Com audiência recorde, debate na CMC sobre volta às aulas escancara divergências
Mais de 3 mil pessoas acompanharam a transmissão ao vivo da audiência pública (Foto: Carlos Costa/CMC)
Somando o público das redes sociais, mais de 3 mil pessoas acompanharam, nesta sexta-feira (25), a transmissão ao vivo da audiência pública da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) sobre a volta às aulas na capital do Paraná. A atividade foi organizada pela Comissão de Direitos Humanos, Defesa da Cidadania e Segurança Pública e teve a participação do Governo do Paraná, da Prefeitura de Curitiba, do Ministério Público do Paraná, de representantes das escolas particulares, dos servidores públicos e da sociedade civil. No auge do engajamento, havia simultaneamente 615 pessoas acompanhando a transmissão no YouTube e 150 no Facebook da CMC.
Foram 18 participações na transmissão principal, que a vereadora Maria Leticia (PV), presidente da comissão e na coordenação do debate, buscou sintetizar classificando a audiência pública como uma tentativa de “construir um caminho” para a retomada das aulas, que concilie as questões de saúde às demais apresentadas pelos debatedores, entre eles os vereadores Bruno Pessuti (Pode), Professora Josete (PT), Herivelto Oliveirra (Cidadania), Dalton Borba (PDT), Mauro Bobato (Pode) e Oscalino do Povo (PP). “Precisamos ter coragem para debater os assuntos polêmicos. Agora é buscar soluções, pois nunca tivemos a pretensão de sair aqui com um protocolo. Se queremos efetivamente a reabertura, temos que construir o caminho”, afirmou a presidente da Comissão de Direitos Humanos.
Nesta semana, durante a prestação de contas da Prefeitura de Curitiba no Legislativo, a secretária municipal de Saúde, Márcia Huçulak, abordou o assunto, lamentando a judicialização da questão e afirmando que a sociedade deve debater mais o assunto (leia mais). Na segunda-feira (21), vereadores aprovaram sugestão ao Executivo em que pedem a elaboração de um protocolo sanitário para permitir a reabertura das creches da cidade (leia mais). Na véspera da audiência, uma enquete da CMC no Instagram, cujo resultado oscilou bastante ao longo do dia, terminou com 69% dos 6,8 mil votantes contra o retorno imediato das aulas (leia mais). A seguir, os debatedores por ordem de fala na audiência pública.
Contrária ao retorno imediato, a procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT), Margareth Mattos Carvalho, destacou que o MPT, o Ministério Público Federal (MPF) e as promotorias de Infância e de Saúde do Ministério Público do Paraná (MP-PR) assinaram um comunicado conjunto sobre o assunto. “Entendemos que [o retorno imediato às aulas] é precipitado devido aos elevados riscos à saúde. Não estamos numa curva descendente”, disse. Ela cobrou mais transparência dos gestores da saúde sobre os critérios técnico-científicos que embasam suas decisões. Sobre o argumento que shoppings estão abertos, mas escolas não estão, Mattos disse que um erro não justificaria o outro, atribuindo a abertura de alguns negócios à “pressão de grupos econômicos”.
Médica infectologista, Maria Esther Graf disse que a suspensão das aulas no início da pandemia foi uma decisão acertada, mas que agora, com o conhecimento acumulado que se tem sobre a doença e sobre os efeitos dela nas crianças isto deve ser rediscutido. Ela defendeu a retomada planejada das aulas, “de forma responsável, tomando os cuidados [dos protocolos sanitários] e evitando os sintomáticos”. Na avaliação da balança de riscos e benefícios, nas palavras dela, o isolamento social nas crianças tem efeitos severos, além de que “80% das notificações de violência doméstica [contra elas] é feita pelas escolas”, logo haveria um apagão de dados sobre isto no momento. Graf defende que “o conhecimento dos hospitais tem que ser trazido para as escolas”, no sentido de evitar o contágio.
“Não temos condições adequadas de retorno [agora]. Hoje tivemos 1,4 mil novos casos confirmados e 40 óbitos, de pessoas com nome e sobrenome. Dez de curitibanos. O Ministério da Saúde editou documento para a retomada segura das aulas, dependendo da situação epidemiológica. Saberemos a hora de voltar [a ter aulas presenciais], temos indicadores [epidemiológicos]”, garantiu, na audiência, a diretora da Divisão de Atenção e Vigilância em Saúde, Maria Goretti David Lopes, do Governo do Paraná. Ela definiu a situação como “um processo complexo que exige esforços de todos nós”.
