Código de Direitos do Contribuinte mobiliza debate; projeto deve ser alterado
O projeto de lei complementar que cria, em Curitiba, o Código de Direitos, Garantias e Obrigações do Contribuinte foi debatido em audiência pública na Câmara Municipal de Curitiba (CMC) nesta quarta-feira (5). Com 124 itens, distribuídos em 36 artigos, a proposta traz como inovação a criação da figura da mediação tributária, por meio da qual os contribuintes e a administração municipal poderão buscar soluções amigáveis para conflitos tributários, sem ter que disputar o caso no Judiciário. De iniciativa da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o debate foi transmitido ao vivo pelas redes sociais do Legislativo.
O Código de Direitos do Contribuinte (002.00003.2021) tem o intuito de “estabelecer um relativo equilíbrio entre os contribuintes e os poderes de fiscalizar e arrecadar do Estado e modernizar a legislação, prevendo a mediação tributária como mecanismo de resolução pacífica, célere e eficiente”. Na proposta, há a previsão da indicação de um mediador, “imparcial e sem poder decisório”, para auxiliar as partes “a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”. A negociação bilateral estará protegida por cláusula de confidencialidade e poderá ocorrer inclusive sobre processo judicial em curso, suspendendo os prazos em Juízo. Havendo acordo será lavrado Termo Final de Mediação, que valerá como título executivo extrajudicial.
Apesar da centralidade da mediação tributária na proposta, o Código de Direitos dos Contribuintes também possui dispositivos para garantir a ampla defesa do cidadão nos procedimentos administrativos fiscais. Por exemplo, a garantia de acesso aos dados armazenados pela prefeitura sobre a sua pessoa ou o seu negócio, a não-obrigatoriedade de pagamento imediato de qualquer autuação e a faculdade de se comunicar com seu advogado ou entidade de classe quando sofrer ação fiscal.
A matéria em tramitação na CMC também determina que “a execução de trabalhos de fiscalização será precedida de emissão de ordem de fiscalização, notificação ou outro ato administrativo autorizando a execução de quaisquer procedimentos fiscais” e que “a certidão negativa fornecida pela Fazenda Pública será entregue ainda que dela conste a existência de créditos tributários não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada penhora ou cuja exigibilidade esteja suspensa”.
Autor do projeto, Professor Euler (PSD) participou da audiência pública e defendeu que dos objetivos da legislação, o mais importante é assegurar a resolução pacífica por intermédio da mediação e arbitragem relativa a execução fiscal. “A intenção é modernizar a legislação, [ter] a mediação tributária como mecanismo de resolução pacífica e rápida [de conflitos tributários. A ideia é descongestionar o Poder Judiciário, já que as execuções fiscais são responsáveis por cerca de 1 milhão de processos anuais no Tribunal de Justiça do Paraná [TJ-PR]”, disse o vereador, ao emendar que recebeu sugestões para aprimoramento da proposta de lei do próprio órgão.
“Para benefício de ambas as partes envolvidas em um procedimento administrativo fiscal e também para alívio do sistema judiciário, cada vez mais, é preciso incentivar métodos de resolução dos conflitos que sejam mais eficientes que os métodos contenciosos. É bom para o contribuinte, que pode encontrar formatos melhores de saldar seus compromissos. É bom para o município, que pode arrecadar mais. E é bom para o Judiciário, que deixa de ser abarrotado com demandas que poderiam se resolver de formas menos demoradas e menos custosas ao Estado”, completou Professor Euler.
PL tem apoio, mas requer mudanças
Segundo o presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB/PR (Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Paraná), Fabio Grillo, as estatísticas brasileiras reforçam a necessidade de legislações como a que está em tramitação na CMC. Na relação entre fisco e contribuinte, ele observou, levantamento do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) de setembro de 2020 aponta que existem 70 milhões de processos em curso no Brasil, sendo 32 milhões de execuções fiscais. “A taxa de congestionamento é de 87%, em média, por ano, de 100 execuções fiscais, 13 têm resultado eficiente”, colocou.
Dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) resgatados pelo representante da OAB-PR também justificam alternativas para sanar conflitos tributários. “O IPEA precificou que cada execução fiscal custa, por dia, R$ 1,60 para cada ente federado. São receitas que estão sendo desperdiçadas por manter essa situação de conflito insustentável. Esse ambiente de execução fiscal congestionada beneficia o sonegador, o devedor contumaz, que fica misturado com os devedores que têm problemas e que precisam ser solucionados por uma sentença, uma solução coerente.”
Presidente da Associação Comercial do Paraná, Camilo Turmina se posicionou favorável à legislação. “Tributo é sagrado e se deve, você deve pagar. O mal pagador prefere levar para a Justiça comum, depois se puder recorre ao Supremo [Tribunal Federal]. E o bom pagador paga pelos outros. Temos que falar mais em conciliação, mediação, arbitragem, nesse novo conceito de agilidade na nova Justiça”, afirmou. No mesmo sentido, Indiara Barbosa (Novo), que é membro da CCJ e conduziu a audiência pública, concordou que a maior inovação do projeto de lei é a possibilidade da mediação.
No entanto, continuou a vereadora, qualquer medida que tem o objetivo de facilitar o pagamento de impostos “deve ser analisada com calma”. “Com um cenário menos litigioso, todos saem ganhando. Em geral, os mais interessados em pagar os impostos são os contribuintes, que querem regularizar seus débitos, e a mediação representa um ato de respeito com o cidadão que quer reduzir suas dívidas”, analisou Indiara, ao ainda argumentar que “refinanciamentos tributários, em geral, têm poucas margens de negociação e inúmeras condições impostas pela legislação”.
“São necessários cuidados ao tratar da mediação propriamente dita. A mediação é um instituto que passa primeira pela escolha do mediador. E no caso do projeto, a administração pública vai escolher o mediador”, afirmou a presidente da Comissão de Mediação da OAB/PR, ao sugerir que “para se manter o espírito do projeto”, Professor Euler substitua o termo mediação tributária para conciliação tributária ou incentivo ao uso da transação tributária “que já conta com legislação municipal específica e é permitida no Código Tributário Nacional”. “No escopo da lei, não estamos fazendo mediação. Então oferecer mediação para resolução de conflitos nesta matéria não é adequado”, orientou a advogada.
O presidente do Sinfisco (Sindicato dos Auditores Fiscais de Tributos Municipais de Curitiba), Alisson Francisco de Matos, mostrou-se favorável à proposta, mas fez uma análise técnica sobre a dificuldade em adotar a medida em algumas fases da constituição do crédito tributário. “Em que fase seria possível aplicar a mediação? Na fase do crédito já constituído, já é um ato vinculado. Não existe a possibilidade de discricionariedade: se tributa ou não. Será que eu poderia ceder, em termos de base de cálculo? Será que isso não caracterizaria uma renúncia fiscal, prevista na LRF? Será que eu, como representante do fisco, fazendo essa mediação e cedendo em partes não geraria danos ao erário, incorrendo em ato de improbidade?”.
Para o representante dos auditores fiscais, pode ser inviável instaurar uma mediação da na fase da execução da dívida ativa. No caso do IPTU, por exemplo, onde 30% dos processos administrativos são da fase de pré constituição do crédito e 70% são impugnações, a mediação tributária poderia cobrir cerca de 30% dos processos, “o que já é bastante coisa”; e em relação ao ITBI, “imposto bastante particular”, Alisson de Matos observou que “99% das discussões entre fisco e contribuinte acontecem na fase pré constituição do crédito, são raras as discussões com crédito já constituído. A mediação beneficiaria cerca de 99% dos casos”.
Também participaram da audiência pública José Julberto Meira Júnior, advogado e representante da Comissão de Assuntos Contábeis, Fiscais e Tributários do CRC-PR; e João Eloi Olenik, presidente executivo do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário). Professor Euler afirmou, ao final do debate, que todas as considerações serão avaliadas e todas as dúvidas que vierem a surgir “serão sanadas para que o projeto seja o mais redondo possível” para que possa tramitar nas comissões permanentes e ser levado à discussão em plenário.
Para conferir as manifestações de todos os convidados, acesse a íntegra do debate no YouTube da CMC.
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