Debate sobre escolas virou
“Que dimensões do ser humano deveriam ser atendidas na política pública de educação?”, “qual a escola que as crianças querem, quem tem legitimidade para falar sobre qual escola quer?”, “o que sexualidade tem a ver com partido?”. Essas foram algumas das perguntas que, nesta quarta-feira (25), durante a Tribuna Livre da Câmara Municipal de Curitiba, a advogada Sandra Lia Barwinski, integrante do Comitê Latino Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem Brasil), dirigiu aos vereadores.
Convidada por Professora Josete (PT) para debater no Legislativo quais seriam as políticas públicas para igualdade na atualidade, Sandra Barwinski – que é presidente da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da seção Paraná da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) –, em resposta a perguntas dos vereadores, apresentou aquilo que ela enxerga como contraponto da filosofia política ao teor do projeto Escola Sem Partido, que tramita na Câmara. Ela se posicionou contra a iniciativa e, em referência ao cientista norte-americano Noam Chomsky, disse que o debate sobre educação virou uma “guerra tranquila”, na qual são usadas “armas silenciosas de manipulação”.
“O que tem sido deixado de lado, o que está encoberto por essa cortina de fumaça que veio na esteira dos planos de educação? O melhor interesse das crianças e dos adolescentes. A pergunta que deve pautar as discussões é qual a escola que temos, qual a escola que queremos, qual a escola que as crianças querem. Como fazer que eles queiram ir para a escola quando 80% do conteúdo está disponibilizado na internet? Alguém parou para ouvir as crianças e adolescentes honesta, franca e abertamente?”, questionou a advogada.
“Será que as crianças estão preocupadas com policiamento de professores, com golpes na autonomia do seu pensamento crítico? Ou elas querem uma escola que os acolha, que os ouça, que os ajude a resolver dilemas e conflitos, na qual sintam que possam sonhar? Estamos ocupados em lhes oportunizar esse direito?”, continuou a integrante do Cladem Brasil. Para Sandra Barwinski, a escola que se busca deve ser “gratuita, plural, de qualidade e que incentiva os estudantes a quererem mais do mundo”. “[Uma escola que não faça da] loteria do nascimento um obstáculo intransponível para os indivíduos exercerem seus talentos”, disse.
Família e educação
“Não queremos amordaçar ninguém, queremos valorizar o bom professor”, rebateu Ezequias Barros (PRP), um dos autores do Escola Sem Partido. “Queremos o respeito aos pais. A prioridade é da criança, e o papel do professor é fazê-la pensar, mas não somente um tipo de pensamento”, seguiu o vereador, para quem existe uma esquerdopatia incutida em professores que, em sala de aula, dizem a crianças pequenas que não tem gênero. O vereador citou vídeo em que um estudante é segurado por adultos, para que a professora lhe passe batom na boca, como exemplo dos exageros flagrados em sala de aula. Barwinski depois comentou que esse vídeo foi denunciado ao Ministério Público do Paraná (MP-PR), por se tratar de um “fake”, de uma simulação.
Esse episódio fez com que Sandra Barwinski – depois de discordar do posicionamento de Barros, ainda que defendesse o direito de ele expressar essas opiniões –, argumentasse que grande parte dos casos de agressão a crianças e adolescentes ocorre dentro das famílias. “Quando [as crianças] sofrem violência das famílias, precisam de alguém que olhe por elas. Se não falarmos em discriminação [nas escolas], não teriam a quem recorrer quando a família falha”, acrescentou.
Depois, em resposta a Osias Moraes (PRB), retomou o raciocínio. “O que se quer não é desqualificar famílias, é muito o contrário”, continuou, dizendo que “a família é a instituição política fundamental para um Estado”. “Se temos uma família que discrimina, teremos um Estado que discrimina. Se temos uma família violenta, teremos um Estado violento. [O que eu defendo é] que as famílias sejam também espaços democráticos. As escolha da minha família são direito privado meu; preciso garantir o direito público de as famílias se constituírem como quiserem se constituir”, completou a ex-presidente da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da OAB-PR.