Discordando da Secretaria de Saúde, Esther Cristina Pereira, presidente do Sindicato das Escolas Particulares (Sinepe), disse que para ela Curitiba está em curva descendente de casos e que as escolas da rede privada têm protocolos para evitar o contágio “muito melhor formatados que os que vêm das secretarias [municipais e estadual]”. “As crianças podem ir ao shopping, mas não podem ir para as escolas. Há 190 dias a rede privada está em trabalho remoto. Temos um grande número de pais que precisa das escolas abertas”, argumentou.
Para o pediatra Rubens Cat, sua classe profissional está muito pouco engajada no debate sobre a necessidade da volta às aulas, apesar de “a alteração da saúde mental e alimentar [das crianças e dos jovens] ser uma pandemia dentro da pandemia”. O profissional entende que os danos à saúde mental no cenário de isolamento social é grave, pois as perdas seriam “irreparáveis”, inclusive com regressão motora nos mais novos. Ainda assim, ele entende que são os órgãos da Saúde que devem determinar o retorno, quando Curitiba voltar à bandeira amarela, tiver uma taxa de replicação do vírus inferior a 1 e houver vagas suficientes à disposição nos hospitais.
Falando pelo Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Curitiba, o professor Wagner Rodrigues insistiu no ponto em que crianças assintomáticas também transmitem o coronavírus, além de estarem sujeitas às sequelas da doença inflamatória. “Até hoje, seis meses depois, ainda não chegou máscara de acrílico para os servidores da Educação que entregam os kits de alimentação eas atividades escolares [aos familiares]. Teríamos equipamentos de proteção individual para trabalhar presencialmente todos os dias?”, questionou, pedindo que o Executivo divulgue pesquisa feita com os pais de alunos sobre a volta às aulas há um mês.
Na mesma linha, Christiane Izabella Schunig, do Sindicato dos Servidores Públicos de Curitiba (Sismuc), adiantou que em tomada de opinião feita pelas entidades, em paralelo à da prefeitura, mais de 80% dos pais não queriam a volta das aulas sem que houvesse segurança. “No Amazonas, o laboratório da volta às aulas presenciais, na segunda semana após a reabertura, 10% dos professores testaram positivo para a Covid-19”, relatou. “Quem defende o retorno nunca entrou em um CMEI, com falta de profissionais, pouca ventilação. É uma estrutura que não é adequada normalmente, logo fica pior no período da pandemia. Ano letivo você recupera. Vidas, não”, defendeu.
Em nome da Prefeitura de Curitiba, o responsável pela diretoria do Centro de Epidemiologia, Alcides Augusto Souto de Oliveira, sinalizou pela retomada planejada das aulas. “Mais de 2.500 crianças já adoeceram [em Curitiba] e não estavam nas escolas”, disse, sem entrar na polêmica sobre se a cidade está, ou não, em uma curva descendente consistente de contágio. “Estamos há três semanas com o RT [taxa média de transmissão] abaixo de 1, o que sinaliza estabilidade e [projeta] queda para as próximas semanas”, contentou-se em dizer. Antes, já tinha dito que 95% da transmissão é intrafamiliar e que é preciso integrar as políticas públicas neste momento.
Citando casos de suicídio e automutilação em crianças, que ela atribui às condições de isolamento social infringidas aos mais jovens, Pamela Sales, em nome do grupo Volta às Aulas Paraná, afirmou que os governantes estão descumprindo sua própria palavra. “Quando a pandemia iniciou, foi pedido que os cidadãos escutassem os cientistas. E hoje isso está sendo feito? Há milhares de estudos tratando da baixa transmissibilidade entre crianças, da baixa agressividade [da doença provocada pelo Sars-CoV-2 nelas”, indagou. “Elas que são infectadas por adultos que vem de fora e dificilmente repassam [o coronavírus] para um adulto”.
Encerrando as falas, Everton Renaud, da Associação de Escolas Particulares de Educação Infantil (Assepei), questionou o impacto do fechamento das unidades na dinâmica das famílias, que estariam se submetendo a negócios irregulares para ter com quem deixar suas crianças. “Como sabemos se [o contágio] aumenta, ou não, na casa das mães crecheiras, nos parquinhos públicos, nos salões de eventos os condomínios? Todas as escolas particulares sempre foram alvo de fiscalização. Os protocolos [de higiene] já existiam e agora seriam aumentados. Se a escola tem condições estruturais de retorno, tem que ficar vetada?”, provocou. A audiência durou três horas e pode ser conferida na íntegra aqui.
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