CMC terá frente parlamentar para fiscalizar impactos da ferrovia

por Pedritta Marihá Garcia | Revisão: Alex Gruba — publicado 03/04/2023 17h25, última modificação 03/04/2023 18h00
Problemas enfrentados pela população que mora e trabalha próximo à ferrovia foram tema de audiência pública.
CMC terá frente parlamentar para fiscalizar impactos da ferrovia

A audiência pública durou mais de três horas e boa parte do debate foi usada pela Rumo para responder questionamentos dos vereadores e da população. (Foto: Carlos Costa/CMC)

Com o objetivo de debater e fiscalizar os problemas enfrentados por quem mora e trabalha próximo à linha férrea de Curitiba, a Câmara Municipal de Curitiba (CMC) vai instalar uma frente parlamentar. A decisão foi anunciada em audiência pública realizada na última sexta-feira (31) pelo Legislativo, com foco no mesmo tema. O objetivo do grupo – que será suprapartidário – será o de acionar a Rumo Logística, concessionária responsável pela ferrovia que corta a capital paranaense, e órgãos fiscalizadores sobre os impactos com a falta de manutenção, de sinalização e de segurança nas passagens de nível.

Os problemas com a linha férrea que corta a capital paranaense sempre foram debatidos pela CMC, mas, este ano, o tema tem sido mais recorrente. Em 15 de fevereiro, a audiência pública foi sugerida em um debate com diversos parlamentares. Um mês depois, no dia 15 de março, foi a vez de a segurança entre as passagens de nível ser questionada em plenário. Já na terça-feira passada (27), o número de acidentes nestes cruzamentos e a necessidade da regularização de uma passagem de nível no Sítio Cercado foram defendidas também durante a sessão plenária.

“Esta audiência pública foi provocada pela população. A população tem permanentemente solicitado ações [sobre os problemas da ferrovia]”, disse Serginho do Posto (União), antes da exibição de um vídeo que compilou diversas reportagens sobre acidentes envolvendo os trens que cortam a cidade. Ele presidiu a audiência pública e foi um dos propositores do debate, junto com os vereadores Alexandre Leprevost (Solidariedade), Herivelto Oliveira (Cidadania), João da 5 Irmãos (União), Leonidas Dias (Solidariedade) e Pastor Marciano Alves (Solidariedade), conforme requerimento aprovado em 8 de março (407.00003.2023).

Além dos parlamentares já nominados e da população presente, o evento contou com a presença de outros três vereadores,
Marcelo Fachinello (PSC), presidente da CMC; Bruno Pessuti (Pode), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ); e Rodrigo Reis (União), vice-presidente da Comissão de Urbanismo, Obras Públicas e Tecnologias da Informação; além de representantes da Rumo, da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), do Detran-PR (Departamento de Trânsito do Paraná) e da Setran (Secretaria Municipal de Defesa Social e Trânsito).



O que disse a Rumo
Com três horas de duração, a maior parte do tempo da audiência pública foi ocupada pela Rumo Logística. A empresa apresentou os números da concessão, a legislação que regulamenta o transporte ferroviário e respondeu perguntas e críticas feitas pelos vereadores e pela sociedade civil. Segundo o coordenador de Relações Governamentais da Rumo, Marcelo Arthur Fleder, o empreendimento tem cinco concessões em todo o país, com cerca de 13,5 mil km de linhas férreas e mais de mil locomotivas.

No caso do trecho da concessão que corta Curitiba, o representante da Rumo explicou que a linha férrea é única e que vários trens circulam ao mesmo tempo, pois se trata de “um ciclo infinito de carga e descarga”. “Os horários de circulação dos trens são determinados diariamente com base na demanda existente, ou seja, é o ritmo dos carregamentos e das descargas nos portos e outros locais de transbordo que definem os horários de tráfego”, completou, para na sequência atestar que a empresa obedece uma série de regulamentações, como o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e o decreto federal 1.832/1996, que regulamenta o transporte ferroviário.

De acordo com Marcelo Fleder, o CTB determina que a sinalização das passagens de nível (PNs) compete ao poder público, que inclusive responde pela falta, insuficiência ou a incorreta colocação. Já sobre o volume do apito do trem, o representante da Rumo disse que é um dispositivo de segurança, uma ferramenta de prevenção que alerta sobre a passagem da composição, para evitar colisões e atropelamentos. É usada em todos os pontos onde houver necessidade de alerta: em túneis, viadutos, pontes e cruzamentos rodoferroviários.

