Solenidade "Ubuntu" celebra a cultura negra em Curitiba

por João Cândido Martins | Revisão: Ricardo Marques — publicado 22/11/2023 12h15, última modificação 22/11/2023 17h06
O evento da Câmara integra as atividades relativas ao Novembro Negro, que visa a exaltar as personalidades da cultura negra que atuam em Curitiba.
Solenidade "Ubuntu" celebra a cultura negra em Curitiba

A Câmara Municipal de Curitiba promoveu uma sessão solene em comemoração ao Novembro Negro. A iniciativa foi da vereadora Giorgia Prates. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)

Nesta terça-feira (21), a Câmara Municipal de Curitiba promoveu uma sessão solene em homenagem aos representantes da cultura negra em Curitiba. A iniciativa da homenagem foi da vereadora Giogia Prates – Mandata Preta (PT) e teve como tema “Ubuntu – celebração da cultura negra em Curitiba”.

A Mesa foi composta por Giorgia, vereadora proponente da homenagem; vereador Herivelto Oliveira (Cidadania); vereadora Professora Josete (PT); Luiz Santos, militante do Movimento Negro Unificado (MNU), secretário de Combate ao Racismo da CUT-PR, integrante de Combate ao Racismo do PT e professor da rede pública estadual de ensino; Carlinhos de Jesus, representando o deputado estadual Renato Freitas; e Celina do Carmo da Silva Wotcoski, a Tia Celina, secretária de Promoção de Igualdade Racial e Combate ao Racismo do Sindicato dos professores e funcionários de escolas do Paraná (APP Sindicato).

Também estiveram presentes: Diane Cristina de Abreu, presidente do Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Curitiba (Sismmac) e Jokasta Pires Viera Ferraz, diretora do Sismmac em Araucária; Marília Reis, da Rede de Mulheres Negras; Márcio Killer, presidente da CUT-PR e Luizene Coimbra que integra o mandato da vereadora Professora Josete.

Assista à sessão solene no Canal da Câmara no Youtube.

Veja as fotos da solenidade no Flickr da Câmara.

Saudação

Para a vereadora Giorgia Prates, a realização dessa sessão solene é uma oportunidade de trazer a cultura negra para o âmbito da Câmara Municipal de Curitiba. Para ela, “as mudanças estão acontecendo e são mudanças decorrentes de muita luta, resistência e esperança”. Ela lembrou de sua infância, ainda na favela de São Carlos, na Zona Leste de São Paulo, e da forma como seus pais apadrinhavam as crianças da localidade. “Minha mãe foi a maior pedagoga que conheci, sempre com histórias da nossa cultura, sempre acolhendo. Quando a gente fala dos nossos ancestrais, falamos também de quem nós somos”, disse a vereadora.

Giorgia destacou que o conceito de Ubuntu, que norteia a realização da solenidade, é uma sabedoria do povo negro. Trata-se de uma filosofia de origem africana que trata da importância da aliança e dos relacionamentos entre as pessoas. “O mundo só é bonito quando a gente percebe a importância da diversidade. Hoje, nessa Casa, todos estão fazendo Ubuntu, independente da cor da pele”, declarou.

Para Giorgia, há uma reparação histórica e um reencontro cultural que precisa ser feito com a participação de negros e não-negros, o que também está em acordo com a ideia do Ubuntu. No final da cerimônia, Giorgia retomou a palavra e mencionou também as questões relativas ao clube 13 de Maio. “Trata-se de um espaço de todos os negros e negras de Curitiba, um lugar que precisa ser olhado com muita atenção”, finalizou

O vereador Herivelto Oliveira reiterou as palavras de Giorgia e disse que também sua família também passou por limitações de ordem financeira. “Minha mãe faleceu o ano passado e meu pai há 13 anos, mas eu carrego seus ensinamentos até hoje”, disse ele, que ressaltou a necessidade dos jovens valorizarem seus pais.

Professora Josete parabenizou Giorgia e Herivelto pela iniciativa. Para ela, a questão do combate ao racismo não deve ser tratada somente no mês de novembro, mas durante todos os dias do ano. “Todos nós, em maior ou menor grau, trazemos traços racistas, porque a cultura do mundo é racista. Precisamos desconstruir conceitos e preconceitos para que todas as pessoas sejam respeitadas a partir de suas diferenças”, disse a vereadora. Ela citou o educador Paulo Freire, que falava no conceito de amorosidade. “Freire dizia que os professores precisam praticar a amorosidade, pois só o amor vai levar à construção de uma sociedade mais justa e solidária”, finalizou. 

Luta antirracista

O professor Luiz Santos iniciou sua fala citando Djamila Ribeiro, filósofa, escritora e feminista negra, que defende que a mulher negra não quer ser objeto de estudo, e sim, sujeito de pesquisa. “Toda vez que venho nesse espaço, me deparo com essa estrutura europeia e entendo que isso nos coloca um desafio muito grande. Espero que a gente possa chegar naquela galeria de presidentes daqui a alguns anos e possa ver representantes da cultura negra", afirmou Luiz.

