CMC debate acolhimento institucional de crianças e adolescentes
Danielle Dalavechia, representando a Rede de Instituições de Acolhimento de Curitiba e RMC (RIA), explicou que o valor per capita repassado às OSCs é insuficiente. (Foto: Carlos Costa/CMC)
Última audiência pública do mês de outubro, o debate “Acolhimento de crianças e adolescentes em Curitiba” realizado na manhã desta sexta-feira (29) na Câmara Municipal de Curitiba (CMC) reuniu representantes da FAS (Fundação de Ação Social), do Conselho Municipal de Assistência Social, do Conselho Municipal do Direitos da Criança e Adolescentes, do Ministério Público do Paraná (MPPR) e Rede de Instituições de Acolhimento de Curitiba e RMC (RIA). Na pauta, a necessidade de maior apoio do poder público ao atendimento de uma população que tem prioridade absoluta na legislação brasileira – o Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA.
Transmitido ao vivo pelas redes sociais do Legislativo – e disponível no YouTube – o debate durou cerca de 2 horas e foi coordenado pelo gabinete parlamentar de Denian Couto (Pode), conforne a aprovação do requerimento 407.00035.2021, em 18 de outubro. "A aplicação da medida de acolhimento institucional é vista como uma intervenção protetora dos direitos da criança e do adolescente, em situação de vulnerabilidade, justamente por visar garantir esses direitos, principalmente os de proteção e cuidado, considerando sempre em primazia o princípio do melhor interesse da criança", disse o vereador, na justificativa do pedido de realização do debate.
Representantes das OSCs (organizações da sociedade civil) que integram a RIA pediram que a Prefeitura de Curitiba revise o valor per capita que é repassado às instituições que prestam o serviço de acolhimento institucional. Ao todo, são 15 casas-lares e abrigos com contratos com a Fundação de Ação Social (FAS) que atendem 473 crianças e adolescentes e contam com uma equipe de 388 profissionais contratados e que atuam conforme a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS (Sistema Único de Assistência Social). Segundo Danielle Dalavechia, gestora da Fundação Iniciativa, a maioria dos meninos e meninas assistidos pela rede é um público de alta complexidade, e o custo operacional ideal seria de R$ 3.000, exigindo uma reserva de R$ 17 milhões na Lei Orçamentária Anual (LOA); mas o per capita repassado atualmente é R$ 1.867.
“São crianças e adolescentes que têm demandas complexas, como acompanhamento psiquiátrico e uso de medicamentos. A rede investe, por ano, em mais de 70 toneladas de alimentos, 30 toneladas de carnes, 68 mil litros de leite e 55 mil litros de combustível. O custo atual da Prefeitura de Curitiba para manter 270 crianças e adolescentes é de R$ 58 milhões por ano; enquanto que para as OSCs o custo é de R$ 20,5 milhões para assistir 473 pessoas, com um repasse de apenas R$ 10,5 milhões. Se o governo tivesse que assumir todo o atendimento que nós fazemos hoje, se hoje as OSCs falassem ‘nós não vamos atender porque o repasse é menor do que a gente precisa’, hoje o governo teria que assumir R$ 160 milhões por ano em acolhimento institucional. Isso é muito sério”, resumiu.
Diretor da Associação Beneficente Encontro com Deus (ECD), Charles Mathias Renner também avaliou que o valor per capita fica aquém do necessário para garantir os serviços prestados pela RIA. “O acolhimento institucional é como se fosse uma UTI. Ele é o último que recurso que as crianças vão ter, de ter um lugar seguro e continuar suas vidas. [Mas apenas] 2% de todo o recurso que Curitiba consegue levantar vai ser destinado àqueles que são mais vulneráveis. Essa é prioridade que Curitiba dá aos que mais precisam”, criticou.
Ao justificar a necessidade da revisão da per capita, Renner destacou que as instituições que integram a rede já fazem mais do que lhes é exigido. “Está no nosso DNA, faz parte da nossa vocação cuidar das nossas crianças. A gente quer ver a transformação de vida delas.” Disse, ainda, que o patamar financeiro é insuficiente e pode gerar a precarização do serviço. “O valor da per capita é o mesmo pactuado em 2019”, emendou, ao informar que o deficit de repasse atual é de mais de 9%, considerando somente a inflação de 2019 e 2020 e que a proposta atual da prefeitura é manter o valor atual, mantendo assim, Curitiba como a capital brasileira que pratica o menor valor per capita para o acolhimento institucional, ficando atrás de Porto Alegre (RS) e Belo Horizonte (MG), por exemplo.
O que diz o MPPR
Para o promotor de Justiça do Ministério Público do Paraná, Francisco Zanicotti falar de acolhimento é “falar daqueles que não têm família, que foram abusados, torturados, negligenciados ao extremo, a ponto de termos que aplicar a medida de proteção máxima do ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente]”. Com experiência de quase 30 anos acompanhamento de crianças e adolescentes em situação de risco, o convidado reforçou que as leis orçamentárias devem priorizar a “prioridade absoluta”, aqueles que estão “na prioridade da prioridade” e elogiou o trabalho das OSCs:
“Em Curitiba são 40 casas-lares e abrigos que acolhem crianças e adolescentes. Sempre que se fala em medidas de proteção, se fala de vidas, de crianças. Se a gente não olhar nos olhos deles e sentir a dor do próximo a gente falha. Cuidando deles, olhando nos olhos deles e vendo o sofrimento deles, a gente tem que aplicar a lei. As OSCs têm heróis, educadores, médicos voluntários, atendem crianças e meninos que na semana passada estavam usado crack e hoje são estagiários do Tribunal de Justiça”, declarou.
Ao pedir que Câmara Municipal “se levante e fale a favor o cumprimento da lei”, Zanicotti criticou o fato de que uma cidade que se diz “educadora”, não consegue acolher um bebê que está há quatro meses no Hospital do Trabalhador a espera de uma vaga numa unidade de Curitiba. “Esta prioridade está sendo da boca para fora”, disse, ao informar que uma instituição se dispôs a acolher a criança e pediu apoio do município para a disponibilização de uma enfermeira, sem sucesso. Também manifestou preocupação com a terceirização de parte das sete unidades da Casa do Piá, administradas pela FAS.
Outras contribuições
“Estamos falando de pessoas invisíveis, que a sociedade não percebe. E esses invisíveis, que estão em casas de acolhimento, precisam de uma Câmara que atue de verdade e vá além do mero discurso de cinco minutos na tribuna [tempo regimental do pequeno expediente, um dos horários da sessão plenária]; de que seja fiscalizadora e fazer chegar o recurso ao atendimento que dê prioridade àquilo que é prioridade.
Representantes da FAS que atuam na coordenação dos acolhimentos de média e alta complexidade também participaram do debate e elencaram ações da fundação desenvolvidas a partir do aumento do atendimento na pandemia da covid-19, como o projeto Anjos da Guarda e a implantação de uma ferramenta de denúncias para o atendimento de abordagem da assistência social dentro do Aplicativo 156. Também elogiaram o trabalho de “excelência” da RIA, cujos termos de colaboração com o Executivo foram renovados por mais 12 meses.
Também participaram do debate Renan Costa Ferreira, presidente do Comtiba; Maria Valdevania de Assis, presidente do CMAS; e os vereadores Indiara Barbosa (Novo) e Pier Petruzziello (PTB). Clique aqui para saber mais sobre as audiências públicas já realizadas pela CMC em 2021.
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