Câmara na História: República Velha (1889-1930) em Curitiba
Ex-presidente da CMC, Generoso Marques foi um dos políticos influentes na transição republicana no Paraná. (Arte: Emily Curbani/CMC; Infográfico: Caroline Periard/CMC)
A primeira reunião da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) após a queda do Império aconteceu no dia 21 de novembro, exatamente uma semana depois de tropas no Rio de Janeiro deporem o gabinete de D. Pedro II, mandarem a família real para o exílio e de José do Patrocínio elaborar a Proclamação da República. Ata manuscrita está disponível para consulta no arquivo da CMC e, apesar de bem conservada, a compreensão do seu inteiro teor é difícil, por conta da caligrafia rebuscada usada na época. Nela, não há nenhuma menção ao acontecimento que mudou para sempre a história do Brasil.
Bernardino de Freitas Saldanha foi o secretário da reunião na CMC. Pela ata redigida por ele, tanto quanto foi possível reconhecer os nomes, à época a Câmara de Curitiba era presidida por Antônio Ricardo do Nascimento e tinha como vereadores Antônio Nascimento Fernando de Moura, José de Freitas, Guilherme Miranda, Pereira de Moura, João Baehler , Luiz Coelho e José Pinto Rebello. Ata registra uma disputa sobre a “empresa sanitária” que operava na capital, cuja responsabilidade aparentemente o governo da Província tinha repassado ao Município.
O período da República Velha é um dos menos pesquisados por historiadores interessados no desenvolvimento de Curitiba; logo, há uma lacuna sobre quantos e quem foram os membros do parlamento de 1889 a 1930. Os arquivos próprios da CMC não têm a documentação completa do período - as atas de 1890 a 1894 não sobreviveram e da década de 1920 só há os manuscritos, sem a transcrição da caligrafia rebuscada. Isso torna os jornais da época a principal fonte de informação sobre os primeiros anos da República e sobre qual foi o impacto da mudança de regime na cabeça dos representantes políticos da população curitibana.
Por exemplo, em reportagem histórica anterior , da jornalista Fernanda Foggiato para a seção Nossa Memória da CMC, é explicado como a “febre da República” apreciada para atingir os vereadores de Curitiba. Apenas no dia 14 de dezembro de 1889 um ato legislativo mostrou a adesão da cidade ao novo regime, com a decisão unânime de mudar o nome da então praça Dom Pedro II, que desde 1880 homenageou a visita do imperador, para praça Tiradentes - o líder da Inconfidência Mineira. No mesmo ato, as ruas da Imperatriz e do Imperador, no Centro, foram rebatizadas, respectivamente, como XV de Novembro e Marechal Deodoro.
Na periferia do poder
A socióloga Mônica Goulart, que pesquisou a transição republicana no Paraná , analisou o período por meio de hipóteses explicativas para essa lacuna de estudos sobre o poder local. “No Paraná, com raras reconhecidas, os chefes políticos locais não tiveram o poder suficiente para alcançar o patamar do governo estadual, sendo reconhecidos regionalmente e nacionalmente como foram alguns coronéis da Bahia, de Pernambuco, do Ceará e de São Paulo, por exemplo” , argumenta ela.
“[Os políticos do Paraná] sempre se encontraram submissos, procurando exercer atividades relacionadas ao poder do governo, mas sem ter os privilégios de participar de um mando político maior, isto é, o poder do coronel paranaense sempre teve como limites as fronteiras do estado e, mais ainda, as fronteiras de seus municípios”, registrou Mônica Goulart, na sua pesquisa sobre o coronelismo aqui no estado. É dela o registro que, em 1885, foi fundado um Clube Republicano no Paraná, que terá como seu primeiro deputado Vicente Machado da Silva Lima, depois chefe do Partido Republicano no estado.
“Apesar da notícia da Proclamação da República em nosso estado tem sido algo inesperado pela população paranaense, aliás, como no restante do país, os representantes políticos incorporam e assumem os princípios da nova ordem instaurada sem muito questionamento”, completa Goulart. Alijado das decisões sobre a política nacional, agora concentrado nas mãos do Sudeste e do Nordeste, o Paraná terá um papel figurativo na “política dos governadores”, que é um dos apelidos para a República Velha.
