Congresso Nacional completa 190 anos
No dia 7 de maio, deputados federais e senadores da República participaram de uma solenidade em comemoração aos 190 anos da criação do Congresso Nacional. O surgimento da entidade legislativa se deu precisamente no dia 3 de maio de 1823, por ocasião da sessão inaugural da assembleia que iria elaborar o texto da primeira constituição nacional. Dom Pedro de Alcântara, agora Dom Pedro I, imperador do Brasil, tinha consciência das tensões que precisaria administrar para manter a coesão do território brasileiro e, ao mesmo tempo, a continuidade política de sua dinastia.
O pesquisador Eduardo Romeiro de Oliveira, da Universidade Federal Fluminense, lembra que durante a aclamação de D. Pedro I como Imperador do Brasil, em 22 de outubro de 1822, o monarca agradeceu ao povo pelo título que lhe fora conferido (deixando claro que encarava o fato de permanecer monarca como um “presente”).
No mesmo ato, o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, José Clemente da Cunha, declarou em seu discurso que a aclamação recebida por Dom Pedro I para a liderança da administração do novo Estado independente era, sobretudo, uma expressão da vontade do povo. Com isso, Cunha incluía na esfera pública brasileira a ideia da “soberania popular”.
Este fato, segundo Romeiro de Oliveira, mostra que apesar do carisma do imperador junto à população, e da força do seu grupo político encabeçado até aquele momento por José Bonifácio de Andrada e Silva (Câmara dos Deputados de São Paulo), o espaço público brasileiro também passou a ser ocupado por vozes dissidentes.
Espírito iluminista
Poucos anos antes, em 1817, os participantes da Revolução Pernambucana chegaram a proclamar um Estado independente e republicano e os ecos dessa revolta de inspiração iluminista ainda repercutiam entre os parlamentares constituintes do novo “Congresso Nacional”. Os trabalhos de elaboração do texto constitucional começaram em 3 de maio de 1823, mas a convocação daquela assembleia foi anterior à própria independência, bradada por Dom Pedro às margens do rio Ipiranga no dia sete de setembro do ano anterior.
Em seu discurso na primeira sessão parlamentar, o imperador declarou sua expectativa quanto à manutenção do regime monárquico. Bóris Fausto comenta em seu livro História do Brasil que “Dom Pedro usou uma expressão indicativa do que poderia acontecer. A frase não era sua, sendo cópia da existente na carta constitucional da França, de julho de 1814, por meio da qual o Rei Luís XVIII tentou retomar a tradição monárquica, após a derrota de Napoleão. O Imperador jurava defender a futura Constituição ′se fosse digna do Brasil e dele próprio′. O condicional deixava em suas mãos a última palavra”.
A pretensão de Dom Pedro esbarrava no fato de que agricultores e empresários brasileiros (mesmo os que auferiram benefícios com a abertura dos portos em 1808), desejavam limitar o campo de atuação do imperador. Até o regimento interno da constituinte esbarrou na celeuma. Uma das discussões girava em torno da necessidade de manter o trono real no mesmo plano da cadeira ocupada pelo presidente da Assembleia. Embora aparentemente trivial, o tema mostra como o poder monárquico estava sendo relativizado em favor do poder constituinte.
A certa altura, o jornal A Sentinela da Liberdade, vinculado aos irmãos Andrada, publica uma carta de teor ofensivo aos oficiais portugueses alistados no Exército Imperial (que foram igualados aos brasileiros após a independência). Em represália, alguns oficiais lusitanos agrediram o boticário brasileiro Davi Pamplona Corte Real (por atribuir a ele a autoria da carta). O fato gerou uma série de manifestações exaltadas na Assembleia.
Em resposta, Dom Pedro cercou o prédio onde o colegiado se reunia e prendeu temporariamente todos os discordantes, entre eles, os irmãos Andrada (que durante aquele período estavam na oposição). O episódio ficou conhecido como “noite da agonia”. Um ano depois, Dom Pedro I outorgou a primeira constituição do Estado brasileiro.
A Constituição de 1824
O novo documento, como era de se esperar, sacralizava o poder absoluto do imperador. Contrariando a divisão administrativa tripartite (Executivo, Legislativo e Judiciário) proposta por Montesquieu na obra O Espírito das Leis, os integrantes do Conselho responsável pela elaboração da Constituição de 1824, instituíram o chamado Poder Moderador, que garantia prevalência da vontade de Dom Pedro I sobre os demais poderes. Os únicos países que adotaram essa modalidade administrativa criada pelo francês Henri-Benjamin Constant de Rebeque foram Brasil e Portugal.
Por outro lado, a mesma Constituição que garantiu poderes absolutos ao monarca, também criou o ensino público gratuito. Professores de “primeiras letras” prestavam um exame e, caso aprovados, passavam a lecionar em troca de um salário pago pelo governo imperial. Foi a partir desta primeira constituição que o Congresso adotou o formato bicameral, passando a ser composto por Senado e Câmara Federal. Essa constituição vigorou entre 1824 e 1891, quando foi substituída pela primeira constituição republicana.
Poucos anos após a independência do Brasil e a aclamação de Dom Pedro como “Imperador e protetor perpétuo do Brasil”, a política em Portugal se inclinou favoravelmente a seu irmão e Dom Pedro I resolveu retornar àquele país. Lá, recebeu o nome de Pedro IV e veio a falecer poucos anos depois. Segundo a professora Cecilia Helena de Salles Oliveira, a figura do imperador foi exaustivamente reduzida a estereótipos em torno da sua vida particular e outros aspectos de menor importância. Para a historiadora, que também é diretora do Museu Paulista da Universidade de São Paulo, “mais interessante do que condenar, absolver e fazer uma caricatura de um personagem histórico é certamente tentar compreendê-lo em sua densidade, divisando nuances e contornos que o tornam fascinante”.
Por João Cândido Martins
Referências Bibliográficas
“História do Brasil”, de Bóris Fausto. Publicado pela EdUSP, em 1995.
Reprodução do texto autorizada mediante citação da Câmara Municipal de Curitiba