“Estamos carentes de política pública”, tinha dito Osias Moraes, “pois não vemos políticas públicas para reconstruir o núcleo familiar”. O parlamentar defendeu o direito de os pais orientarem os filhos e insistiu na necessidade de limites. “Liberdade sem regras, sem lei, vira libertinagem. A democracia tem que ser alinhada com as leis, com as regras. Enquanto eu sei o meu limite, não ultrapasso o seu”, expôs. Para a advogada, que citou o pensador liberal John Rawls, as políticas públicas, quando pautadas para o desenvolvimento social, “têm que ser destinadas a quem tem menos”.
Escola Sem Partido
Uma crítica direta ao projeto Escola Sem Partido foi feita por outro vereador, Professor Euler (PSD), que reforçou o posicionamento da Comissão de Educação, contrário à iniciativa dos parlamentares Ezequias Barros, Osias Moraes e Thiago Ferro (PSDB). “O projeto não é adequado”, sentenciou. “Não seria melhor uma escola com todos os partidos, que permitisse discutir todos os assuntos? É preciso, sim, honestidade dos professores, pois não queremos que doutrinem, mas que abram a discussão”.
A convidada da Tribuna Livre, em dado momento, chegou a chamar o Escola Sem Partido de “subversão semântica”. “Eu penso que o projeto é uma subversão semântica do sentido das palavras. O que é uma escola sem partido? O que é "sem partido" para mim não é "sem partido" para o senhor”, disse. Sandra Barwinski apontou que, para ela, na medida em que o projeto “impõe restrições que a Constituição Federal não prevê e não permite”, é falho. A proposição ignoraria os princípios da boa-fé e da liberdade de cátedra.
Pier Petruzziello (PTB), qualificando-se como um politico de centro-direita, destacou que tem votado a favor de matérias pró-LGBT, pois vê que se trata de uma questão humanitária, “não de esquerda ou de direita”. Dando uma sugestão aos militantes de ambos matizes políticos, pediu que eles “não se posicionem radicalmente num tema humanitário”. “Temos que ter uma visão igual da pessoa, do humano. A discussão ideológica política vai prejudicar o debate”, denunciou o vereador, líder do prefeito na Câmara Municipal.
Fora desse debate, Julieta Reis (DEM) e Professor Silberto (PMDB) elogiaram a advogada e fizeram a ela questionamentos sobre o que ela imaginaria ser a escola ideal. A eles, Sandra Barwinski respondeu que apostaria numa escola capaz de fazer a mediação dos estudantes com os conteúdos. Maria Letícia Fagundes (PV) comentou que não se pode demonizar a internet: “a escola ainda restringe muito o aluno”, disse.
Também elogiando, Goura (PDT) contou que a filha pequena dele, que estuda em escola pública, reclamou de o professor ter separado meninas e meninos, dando às primeiras bonecas para brincar e bola para os piás. “Ela queria jogar bola”, disse.
Acompanharam a Tribuna Livre Rafael Kirchhoff, da Comissão da Diversidade Sexual da OAB/PR, Victória Dobri (Promotoras Legais Populares), Simone Weinhardt Withers, da Secretaria Municipal da Educação, Thiago Fortes Ribas, do Laboratório de Investigação de Corpo, Gênero e Subjetividades na Educação da UFPR, Marise Félix, do Mães pela diversidade, Silvia Kreuz, do Grupo Mami, Tais Mendes, da APP Sindicato, Luciana Kopsch, do Sismmac, Silvana Rego, do Sismuc, Sabrina Taborda, do Transgrupo Marcela Prado, Gabriela Martins, da Rede Mulheres Negras do Paraná, Carmen Ribeiro, da Rede Feminista de Saúde e Maria Isabel Correa, da União Brasileira de Mulheres e outras entidades defensoras dos direitos humanos.
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