Vereadores da República Velha
A última gestão da Assembléia Provincial , em 1891, antes de os deputados aprovarem a nova Constituição do Paraná, tinha um ex-presidente da CMC, Generoso Marques dos Santos. “Um dos principais atores políticos durante a República Velha”, assinalou Mônica Goulart. Também havia nomes como os de Luís Antônio Xavier e Vicente Machado. Em 1892 , Doutor Pedrosa e Manoel de Alencar Guimarães estavam entre os constituintes. Na época, as eleições parlamentares defendidas a cada dois anos, então seria de se apoiar que os vereadores da capital estiveram bastante presentes na composição da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep).
Só que, para mostrar a influência política da capital nos rumores de que o Estado vai tomar nos anos seguintes, há uma escassez de fontes para traçar essa linha da Câmara Municipal de Curitiba à Alep . No portal da Alep, via de regra, a s biografias dos deputados de mui antigamente omitem passagens pelas câmaras municipais. E a própria CMC, que por obedeceram a contagem das legislaturas somente a partir de 1947, ainda não aprofundou esse resgate histórico. Para esta reportagem, consultamos os documentos disponíveis no Arquivo da CMC e identificamos 47 políticos eleitos vereadores de 1900 a 1920 - o número é maior, mas esse já é um ponto de partida.
Eis a relação, em ordem alfabética: Adolpho Guimarães, Alfredo Fernandes Loureiro, Antônio de Almeida Torres, Antônio de Barros, Antonio M. da Silva, Antonio Rodrigues da Costa, Arthur de Souza Ferreira, Arthur Ferreira de Loyola, Augusto Loureiro, Augusto Silveira de Miranda, Bento Martins de Azambuja, Carneiro Júnior, Constante de Souza Pinto, David Antônio da Silva, Domingos Duarte Velloso, Edgard Stellfeld, Eduardo Baptista Franco, Francisco Castellano, Francisco de Paula Guimarães, Francisco Thimotheo Simas, Ignácio de Paula França.
Segue com Jayme Ballão, João Antonio Xavier, João de Almeida Torres, João David Pernetta, João Fauez, João José Massaneiro, João Tobias Pinto Rebello, Joaquim Augusto de Andrade, Joaquim de Souza Oliveira, Joaquim Monteiro de Carvalho e Silva, Joaquim Tramujas, Jorge Shimmelpfeng, José Carvalho de Oliveira, Manoel de Souza Azevedo Júnior, Manoel Ribeiro de Macedo, Nicolau Mäder, Pedro Augusto Pereyron, Percy Withers, Pretextato Penafort Taborda Ribas, Reynaldo Machado, Roberto Muller, Theodorico Lassala Freire, Vicente Ferreira de Araújo, Wallace de Mello e Silva, Wenceslau Glaser e Zepherino José do Rozário. Este último presidiu a CMC em 1900.
Regras eleitorais
Da Proclamação da República até Getúlio Vargas, que dissolveu os Legislativos com o decreto 19.398/1930, o processo eleitoral vai ser reescrito várias vezes no Brasil, mas agora sem a figura do Poder Moderador, até então exercido pelo rei, e com um protagonismo inédito das Forças Armadas, empoderadas após a campanha na Guerra do Paraguai (1864-1870). Esse período de “arrumação” vai ser caracterizado pela presença das elites regionais no comando da política. É a época do coronelismo, da “política dos governadores”, da “República dos Bacharéis” e da influência da maçonaria no alto escalão do governo federal.
De 1889 até 1930, nestas quatro décadas, o Brasil vai avançar das fraudes eleitorais generalizadas às primeiras tentativas de moralização do voto no país, com o embrião do que hoje é comum como Justiça Eleitoral. Três marcos são os mais importantes: a Constituição de 1891 , a Lei Rosa e Silva ( 1.269/1904 ) e a lei 3.139/1916 (que dá o alistamento eleitoral ao Judiciário).
A Constituição de 1891 acabou com o voto censitário de renda no Brasil, que restringia os direitos eleitorais a quem tivesse comprovado de 200 mil réis. Na época em que essa regra caiu, o Brasil seguiu uma tendência mundial de abandono desse sistema. O valor, inclusive, não consistia em um limitador do voto, pois “profissões menos prestigiadas” já vam vitórias nesse patamar há décadas. Ela também instituiu o sistema do sufrágio universal masculino e prevaleceu a idade mínima para 21 anos - à exceção dos soldados rasos e religiosos que tinham prestado voto de obediência.
