Contra burocracia, OSCs propõem cadastro municipal do terceiro setor

por Fernanda Foggiato — publicado 13/08/2021 19h20, última modificação 13/08/2021 19h21
Um dos encaminhamentos do debate entre organizações sociais e a FAS, a sugestão deverá ser votada na próxima segunda-feira (16).
Contra burocracia, OSCs propõem cadastro municipal do terceiro setor

Mediada por Noemia Rocha, com a participação da FAS, a atividade reuniu demandas do terceiro setor. (Foto: Carlos Costa/CMC)

A Câmara Municipal de Curitiba (CMC) mediou, em audiência pública na tarde desta sexta-feira (13), proposta pela vereadora Noemia Rocha (MDB), demandas das organizações da sociedade civil (OSCs) na inter-relação com o poder público. Um dos encaminhamentos da atividade deverá ser deliberado em plenário, na segunda parte da ordem do dia da sessão desta segunda (16), na forma de indicação ao Poder Executivo. A ideia, para facilitar convênios e otimizar recursos, diminuindo a burocracia, é instituir cadastro municipal de entidades do terceiro setor (203.00401.2021). 

A sugestão foi apresentada pela primeira convidada com fala na audiência, a Irmã Anete Giordani, do Centro de Assistência Social Divina Misericórdia (CASDM), na CIC. “Eu tento trazer aqui um pouco desse grito das instituições. Estamos em locais em que o poder público não chega”, afirmou a assistente social, responsável pelos projetos da organização. Ela também defendeu que “o recurso em nossas mãos rende mais”, a importância do trabalho voluntário, a preocupação com o contingenciamento de emendas e o desgaste, a cada eleição, com mudanças na gestão da política social e dos fundos municipais. 

Temos que fazer malabarismo para manter nossas instituições”, continuou Irmã Anete. Conforme a convidada, a criação do sistema municipal de cadastro das organizações, para a manutenção de declarações e certidões atualizados, sem a reapresentação a cada projeto, é uma proposta antiga, até “pela tecnologia que hoje a gente tem”. Para ela, a medida diminuiria a “burocracia imensa” enfrentada pelas OSCs e seria ambientalmente responsável, pela economia na reimpressão de documentos. 

>> Assista, no YouTube da CMC, ao debate na íntegra.

Noemia Rocha alertou ao contingenciamento de emendas para instituições de assistência social e ao orçamento reduzido para a Fundação de Ação Social (FAS), se comparado a outras áreas do Município. “A cada ano a gente percebe a queda de recursos para a FAS. De que adianta uma cidade linda, maravilhosa, se as pessoas estão passando fome, necessidade, desemprego? Diminui-se o orçamento para moradia [de interesse social.” 

Precisamos de mais incentivo, de mais parcerias, de mais políticas públicas, porque eles estão fazendo um trabalho de excelência, atendendo nossa população vulnerável”, completou a propositora da atividade. Conforme a parlamentar, o terceiro setor é fundamental para a assistência social, principalmente em meio à pandemia da covid-19. “Volto a afirmar, eles fazem o que o poder público muitas vezes não faz, e precisam dessa parceria tão saudável”, declarou. “Quero fazer um apelo ao prefeito Rafael Greca, que tenha um olhar mais sensível às organizações sociais.” 

Demandas

A audiência pública ouviu representantes de diversas organizações sociais, de diferentes áreas, inclusive conselheiros municipais, além do presidente da FAS, Fabiano Vilaruel, e da procuradora regional do Trabalho, Mariane Josviak. Dentre as demandas do terceiro setor, a principal reclamação foi a burocracia para convênios e entraves para a liberação de emendas, não só na esfera municipal. Diversos convidados propuseram a manutenção do debate.

“É muito importante que o poder público leve em conta o esforço das organizações sociais”, declarou o diretor administrativo do Hospital Evangélico Mackenzie, Wilson Costa. Presidente do Conselho Municipal de Políticas Sobre Drogas (Comped) e da Federação Paranaense de Comunidades Terapêuticas Associadas (Compacta), Thiago Massolin acredita que a gestão atual “acolheu” as comunidades terapêuticas, mas disse que ainda existem desafios para o segmento. 

