Catadores de cooperativa alertam a erros na separação dos recicláveis
Reportagem esteve na Acuba, onde os recicladores cooperados recebem materiais dos caminhões do "Lixo que não é lixo". (Foto: Carlos Costa/CMC)
“Eu tô ocupada, deixa que eu já atendo. Segura essa emoção!”, brincou a recicladora Maria Aparecida da Silva quando foi interrompida, na última sexta-feira (21), em meio à entrevista a jornalistas da Câmara Municipal de Curitiba (CMC). “Aqui é o nosso trabalho, e eu acho que ele devia ser mais reconhecido, né?”, desabafou a mulher, que há dez anos faz parte da Associação de Catadores de Materiais Recicláveis Unidos do Bairro (Acuba).
Maria Aparecida e outros catadores conversaram com a reportagem sobre as principais dificuldades enfrentadas no dia a dia da reciclagem. A visita à Acuba, na última sexta, faz parte das ações desenvolvidas pela CMC em apoio à 13ª edição da Semana Lixo Zero, que vai de 21 a 30 de outubro, após a Comissão de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Assuntos Metropolitanos aderir à campanha.
Publicada em 2021, a terceira edição do Anuário da Reciclagem indica que, em 12 meses, o trabalho dos catadores foi responsável por evitar que quase 1 milhão de toneladas de resíduos sobrecarregassem ainda mais os aterros do país. O levantamento foi realizado pela Associação Nacional de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (Ancat) e o Instituto Pragma.
Das 1850 organizações e cooperativas de catadores que compõem a base de dados do estudo, distribuídas por todos os estados da Federação e o Distrito Federal, 651 responderam à pesquisa. Dessas entidades, 97 são do Paraná, número que só fica atrás de São Paulo. Os dois estados, inclusive, se destacam pela distribuição, por todo território estadual, dos recicláveis recuperados, não se concentrando apenas em áreas próximas das capitais.
Mas se o trabalho dos catadores de recicláveis é importante para toda a sociedade, por que eles são invisibilizados? Para Maria Aparecida, falta mais consciência sobre a correta separação dos resíduos. Segundo ela, praticamente metade do material entregue diariamente pelos caminhões do “Lixo que não é lixo”, da Prefeitura de Curitiba, não tem como ser aproveitado. “Vem muita coisa de madeira. Madeira não é reciclável, mas o caminhão tem que pegar”, citou.
“Eu acho que devia ter mais consideração também com os piás que catam na rua, os do ‘separe’, porque eles não são obrigados [a recolher os resíduos]”, pediu. “Imagina esses tempos atrás veio a metade de um caminhão que era puro mato, ainda até pior do que o lixo orgânico.”
No entanto, segundo a cooperada à Acuba, os principais problemas das chamadas “bags”, sacos onde é acondicionado o material recolhido pelos caminhões, são o papel higiênico e as fraldas. “Esses dias eu peguei um ‘bag’ lá na frente, pesada, que deveria ser de papel branco. No que eu levei pra minha mesa, era um saco preto, e estava cheio de fralda adulta”, relatou. “Já veio bicho morto, guri. Um dia a menina pegou uma caixa, era uma caixa linda, e tinha um gato morto.”
Resíduos infectantes
Também é comum, alertou Maria Aparecida, se deparar com resíduos infectantes, que precisam de um descarte especial, já que os trabalhadores podem se ferir. “Eu já furei umas quatro vezes meu dedo com seringa. Fui fazer exame, mas graças a Deus não era nada. Desde que começou a pandemia, o que vem desse tal do teste da covid junto com o reciclado, misericórdia, muito, muito, demais.”
“Tem alguns que têm uma consciência, que colocam as seringas dentro de vidro, que sabem que tem gente reciclando o material, que pra eles é lixo, mas para nós é o sustento”, ponderou. No entanto, muita gente sequer faz a reciclagem. “Eu acho que vai de cada um de nós ensinar a seu próximo. As escolas deveriam ensinar muito mais, desde pequeno as crianças deveriam saber separar o lixo”, sugeriu.
Representante estadual no Movimento Nacional dos Catadores, Roselaine Mendes Ferreira falou sobre a forma correta da separação. “Pra gente, o resíduo tem que ser separado de duas formas. O seco do úmido. Todo tipo de plástico, todo tipo de papel, isso é reciclável, todo tipo de latinha, lata, enfim, isso é o reciclável”, frisou.
“Comida, fralda, papel higiênico, camisinha, seringa, remédio, isso são coisas que não são recicláveis, isso são coisas que contaminam as pessoas. Às vezes, as pessoas que estão ali, separando e se dedicando no trabalho, acham uma seringa. Isso fura a gente, machuca, isso não é reciclável e a gente não tem obrigação de dar destino nisso”, lamentou.
Para a cooperada, só a mudança de mentalidade da população pode fazer com que a categoria seja valorizadora. “Pra nós, gera renda. Pra nós, paga o nosso aluguel, é a nossa sustentabilidade. Mas pra população é o lixo que tá na porta. Eles não querem nem saber o que é feito quando [o resíduo] sai da sua casa. A verdade é essa”, desabafou. “E essas pessoas são muito mal remuneradas.”
“Enquanto a população também não pensar nesse lado humano da pessoa que está mexendo, no catador que está mexendo nesse resíduo, e pensar ‘eu vou fazer, eu vou separar dentro da minha casa da melhor forma possível, porque tem um ser humano mexendo’, a realidade não vai mudar”, declarou Roselaine.
Lixo Zero
A Semana Lixo Zero é realizada em cidades brasileiras e de mais oito países latino-americanos, com o objetivo de conscientizar sobre o consumo e a responsabilidade dos resíduos produzidos. Coordenada pelo Instituto Lixo Zero, a campanha tem como tema, em 2022, “Lixo Zero é Coletivo e Comunidade”. O calendário oficial de eventos de Curitiba também conta com a Semana Municipal Lixo Zero, criada pela lei 14.767/2015.
O conceito de lixo zero consiste no aproveitamento e no correto encaminhamento dos resíduos recicláveis e orgânicos. A ideia é reduzir ou até mesmo acabar com o envio desses materiais para os aterros sanitários e\ou para a incineração. A responsabilidade, dentro dessa proposta, cabe à indústria, ao comércio, aos consumidores e ao poder público.
Também são propostos os quatro erres do lixo zero: repensar, para que materiais que poderiam ser reciclados não vão parar no lixo comum; reutilizar, pensando em outros usos para os resíduos, como aproveitar os versos das folhas de papel; reduzir, gerando cada vez menos lixo; e reciclar, aproveitando os resíduos, em vez de sobrecarregar os aterros.
Para conferir mais fotos da visita à Acuba, clique na imagem abaixo e acesse o álbum no Flickr da CMC:
*Estudante de Jornalismo Mauricio Geronasso*, especial para a CMC
Supervisão do estágio: José Lázaro Jr.
Revisão: Alex Gruba
Reprodução do texto autorizada mediante citação da Câmara Municipal de Curitiba