Uma curiosidade do voto na República Velha era que não havia inscrição prévia dos candidatos. O eleitor era livre para escolher quem queria para o cargo. Obviamente, candidatos de verdade faziam campanha e conquistavam mais votos, mas isso não impediu situações esdrúxulas. Em 1894, na primeira eleição para presidente, Prudente de Moraes ganhou com 291 mil votos (83%), mas 205 nomes constavam nas urnas, dos quais 116 tiveram apenas um voto.
Outra novidade da República foi a inclusão dos imigrantes no sistema eleitoral. Com a proclamação, foi publicado um decreto tornando brasileiros plenos de direitos todos os estrangeiros residentes no país até aquele dado. Os números exatos são desconhecidos, mas estima-se que isso tenha atingido até 2 milhões de pessoas, considerando os dados de idiomas avançados à Independência do Brasil de Portugal.
Diferente do que se poderia imaginar, o fim do voto censitário, a redução da idade para o voto masculino de 25 para 21 anos de idade e a inclusão dos estrangeiros não aumentaram o número de eleitores aptos a escolher os dirigentes políticos no Brasil. Dos cerca de R$ 14 milhões de brasileiros à época da República Velha, apenas 5,6% participaram da eleição majoritária de 1894. O entrave para isso foi que a legislação barrava os analfabetos, exigindo que os votantes, ao requererem o título eleitoral, escrevessem de próprio punho seus dados pessoais.
Metade da população à época, as mulheres, não votavam. Tacitamente, “eleições eram coisa de homem”. Após a abolição da escravatura, em 1888, a população negra também se viu tolhida do voto, pois a alfabetização era privilégio de uma minoria branca, majoritariamente urbana. Para complicar, havia um desinteresse nacional pela política, uma vez que as fraudes do sistema eleitoral eram frequentemente ridicularizadas pela imprensa da época.
As fraudes começavam no alistamento eleitoral, seguiam pela votação, passando pela apuração e chegando à diplomação dos candidatos. No cerne desse problema está o “coronelismo”, como ficou conhecido o sistema de “voto de cabresto”, no qual a elite econômica direcionava os votantes nos grotões do país para os candidatos que o fazendeiro local apoiava. Mas não se resumia a isso, pois é desse período o fenômeno da “degola”, como ficou conhecido o procedimento da junta encarregada de diplomar candidatos eleitos recusar seus nomes, na última hora, alegando problemas documentais.
Até que a Justiça Eleitoral fosse criada décadas depois da Proclamação da República, o processo eleitoral era controlado por juntas organizadas no nível local. As Câmaras Municipais tiveram um papel fundamental nesse período, organizando o cadastro de candidatos para a Constituinte em 1890 e a criação das seções eleitorais em 1892. A Lei Rosa e Silva, em 1904, unificou o modelo de título eleitoral em todo o Brasil, mas foi só com a lei 3.139/1916 que o alistamento eleitoral passou ao Judiciário.
Legislação estadual
No Paraná, a Constituição Estadual de 1891 confirmou a obrigatoriedade de quatro anos para os municípios, ratificada depoisda pela Constituição Estadual de 1892. Esta norma avançou na regulamentação dos Legislativos, delegando a normas infraconstitucionais o número de membros das câmaras municipais, conforme a importância de cada cidade. Também estipulou que os “camaristas”, como foram chamados os vereadores, não conseguiram salário, mas poderiam atribuir uma atribuição ao prefeito eleito se assim desejassem.
A Constituição de 1892 reafirmava que todos os maiores de 21 anos que soubessem ler e escrever, desde que previamente alistados, poderiam participar das eleições. Era preciso morar há um ano no mesmo lugar para ter o direito ao alistamento. O texto anterior o “escrutínio secreto” dos votos, dizendo ao eleitor que ele poderia assinar o verso da cédula “quando assim o quiser fazer”. Já havia uma previsão legal de que nenhum eleitor poderia ser preso nos 45 dias anteriores ao pleito, exceto “o caso único de flagrante delito em crime inafiançável”.
