CPI vai investigar mudança de planta da Vila Domitila, determinada por decreto
Na primeira reunião da CPI da Vila Domitila, os vereadores ouviram advogados e moradores que brigam na justiça com o INSS pela posse de uma área de 191.480m², compreendida entre os bairros Cabral e Ahú. Eles enumeraram motivos para que seja feita uma investigação aprofundada por parte dos parlamentares sobre a posse do terreno em questão, pois envolve o desalojamento de aproximadamente 250 famílias, sendo que muitas já foram despejadas. Para esclarecer as questões judiciais que envolvem o caso, a advogada Shirley Terezinha Bonfim fez uma apresentação aos parlamentares. De acordo com ela, um decreto municipal determinou a substituição da planta original da Vila Domitila, o que possibilitou ao INSS a reintegração de posse dos terrenos. Para ajudar a esclarecer o fato, os vereadores devem chamar, na próxima semana, a Secretaria Municipal de Urbanismo.
“O objetivo é que possamos ter uma noção exata do problema. Não estamos a par do ponto de vista legal que envolve a questão e precisamos chegar à sua raiz. Sabemos por enquanto que a história começou em 1871 e foi a antiga residência do governador Caetano Munhoz da Rocha”, esclareceu a vereadora Julieta Reis (DEM), presidente do colegiado. Ela afirmou que será feito o levantamento dentro dos limites constitucionais cabíveis aos vereadores e dentro da lei.
Os processos tramitam na 2ª Vara Cível Federal. O vereador Jairo Marcelino (PSD) encaminhou, no dia 17 de maio, um ofício ao ministro da Fazenda e da Previdência Social, Henrique Meirelles, solicitando a suspensão de todas as ações judiciais que envolvam a área até o término das investigações da CPI, “haja vista a existência de irregularidades na documentação apresentada pelo INSS”, diz o documento. A CPI ainda não obteve resposta da pasta.
Para Shirley, os moradores estão sendo cerceados em seu direito de defesa, há falta do devido processo legal, além de insegurança jurídica. “Se um morador de uma determinada quadra perde a ação em favor do INSS, esta decisão é utilizada para despejar todos os moradores daquela quadra”, acusa, dizendo ser uma afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa. “Imóveis que sequer fazem parte da planta Vila Domitila estão sendo incluídos nas decisões da Justiça Federal em favor do INSS, determinando os despejos.”
Origem da área
Conforme a apresentação feita aos vereadores, há uma carta da prefeitura dizendo que a origem da área vem de Tertuliano Teixeira de Freitas, em 1981. No entanto, o INSS diz que a origem é de Eugenio Ernesto Virmond. “A certidão da 6ª circunscrição de Curitiba extraída no dia 29 de fevereiro de 2016 demonstra que nunca foi repassada a área para Eugenio Ernesto Virmond e muito menos para o INSS, e deveria estar averbado neste documento (transcrição nº 3.564 da 6ª circunscrição) que a área foi alienada e repassada para o INSS”, argumenta a advogada. Além disso, Tertuliano não teria vendido a área, o que ocorreu, de acordo com as explicações prestadas à CPI, foi que a prefeitura passou o domínio pleno a Caetano Munhoz da Rocha em 1927.
O ouvidor de Curitiba, Clóvis Costa, esteve na reunião e comentou que foi procurado pelos moradores antes da instalação da CPI, e que pesquisou sobre o caso. “Havia uma dívida do ex-governador com o INSS, que naquele tempo não tinha esse nome, e para quitá-la foi repassada essa área. A área exata é objeto de controvérsia também.” Outro ponto indicado por Shirley é que a Justiça Federal do Paraná tem interesse direto na área, “ou seja, não tem isenção de ânimo para julgar esses processos”.
Foi citado ainda que, em 1994, o então ministro da Previdência Social, Sérgio Cutolo e o prefeito Rafael Greca assinaram o decreto 520/1994 que regularizava a planta Vila Domitila. “Os moradores da região ganhariam a escritura definitiva dos seus lotes. Mas nada se cumpriu, em verdadeira afronta à dignidade humana e aos princípios constitucionais”, complementou Shirley. Outra questão é uma tentativa de venda da área Vila Domitila ao Estado do Paraná, em 2009, mas o negócio não teria sido concluído por não haver garantia de titulação expressa das áreas a serem adquiridas pelo estado. Mais um argumento para a investigação é que “o INSS vai leiloar os imóveis que diz ser dono com moradores ainda se defendendo em juízo”, lamentou a advogada.
