Carla Pimentel: "as mulheres são colocadas como legendeiras"

por Assessoria Comunicação publicado 09/03/2015 17h10, última modificação 29/09/2021 10h19
Na primeira entrevista da série sobre a participação das mulheres na política, Carla Pimentel (PSC) criticou a forma como as candidatas a cargos eletivos são vistas por suas siglas partidárias. “São colocadas como "legendeiras", apenas para cumprir a cota, cumprir a lei”. Para a parlamentar, politicamente, a mulher ainda está na “cozinha”, quando deveria estar na sala debatendo políticas públicas.

Na visão da vereadora, a falta de investimentos nas campanhas femininas contribui para a baixa visibilidade nas eleições (gerais e municipais) e consequente derrota para os homens nas urnas. A garantia de cadeiras nas casas legislativas (cota feminina) é uma ideia que agrada, mas Carla Pimentel pondera que a mulher não pode estar na Câmara de Vereadores, ou outro Legislativo, apenas por ser mulher. “Ela precisa ser informada, formada e preparada”.

Câmara Municipal de Curitiba: Mais da metade do eleitorado brasileiro é feminino, mas nas eleições gerais de 2014, apenas 28,9% dos 22,3 mil candidatos eram mulheres. No pleito de 2012, apenas cinco vereadoras foram eleitas (de um total de 198 mulheres que concorreram ao cargo). Como a vereadora avalia a situação? Por que a mulher não participa tanto da política quanto se espera?


Carla Pimentel: Eu acredito que participa. Quando se fala do papel da mulher, nós dizemos que ela não tem a tradição que o homem tem. A envergadura das campanhas masculinas é muito maior. Infelizmente, nas urnas aparece a proporção de uma campanha que tem uma máquina muito maior, em detrimento da campanha mais modesta. É muito comum encontrarmos líderes de bairros querendo ser candidatas, sem estrutura partidária, sem condição.

CMC: Falta apoio dos partidos, mesmo sendo obrigados a preencher uma cota mínima de 30% de candidatas mulheres para a disputa eleitoral?

CP: Não posso falar de todos os partidos, porque conheço alguns. Mas naqueles que conheço, em geral as mulheres são colocadas como “legendeiras”. Estão ali simplesmente para cumprir a cota, cumprir a lei. Nós precisamos trabalhar mais, para ter um pouco mais de respeito, que homem não precisaria. Existe uma discriminação muito forte não só na candidatura, mas também na gestão.

CMC: Isto se deve à cultura brasileira, predominantemente machista?

CP: Nós temos o fator da cultura machista, mas acredito que é mais que isto. É uma questão de estrutura. Se uma mulher tem estrutura partidária, financeira ou de preparação política, ela consegue encontrar grandes lugares na política. Quando olhamos historicamente, vemos as mulheres de uma maneira muito tímida, sempre colocadas como coadjuvantes. Infelizmente, a sensação que eu tenho é como se, politicamente falando, as mulheres estivessem na cozinha quando precisavam estar na sala para discutir aquilo que precisa.  

CMC: Qual seria o caminho para ultrapassar estes obstáculos?

CP: O primeiro caminho é a conscientização. Quando as mulheres entenderem que a numérica é expressiva, que são a maioria dos eleitores no Brasil, elas começarão a se conscientizar que o lugar na política é delas também. Mais do que isto, também é a unidade. A democracia em si não se faz sozinha, nós somos um time. Mesmo que  tenhamos diferença, precisamos daquilo que nos une. As mulheres precisam ter a condição de refletir sobre o que as une.

CMC: Esta união deveria ser pensada tanto pelas mulheres que disputam cargos eletivos, quanto pelas que apenas exercem o poder do voto? Pois há quem diga que mulher não vota em mulher.


CP: Acredito que eleitora vota, mas o acesso é diferente. A dificuldade que eu percebo é que a visibilidade da campanha de uma mulher é menor. Quando se disputa com alguém que tem um caminho muito mais longo na política, a força para fazer a campanha nem sempre é suficiente. Nós, muitas vezes, desempenhamos um trabalho que não chega ao conhecimento das pessoas. Mas é muito comum estarmos nas ruas e sermos criticadas por uma lei que nem é nossa. E ainda há o peso de quem acha que mulher precisa fazer algo diferente, precisa se destacar.