Para ser camarista, havia exigências adicionais: morar há pelo menos dois anos no município, “estar no gozo dos direitos civis e políticos” e “não estar obrigado por dívida, contrato ou qualquer responsabilidade para com os cofres municipais”. Em tempo, na época, a lei dava às câmaras municipais o poder de, em petição assinada pela maioria delas, requerer à Assembleia Legislativa a reforma da Constituição Estadual.
Na Constituição Estadual de 1927, o processo eleitoral foi restrito, com garantia expressa do voto dos mendigos e da candidatura daqueles que não eram alistáveis às Forças Armadas. Os legisladores decidiram retirar o documento o regramento da organização municipal, fazendo constar apenas que os Municípios tivessem câmaras (“conselhos deliberantes”) e prefeito, cujas decisões poderiam ser revistas e anuladas pelo Congresso Estadual (Assembleia Legislativa), caso os deputados assim julgassem necessário . O presidente do Estado, por sua vez, também reservava-se o direito de indicar o prefeito, depondo o nome eleito, quando o Município fosse devedor do Estado, ou quando o Município estivesse em descontrole fiscal.
Por curiosidade, entre os deputados que aprovaram a Constituição de 1927, estava Pretextato Pennaforte Taborda Ribas, que tinha sido vereador de Curitiba nos anos seguintes, conforme o levantamento que divulgamos anteriormente. Ribas era o 1º secretário do Congresso Legislativo, que é um dos cargos mais importantes da gestão do órgão, logo abaixo do presidente. Nessa relação também é possível identificar o nome de José Pinto Rebello Júnior, provavelmente filho de José Pinto Rebello, um dos membros da Câmara Municipal de Curitiba por ocasião da Proclamação da República.
Nos 40 anos de República Velha, a cidade de Curitiba explodiu em número de habitantes, passando de 24.553 no censo de 1890 para 49.755 em 1900, 78.986 em 1920 e 140.656 em 1940. Nesse ínterim, acidade foi atingida pela pandemia da gripe espanhola, em 1918 ; sentindo uma grande seca em 1924 ; viu o ciclo econômico da erva-mate declinar, sendo substituído pela venda de madeira, apoiado na vinda de imigrantes para o trabalho braçal, para só depois o dinheiro do café fluir nas finanças regionais. Há uma boa descrição das ocupações dos vereadores, no final da República Velha, em reportagem histórica de João Cândido Martins sobre o contexto da criação do Paço Municipal, em 1916, que viria a sediar a CMC .
Câmara na História
A Câmara Municipal de Curitiba (CMC) conta as legislaturas a partir do ano de 1947, após o fim do Estado Novo, mas a verdade é que a trajetória da instituição começou muito antes, lá no Brasil Colonial, e segue pelo Império, pela República Velha e pela Era Vargas até chegar nos períodos democráticos, aterrissando na Nova República, fundada com o fim da ditadura militar. Na série de reportagens “Câmara na História”, a Diretoria de Comunicação Social avança no projeto Nossa Memória , resgatando as principais características do Legislativo e da própria cidade em cada um desses períodos.
A ideia é que a população possa ter um panorama de como a CMC e Curitiba nasceram e se transformaram juntas, lutando lado a lado, dentro da história do Brasil. Entre o fim de outubro e o dia 18 de novembro, serão publicadas sete reportagens especiais, às quintas e sextas-feiras. E também vai ter história rolando nas redes sociais da Câmara, de uma forma mais descontraída e acessível.
Iniciado em 2009, pela Diretoria de Comunicação Social, o Nossa Memória é um projeto de resgate e valorização da história da Câmara Municipal e de Curitiba, já que ambos se entrelaçam. Além das reportagens especiais , a página traz, por exemplo, “ Os Manuscritos ”, que reúnem documentos desde a fundação oficial da cidade, em 1693, e o “ Livro das Legislaturas ”, com os vereadores da capital paranaense desde 1947.
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Referências bibliográficas
GOULART, Mônica Helena Harrich Silva. O coronelismo e a transição republicana no Paraná. Anais… IX Simpósio Internacional Processo Civilizador: Tecnologia e Civilização, Ponta Grossa, 2005, 9 págs.
GOULART, Mônica Helena Harrich Silva. Classe dominante e jogo político na Assembleia Legislativa Paranaense (1889-1930). 609 f. Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2008
NICOLAU, Jairo. Eleições no Brasil, do Império aos dias atuais. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2012.
Reprodução do texto autorizada mediante citação da Câmara Municipal de Curitiba