Ele destacou que o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) publicou uma pesquisa sobre o povo negro no mercado de trabalho e, de acordo com ele, na hierarquia da remuneração, percebe-se uma escala que se inicia com o homem branco, a mulher branca e a criança branca. “Só depois, aparece o homem negro, a mulher negra e a criança negra. Sem falar na condição das mulheres trans negras”. Para Luiz, quando se fala em luta antirracista, não se está falando somente do povo negro, mas de todas as pessoas que são contra o racismo. “Nessa cidade tão racista e que tanto segrega, a gente ter esse espaço é muito importante”, concluiu.

Para Carlinhos de Jesus, representante do deputado estadual Renato Freitas, o deputado, quando exerceu a vereança, sofreu um processo muito violento de racismo. “O problema”, disse ele, “não foi o Renato entrar na igreja, mas entrar no espaço de poder, um espaço que é muito difícil para um negro conquistar e, mesmo quando ele conquista, é obrigado a ouvir que ali não é seu lugar, mas nós temos luta e resistência”. Ele lembrou que um dia após a abolição da escravatura no Brasil, os negros estavam sem casa, sem família e sem religiosidade.

Depois de construir a riqueza desse país por mais de 300 anos de escravidão, levamos o título de vagabundos num processo de escravidão que continua até hoje. Houve conquistas, mas elas custaram sangue e suor e isso se deve àqueles que doaram suas vidas”, afirmou Carlinhos, lembrando também que os negros sofrem a repressão policial nas periferias. Ele ainda lembrou do episódio ocorrido na última segunda-feira no Colégio Estadual do Paraná, que envolveu um policial militar. “Ninguém nasce racista. As pessoas são educadas para serem racistas. Não adianta dizer que vidas negras importam se essas vidas não são preservadas”, afirmou

Celina do Carmo da Silva Wotcoski, a Tia Celina, secretária de Promoção de Igualdade Racial e Combate ao Racismo do Sindicato dos professores e funcionários de escolas do Paraná (APP Sindicato), disse ser uma alegria saber que o dia 21 de novembro é celebrado por pessoas pretas e não-pretas, pois a luta antirracista está além das diferenças da cor da pele. “Muitas pessoas que vieram antes de nós abriram caminho para que pudéssemos falar, pois há algum tempo nem falar podíamos. Essas conquistas foram conquistadas com muita luta e sangue derramado. Em função disso, o Dia da Consciência Negra é um dia de reflexão sobre a resistência, como a de Zumbi dos Palmares que resistiu até a morte”, disse Celina. No fim, ela parabenizou a vereadora Giorgia por promover a ocupação de um espaço que sempre foi negado aos negros.

Homenagens e apresentações

Dupla Lua d’Ávila e leandro Novaes de Lima. Músicos que se dedicam às manifestações das religiosidades de matriz africana.

Aline Reis. A homenageada foi eleita a jornalista negra mais admirada do sul do país pelo Portal Um Papo Reto – Rede de Jornalistas Pretos, autoria do livro Paraná Preto, escrito em parceria com a também jornalista Maria Carolina. Atua como repórter no jornal Plural. 

Associação Berimbau Rosa – Qualidade Noturna, representada por Maria Natalina de Carvalho. O objetivo da entidade é empoderar os participantes para que possam vir a atuar nas áreas de influência da sociedade.

Sandro Luis Fernandes. Percussionista, ex-integrante do grupo Fato, professor de história e sociologia, pesquisador da UFPR, conselheiro do Comper indicado pelo Sismac e integrante do projeto Negritude e Branquitude: Novos Olhares.

Grêmio Recretativo Escola de Samba Mocidade Azul. Fundado em 1972 a partir de uma torcida organizada de mesmo nome dedicada ao Clube Pinheiros, clube de futebol que se juntou ao extinto Colorado para formar o Paraná Clube. A entidade adotou o leão como símbolo desvinculando-se do Paraná Clube e, desde então, promove atividades sociais, culturais e beneficentes, tornando-se um espaço de estímulo e difusão da cultura afro.

Coletivo Negro Não Nego, representado por Glayson Cintra e Loara Gonçalves. O coletivo foi fundado em 2017 a partir de uma concepção cênica. Em 2019, foi indicado em todas as categorias no Festival e Teatro de Pinhais. Em 2021 teve um público de mais de 2.500 pessoas nas Ruínas de São Francisco, durante o Festival de Teatro de Curitiba e, em 2022 foi premiado pela Câmara Municipal e Curitiba com o prêmio Crisóstomo Arns pela então vereadora Carol Dartora. Em 2023 o coletivo fez suas primeiras apresentações fora do estado do Paraná.

Wes Ventura. Wes tem 29 anos e é natural de Barretos (SP). Cantor e compositor, reside em Curitiba e iniciou suas atividades musicais nas ruas da cidade. Em suas músicas aborda questões étnico-raciais, liberdade e amor. Está preparando seu primeiro disco “Na madruga sem pressa”.

Não puderam estar presentes: Coletivo Pretas com Poesia, Caê Traven (Hip-Hop) e Aline Castro.