“O trem é um veículo pesado, de difícil frenagem. Quando um maquinista visualiza um obstáculo, um veículo, uma pessoa, um animal, ele aciona o freio e se vê que vai demorar muito tempo para parar [em média 600 metros para parar; pode ser mais, pode ser menos, dependendo do tipo da composição], ele apita. Ele usa rotineiramente nos cruzamentos. Aqui em Curitiba, dentro do perímetro urbano, principalmente no Cajuru, Uberaba, Boqueirão, tem muitas pessoas que transitam na ferrovia. Na teoria, naquele momento, se tiver só a passagem do trem não é necessário apitar. Mas quando tem uma pessoa transitando, é um apito desnecessário ali”, alertou.

O coordenador de Relações Governamentais da concessionária continuou: “O volume do apito do trem é compatível aos das sirenes e buzinas de veículos de urgência, como ambulâncias e caminhões de bombeiros. O volume é necessário para que os motoristas percebam a chegada do trem. A buzina do trem, segundo a normatização, tem que ser entre 90 e 120 decibéis. E por que tem que ser assim? Porque o motorista precisa escutar. Tem que conseguir perceber a aproximação do trem. Para ser audível, [a buzina] precisa sobrepor [outros sons]”.

Problemas urbanos
Sobre a faixa de domínio da ferrovia, Fleder disse que a lei federal 14.285/2021 aponta a obrigatoriedade da reserva de uma faixa de domínio de 15 metros em cada lado da ferrovia, mas em Curitiba as faixas não edificáveis “estão todas ocupadas”, não sendo, porém, situação exclusiva da capital paranaense. “A regra [da faixa de domínio] serve para salvaguardar a segurança das pessoas e para evitar com que as operações ferroviárias não perturbem tanto o sossego. […] De 1985 a 2022, a cidade adensou nos últimos anos. A faixa de domínio está densamente povoada.”

A abertura de passagens de nível irregulares, abertas pela população, também aumenta a insegurança de quem opera na ferrovia ou precisa cruzar por ela. O representante da Rumo Logística citou, como exemplos, as regiões do Uberaba e do Tatuquara, onde existem travessias irregulares muito próximas entre si e que são usadas para que a população tenha acesso a serviços públicos. “Houve adensamento de moradores na linha férrea. Tem que se pensar numa solução segura para que essas pessoas façam a travessia”, reclamou. Outros desafios enfrentados pelo adensamento da cidade são os descartes irregulares de lixo e de materiais de construção, o vandalismo na sinalização e a distração causada pelo uso dos celulares.

O que dizem os outros órgãos
A superintendente de Trânsito da Setran, Rosângela Battistella, afirmou que o problema com as passagens de nível é uma preocupação da atual gestão, assim como a sinalização das passagens de nível. “Cancelas que foram implantadas no passado foram vandalizadas, roubadas. São sinalizações caras e infelizmente sabemos que isso não acontece somente nas passagens de nível, estamos sofrendo grande vandalismo nos equipamentos semafóricos. As pessoas queimam a fiação e vendem o cobre”, disse.

Já para o gerente de projetos da Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito), Marcel Cabral Costa, o foco do tema não deve girar em torno apenas da fiscalização, mas também da responsabilidade compartilhada. “Cabe ao cidadão cumprir regras, cumprir a sinalização, andar em velocidades mais baixas, inclusive nas passagens de nível. […] Como passar para a população qual o comportamento que a gente espera nas passagens de nível? A gente tem algumas formas, e a mais direta é a sinalização de trânsito, é a via demonstrando quanto ao comportamento que se espera do cidadão naquele cruzamento”, complementou.

F
elipe Ferreira, coordenador da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) da Região Sul, observou que “Curitiba é, infelizmente, destaque negativo em relação aos acidentes” e que o atual contrato de concessão tem falhas, como a não previsão de investimentos em infraestrutura (construção de viadutos, por exemplo)”. Já Adriano Furtado, diretor-geral do Detran-PR, explicou que, embora o órgão não tenha responsabilidade sobre o sistema ferroviário, é interessado na solução dos problemas pois há impactos sobre a sinalização, a formação de condutores e na violência no trânsito.

Questionamentos
Os seis vereadores que vão integrar a nova frente parlamentar também sabatinaram os representantes da Rumo Logística e dos governos municipal e federal. Leonidas Dias pediu solução para as passagens de nível (PNs) da avenida Anita Garibaldi, “que têm sido um transtorno, inclusive para o desenvolvimento da região norte da cidade”. “A cidade tem mais de 40 PNs e nenhuma delas está nivelada. Quem é o responsável por isso?”, perguntou. Segundo a Rumo, o fluxo do trânsito na região é intenso, principalmente no cruzamento da avenida com a rua Flávio Dallegrave, onde é necessária uma obra complexa para retirar o trilho do trem e acertar o nivelamento. Sobre os constantes acidentes envolvendo principalmente os motociclistas, Marcelo Fleder orientou que os mesmo precisam parar o veículo antes de atravessar a passagem de nível.

