessoria Técnica ao Plenário.
No levantamento realizado pela Comunicação Social para esta reportagem, reparamos que as sete mulheres dessa seção trabalham na única sala exclusivamente feminina de toda a Câmara Municipal. Outros setores com atribuições específicas também funcionam sem homens, mas como dividem sala com estruturas maiores, a situação desse espaço do térreo, entre os Anexos 1 e 2, é única.
“Homem não se liga em detalhe”, diz Nazir de bate-pronto, sobre a vantagem de ter mulheres trabalhando na gestão dos documentos. Com 28 anos de Câmara Municipal, é ela quem chefia a seção atualmente. Aderli, que se aposenta no próximo mês, concorda. Ela entende que, pelo fato de só trabalharem mulheres no ambiente, “o diálogo é mais fácil”. Elas têm histórias engraçadas sobre roupas umas das outras e admitem trocar conselhos sobre relacionamentos e questões familiares.
No dia das entrevistas, as servidoras Patrícia Melo e Elizete Marconcin, 28 e 32 anos, respectivamente, acompanharam a conversa. Elas trabalham no Legislativo há menos tempo, 4 anos, e confirmaram os papos sobre “assuntos particulares”. Lembraram também que não seria ruim se a instituição dispusesse de psicólogos no setor de Medicina Ocupacional. “Ia encher de mulher”, falaram aos risos. Aderli, já mais séria, disse não lembrar de tantos afastamentos por esse motivo antigamente.
No meio deles
Funciona no Anexo 1 a Diretoria de Informática, onde duas mulheres convivem há diversos anos com 17 homens. Uma delas é Marlise Pereira, 51 anos, e a outra é Cláudia Fantin, 43. Elas dizem que em ambas as áreas de trabalho, tanto no suporte, quanto no desenvolvimento de sistemas, nunca tiveram problemas por serem as únicas mulheres dali. “Já era assim na faculdade, então a gente se acostuma”, desconversa Cláudia.
Marlise, que ministra cursos para funcionários novos, ensinando-os a usar o Sistema de Proposições Legislativas (SPL), também nunca se sentiu menosprezada por questões de gênero. “São 15 anos de trabalho na Câmara, pode ser que as pessoas tenham se acostumado com uma mulher no suporte da informática”, brinca. Elas só precisam “lembrar os meninos”, de vez em quando, dizem, que o papo de homem deles está beirando os limites. Dividir o banheiro dali com os 17 também já rendeu uns “puxões de orelha”.
“Uma vez disseram que, por eu ser mulher, tinha uma visão especial”, contou Cláudia, cujo trabalho no desenvolvimento de sistemas, em 18 anos de carreira dentro da Câmara Municipal, habilita a servidora a falar sobre as ferramentas usadas nas Finanças, Recursos Humanos e demais setores do Legislativo. Marlise não só ministra os cursos, mas também participou da criação do SPL. “No Dia Internacional da Mulher, o que temos a dizer umas para as outras é dar os parabéns”, desejou.
Cláudia, contudo, fez uma observação que talvez ajude a explicar o porquê da ausência de queixas sobre discriminação: “se você é servidora efetiva, as suas condições são iguais às dos outros por força da lei. Não existe, por exemplo, diferença de salário de homem para mulher – como acontece no mercado de trabalho”, exemplificou, citando caso recente, onde a atriz Patricia Arquette, ao receber o Oscar de melhor atriz coadjuvante, pediu igualdade de remuneração entre os gêneros em Hollywood. “Se acontece lá, imagine aqui”, comentou.
No meio delas
Das 13 pessoas que trabalham na Taquigrafia, há apenas um homem. “Antes tinha dois, mas o Veli foi para o Deprole”, lembra, sem ressentimento, Everton Beckert. Há 18 anos ele trabalha com elas, por isso foi o único representante do sexo masculino ouvido nesta reportagem. “E é assim em casa também, com a minha esposa e duas filhas. Lá eu continuo minoria”, adianta. Everton tem 40 e as crianças 3 e 7 anos de idade.
“Eu fico impressionado com a capacidade delas serem multitarefa. Estão digitando aqui, conversando com a pessoa do lado e acompanhando, com direito a opinar, o papo da outra mesa. Eu não consigo”, admite o taquígrafo. “Nós nos relacionamos bem, até porque o trabalho em equipe é uma das condições da nossa atividade. A cada cinco minutos, cronometrados, uma nova pessoa assume. Precisa ter unidade, ter sincronia”, explica.
Everton diz que, devido a convivência, foi ficando mais perfeccionista. “Quando alguém usa uma palavra que não está dicionarizada, o normal é checar e, constatado isso, seguir em frente. É o que eu faço, sou mais despojado. Só que elas não se contentam, olham em um dicionário, procuram em outro, discutem alternativas”, conta o servidor, visivelmente assombrado.
Na condição de talvez o maior especialista do Legislativo em convivência com o sexo feminino, Everton diz que é importante “ser atencioso”. “Quando a gente conversa coisas do trabalho, preciso prestar atenção. Essa conexão, que é um sinal de respeito, é fundamental para o andamento do trabalho”, revela. “Paciência é importante”, conclui.
Por José Lazaro Jr. – Jornalista da Diretoria de Comunicação da Câmara Municipal de Curitiba. Colaboraram Chico Camargo e Andressa Katriny, fotojornalistas da mesma assessoria.
Reprodução do texto autorizada mediante citação da Câmara Municipal de Curitiba