As OSCs não são adversárias, são parceiras”, disse o advogado Acyr de Gerone, especialista em Direito do Terceiro Setor. Para ele, o poder público precisa otimizar o diminuir a burocracia para atualizar certidões, por exemplo, e descentralizar decisões. A biomédica Patricia Krebs, da Aliança Distrofias Brasil, falou da dificuldade para a captação de dinheiro público e a manutenção das atividades, para para a locação de sede para a entidade. “O diagnóstico [de doença rara], ele vem, essa mãe não trabalha mais. Não existe política pública para o cuidador”, citou. 

Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comtiba), no qual representa a Associação Comunitária Plesbiteriana (ACP), Renan Gustavo Costa comparou a relação entre as organizações e a FAS a uma orquestra – as primeiras seriam os músicos e a segunda, o maestro. O debate, em sua avaliação, precisa evoluir com a criação de grupos setoriais, que envolvam diferentes conselhos municipais. Temos que caminhar juntos”, afirmou. “O conselho delibera, mas não executa. Nós precisamos de vontade política para mudar as coisas.” 

Gilberto Muniz, da Associação Beneficente Curitibana (ABC Vida), opinou que muitas vezes faltaria “transparência” na negativa de emendas e sugeriu mobilização contra projeto em discussão no Congresso Nacional para flexibilizar ainda mais as relações trabalhistas. Já Marcelo Souza, da Associação Cristã de Assistência Social (Acridas), defendeu a “desburocratização através de novas tecnologias, para otimizar a liberação dos recursos e elevar a segurança da gestão municipal sobre a economicidade dos recursos liberados”. 

À Câmara de Curitiba, a presidente do Conselho Municipal dos direitos da Pessoa com Deficiência (CMDPcD), Lucilene Marques, fez dois apelos: que as audiências públicas contem com intérprete de Libras, permitindo a participação da população surda nos debates, e que os vereadores ouçam os conselhos em projetos de lei pertinentes às respectivas temáticas. Para a FAS, sugeriu que profissional oriente as organizações sociais na elaboração de projetos. Já a procuradora regional do Trabalho Mariane Josviak, que coordena o Fórum de Aprendizagem, falou do projeto, da importância do incentivo à aprendizagem e do primeiro emprego e da credibilidade do terceiro setor. 

Contrapontos

De fato não somos inimigos. Longe disso. Sou sim defensor organizações, trabalho contra a lentidão dos processos”, respondeu o presidente da Fundação de Ação Social, Fabiano Vilaruel, que destacou, em sua gestão, a criação da Diretoria de Relações com o Terceiro Setor. “Hoje a FAS vive um momento muito propício para o estreitamento com as organizações do terceiro setor”, argumentou. 

De acordo com ele, está sendo pensado desenvolvido projeto para estímulo ao voluntariado. No entanto, o gestor salientou que a pandemia trouxe como urgência a ampliação do número de cestas básicas à população em situação de vulnerabilidade e outras ações emergenciais. Dentre as demandas apresentadas, argumentou que existem questões que não cabem à administração local, e sim à esfera federal, e que é essencial o cadastro das entidades Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS). 

Vilaruel sugeriu a apresentação a todos os vereadores e à população, durante sessão plenária, sobre a formação e o acesso aos conselhos municipais. “Acho muito importante que tudo isso seja publicizado e, acima de tudo, que haja participação da comunidade nesses conselhos”, justificou. “Nosso interesse é que as organizações se fortaleçam e possam executar bem seu trabalho”, complementou. Ainda nos encaminhamentos, o convidado propôs que o debate sobre a relação entre as OSCs e o poder público não seja restrito à FAS. 

A política de assistência social tem exigências, assim como existe na política de saúde, de educação”, comparou a presidente do CMAS, Maria Valdevania de Assis. “É uma política complexa mesmo, porque se divide em níveis de proteções.” Pode haver conflito na liberação de convênios, citou, porque, pelos critérios legais, determinados serviços só podem ser ofertados pelo poder público, então não podem constar na descrição das atividades prestadas. É muito importante que a gente continue o debate. Cada segmento tem uma especificidade”, pediu.