Alexandre Leprevost, por sua vez, enfatizou “não concordar com o conceito de que a população tem que se adequar à linha férrea” e criticou o jogo de “empurra para lá, empurra para lá [a responsabilidade]”. “Sinto vergonha alheia da Rumo, que desconsidera o Município de Curitiba, desconsidera os vereadores de Curitiba, que levam seis meses para ter uma resposta. E a Rumo responde quando o cerco aperta”, complementou. Ao indagar por que até o momento a concessionária não buscou a homologação do semáforo-teste – que tem contribuído para a redução de acidentes na capital –, recebeu a resposta do representante da empresa de que a mesma chegou a ser negada pelo governo federal (durante a transição de gestão) e que um novo processo foi aberto e está em andamento. Já da Prefeitura de Curitiba, o retorno foi de que um convênio entre Rumo e Setran ainda precisa ser formalizado e que não há orçamento para a instalação do equipamento nas 47 passagens de nível oficiais da capital.

Ainda, à Rumo, foi indagado por Herivelto Oliveira se existem alternativas para diminuir o volume do apito dos trens durante as madrugadas. E Marcelo Fleder apresentou uma sugestão: “Uma única coisa que dá para fazer, rapidamente, é fechar as passagens de nível, porque as buzinas são um dispositivo de segurança”. “O trem que que passa entre meia-noite e 6h precisa operar e [quando] buzina [o faz] porque tem uma interferência na ferrovia que não deveria existir. […] Em Curitiba, é em média um cruzamento a cada 700 metros. É radical fechar a ferrovia e causar um caos de mobilidade. O trem não vai poder parar de avisar que ele está vindo. É necessário a sinalização sonora”, completou.

Já Marcos Vieira pediu soluções para a passagem de nível da rua Nova Esperança, no Sítio Cercado, que não é oficial e existe há cerca de 20 anos, segundo o próprio vereador. “É um cruzamento que não tem sinalização, nem pavimentação. É usado por ambulâncias, transporte escolar, pedestres. É muito usada pela população e não tem como ser fechada. Existe um projeto para esta passagem de nível?”, perguntou. Conforme a Rumo, existem particularidades para sua regulamentação, como a desapropriação de um terreno. Foi sugerido pelo representante da concessionária uma reunião técnica com o Ippuc para analisar o que é possível fazer no local.

“O que nós estamos pedindo é apenas uma manutenção básica que está em contrato. Ao longo dos últimos anos não observamos nenhum investimento, com exceção agora recente da implantação do sistema semafórico em teste. São 18 anos e a gente não viu avanço nenhum. E a empresa, ano passado, em jornal de grande circulação, disse que vai ampliar em cinco vezes mais, ou quatro vezes mais, a capacidade operacional de serviço disponibilizado por esse ramal ferroviário”, finalizou Serginho do Posto, para depois concluir que a frente parlamentar vai formalizar todas as demandas à Rumo Logística, via ofício, e encaminhar cópia para todos os órgãos fiscalizadores. Caso a CMC e a cidade não consigam respostas e ações satisfatórias, os vereadores comprometeram-se a entrar com representações nos ministérios públicos do Paraná (MPPR) e federal (MPF).

Audiências públicas
A proposição de audiências públicas, cursos e seminários pelos vereadores depende da aprovação de requerimento em plenário, em votação simbólica. O objetivo da reunião com os cidadãos, órgãos e entidades públicas e civis é instruir matérias legislativas ou tratar de assuntos de interesse público. Caso a atividade ocorra fora da Câmara Municipal de Curitiba (CMC), a liberação de servidores cabe à Comissão Executiva – formada pelo presidente, o primeiro-secretário e o segundo-secretário da Casa. No caso das comissões temporárias ou permanentes, a realização de audiências públicas, cursos ou seminários é deliberada pelo colegiado e despachada pelo presidente do Legislativo. 

A exceção são as audiências públicas para a discussão das Diretrizes Orçamentárias (LDO), do Orçamento Anual (LOA) e do Plano Plurianual, conduzidas pela Comissão de Economia, Finanças e Fiscalização. Por se tratarem de etapas legais para a tramitação dos projetos, sua realização não precisa passar pelo crivo dos membros do colegiado. Também cabe ao colegiado de Economia convocar as audiências quadrimestrais de prestação de contas da Prefeitura de Curitiba e da Câmara Municipal. À Comissão de Saúde, Bem-Estar Social e Esporte compete a condução das audiências quadrimestrais para balanço do Sistema Único de Saúde (SUS) da capital. Ambas têm respaldo legal e independem de aprovação dos membros dos colegiados.

Clique aqui para saber mais sobre as audiências públicas já realizadas pela CMC em 2023.