Perícia judicial
Além disso, um argumento considerado crucial entre os residentes da região é uma perícia judicial feita por Renor Valério da Silva em 1998. Seu teor foi considerado pelo Superior Tribunal de Justiça parâmetro para dirimir todas as questões em favor dos moradores, mas, de acordo com Shirley, foi ignorado pela Justiça Federal e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. “A perícia mostrou que não se trata da mesma área do INSS.” Há uma segunda perícia, realizada pela engenheira Regina Lúcia Lauand, que também mostra que a área dos moradores não é a mesma do INSS. “Esta perícia comprova nitidamente que a origem da área do INSS não tem condições de estar dentro da área ocupada pelos moradores”, afirmou Shirley.
Existe ainda a acusação de que uma planta da Vila Domitila de 1927 “desapareceu” na prefeitura. O processo número 61902 de 1989 aprovou o novo loteamento da planta Vila Domitila em substituição àquela primitiva. “A de 1927 não se encontra mais no Registro de Imóveis e nem junto à prefeitura e é informado que foi substituída por meio do decreto 520/1994 e que a planta substituta é a que prevalece atualmente”
Também convidado a prestar informações à CPI, o superintendente da Superintendência do Patrimônio da União, Dinarte Antonio Vaz, disse que nessa questão da Vila Domitila o Patrimônio só poderá comparecer como mero colaborador, “levando em conta a angústia destas famílias”. “O patrimônio discutido do INSS não se confunde com o da Secretaria do Patrimônio da União. Estamos colaborando sempre em busca da melhor solução. É uma tarefa difícil, assunto que se encontra muito ligado ao Poder Judiciário”.
Dinarte, que já foi presidente da Cohab, disse que em 1972 o terreno havia sido ofertado à Cohab de Curitiba na tentativa de regularização, “mas a Cohab não podia porque não se aceitava nenhum terreno com pendências de documentação”, lembrou. “Na minha impressão, sem dados técnicos, não se conseguiu definir com clareza onde é que o terreno está. A descrição do terreno é muito vaga, não existia o que temos hoje de geoprocessamento, amarrações, além da origem ser confusa”, complementou.
Questionamentos dos vereadores
Zé Maria (SD) questionou se há algum morador com registro de seus respectivos imóveis e vários responderam que sim. Pedro Paulo (PDT) quis saber “aonde está o erro original, de quem seria a responsabilidade pelo cerne do problema” e Shirley disse que acredita ser a prefeitura. “Podemos chamar algumas das autoridades para ouvir deles”, complementou o parlamentar. “A Câmara tem atribuição limitada, isso não quer dizer que não possa ter posicionamento, que no caso tem que ser em favor dos moradores”, ponderou. Edson do Parolin (PSDB) perguntou se houve tentativa de acordo, com indenizações por parte do INSS, ao passo que os moradores responderam que não.
Os vereadores chegaram a cogitar a anulação do decreto 520/1994, que determina a substituição da planta. “Até 1989 havia uma planta. Depois houve outra planta. O INSS se comportava de um jeito e com a nova planta aprovada foi pra cima pedindo reintegração de posse. Ou seja, o decreto acabou prejudicando os moradores e isso tem a ver diretamente com o município.”, concluiu Pedro Paulo. Segundo ele, será necessário ter o apoio dos deputados federais para prosseguir nas investigações. Tiago Gevert (PSC) disse que vai a Brasília para uma reunião com o líder do governo na Câmara Federal, André Moura (PSC), para tentar unir forças com a bancada federal.
Para explicar a situação do reconhecimento do imóvel, para a próxima reunião será convocada a Secretaria Municipal de Urbanismo. O encontro ocorrerá na quarta-feira (8), às 14 horas, no auditório do Anexo II. Também compõem o colegiado os vereadores Aladim Luciano (PV), Cacá Pereira (PSDC) e Carla Pimentel (PSC).
Moradores
O advogado João Batista Valim, morador da Vila Domitila, afirmou que os despejos vêm acontecendo paulatinamente e de forma devagar, “para não haver uma comoção social”. “É simplesmente desumano. Tem gente que economizou a vida inteira, fez um sobradinho e está lá com a família, os netos, e agora está sendo despejado”, lamentou. Sonia Eugenia, que diz morar desde 1988 na área, afirmou que até o dia 20 deste mês tem que deixar a sua residência. “Disseram que a área não preenche os requisitos da lei, mas não dizem quais são estes requisitos. A juíza Gisele Lemke disse que o decreto [520/1994] não vale nada. Então é política mesmo, não é jurídico”, acusou. O presidente da Associação Comercial do Paraná (ACP), Antonio Miguel Espolador Neto, disse ter um imóvel com escritura e regularização, mas foi desapropriado integralmente.
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