CMC: Como vereadora, você sente o preconceito?

CP:  Sinto, e sinto muito. Dentro e fora da Câmara. No Legislativo, quando a gente chega tem aquela coisa do estereótipo, aquela ideia de que não vai aguentar, por ser mulher. Mas hoje em dia, a situação é diferente, porque [os vereadores] já conhecem o nosso trabalho. Já fora da Câmara é muito pior, porque as pessoas têm a ideia de que uma mulher sempre precisa ser questionada. Quando alguém precisa questionar mais uma mulher, por ser mulher, isto se caracteriza como preconceito.

CMC: Por que a mulher que é engajada politicamente, que tem uma atuação voluntária muito forte, que tem apoio, opta por não entrar na política?

CP: Eu atribuo isto à sobrecarga de papéis da mulher. Nós temos uma sociedade que, felizmente, deu espaço para a mulher em muitas coisas, mas não a exonerou de outras. Somado a isto, há o preconceito da política. Muitas pessoas pensam: “você trabalha na política, então não trabalha, não é honesto.” Percebo que a mulher prefere preservar a família, o seu trabalho. Para a mulher colocar em risco tudo isto, ela precisa se expor demais, se arriscar demais, e sabe que vai ser difícil. A imposição de cotas não é o suficiente para dizer “a mulher está resguardada, está protegida”. Infelizmente, ela não está.

CMC: Há quem defenda que a cota feminina nas cadeiras das casas legislativas poderá garantir a presença de mulheres na política. A vereadora concorda?

CP: Eu concordo e apoio, mas precisamos entender que a mulher não pode estar na política apenas por ser mulher, porque também é uma forma de preconceito. Paralelo à cota, é necessária uma habilitação, um crivo. É preciso habilitar esta mulher. Não dá simplesmente para jogá-la aos leões. Temos fundos partidários nos quais as mulheres não têm acesso. Existe um percentual, de 5 a 10%, que deveria ser investido na formação das mulheres. Se as mulheres forem informadas, formadas e preparadas, elas superam atém mesmo a máquina financeira das grandes campanhas.

CMC: Pensando no equilíbrio no poder: se tivéssemos 50% de vereadores e 50% de vereadoras na Câmara de Curitiba, a política seria melhor conduzida?

CP: Eu entendo que a política seria mais fiel, não melhor em qualidade. Se partimos do princípio de que política democrática é representativa, se nós tivéssemos 50% de mulheres na Câmara, teríamos 50% de cidadãs representadas. Por exemplo, por mais que um homem seja sensível à causa, só sabe o que é ser abusada sexualmente, uma mulher. Teríamos uma representação mais fiel, mas não posso afirmar se seria melhor ou pior porque é muito hipotético ainda. É sonhar demais, pois infelizmente não temos este espaço, nem na raiz partidária, nem na estrutura de crescimento político.

CMC: Como conseguir este espaço?

CP: Continuando neste caminho que já foi trilhado. Gosto muito de pensar que existem pessoas certas para os momentos certos. O Brasil vive uma crise muito grande e, nesta crise, pessoas vão emergir com vontade de levantar esperança. Acredito que temos mulheres que podem se levantar e já estão se levantando, que estão investindo e mostrando que não começaram agora.  Acredito dá para trilhar um caminho novo a cada dia. A esperança se faz assim. Uma entrevista como esta, um espaço como este já é histórico na Câmara de Curitiba.

*Carla Pimentel está em seu primeiro mandato como vereadora de Curitiba. Ela foi eleita em 2012 com 4.167 votos. Estudou Tecnologia da Informação, Psicologia e atualmente dedica-se à Pedagogia. Ela trabalha voluntariamente em instituições sociais há 16 anos, desde a infância, em ações de assistencialismo e no combate às drogas. Sua atuação parlamentar prioriza o ser humano e a família (informações da assessoria parlamentar).

Por Pedritta Marihá Garcia
– Jornalista da Diretoria de Comunicação da Câmara Municipal de Curitiba.