Câmara na História: as três “primeiras” legislaturas da República
Marcada por revoluções, a interrupção (e recontagem) das legislaturas revela costumes e leis de cada época. (Arte: Emily Curbani/CMC)
Pode-se dizer que a Câmara Municipal de Curitiba (CMC) chegou à “maioridade” ao empossar a atual legislatura, no dia 1º de janeiro de 2021. Mas por que o Legislativo soma apenas 18 legislaturas? Afinal, se a instituição é a mais antiga da cidade, com 329 anos de história, e cada legislatura dura quatro anos, a conta não fecha. A explicação é que, como a Casa ficou fechada por dez anos, durante o Estado Novo (segundo período da Era Vargas), a contagem adotada atualmente começou em dezembro de 1947, com a redemocratização. Só que a República, antes disso, teve outras duas “primeiras” legislaturas.
Não existe um levantamento oficial do número de legislaturas em Curitiba desde o Período Colonial. Além das lacunas documentais, já que muita coisa se perdeu ao longo do tempo, foi só com o Regimento das Câmaras Municipais, lei editada por Dom Pedro I, em 1828, que o mandato passou a ser de quatro anos. Antes disso, as eleições dos “homens bons” chegaram a ser anuais, naquele sistema dos “pelouros” e “barretes”.
No entanto, se considerarmos as legislaturas iniciadas nos diferentes períodos republicanos, a CMC já estaria quase “trintando”. As atividades da Câmara de Curitiba, durante a República Contemporânea, não foram interrompidas sequer na Ditadura Militar e se reinventaram nos períodos mais críticos da pandemia da covid-19, adotando o formato online. Já entre a República Velha e a Era Vargas, o Legislativo foi fechado três vezes.
No dia 11 de dezembro de 1889, menos de um mês depois do levante militar que resultou na Proclamação da República, o governador provisório do Paraná, capitão de mar e guerra José Marques Guimarães, assinou o decreto 3/1889, dissolvendo a Câmara da capital. Em seu lugar, nomeou uma comissão. Sob a presidência de Vicente Machado, o grupo reuniu outros cidadãos ilustres daquela época, como Victor Ferreira do Amaral.
Higiene e saúde pública
Mais tarde, o órgão seria conhecido como Intendência Municipal e até chegaria a usar o nome de Câmara Municipal, mas mantinha a regra ainda da indicação, em vez da escolha pelo (ainda restrito) voto popular. Em dez anos, de acordo com o primeiro censo da República, a população da capital havia dobrado. Na contagem oficial de 1880, Curitiba tinha 24.553 moradores. Já na pesquisa feita em 1890, o número havia saltado para 49.755 habitantes. A métrica, para mensurar o tamanho da cidade, não seria mais a lotação dos ônibus biarticulados, já que a população superava a capacidade atual de estádios como a Arena da Baixada e o Couto Pereira, dos clubes Athetico Paranaense e Coritiba - espaços que podem receber, respectivamente, 42.372 e 40.502 torcedores.
Naquele período, uma das principais preocupações era com a manutenção da saúde pública. O “Dezenove de Dezembro”, por exemplo, ao escrever sobre a decisão do governo provisório, avaliou que os principais desafios que a comissão teria pela frente eram na saúde pública, “seriamente ameaçada” por uma epidemia de doenças como a varíola e a febre amarela. “O serviço da irrigação das ruas já se torna uma urgente necessidade em Curityba. Faça-se esse serviço ao menos nas ruas em que é maior o trânsito”, publicou.
Sob o título “Matança de cães”, o jornal citou, naquele ano, outro alerta. Segundo o artigo, era melhor que os fiscais da Intendência Municipal “deixassem em paz” os “cães vadios” da cidade, que conforme as posturas da época deviam ser mortos, a prosseguir com o método adotado com “tamanho descuido”. “Ontem vimos um menino apanhar do chão uma bola envenenada [destinada aos cães] que encontrara na rua. Imagine o perigo que correm as inexperientes e inocentes crianças”, relatou o “Dezenove de Dezembro”. “Até hoje, às 9 horas da manhã, estavam no Largo do General Osório e na rua do Mato Grosso [atual rua Comendador Araújo] cães mortos ontem, empestando o ambiente de modo insuportável.”
Em dezembro, “A Republica” publicou um protesto de moradores da região localizada no fim da rua do Imperador, atual Marechal Deodoro, então conhecida como largo do Moura. Segundo a carta, um terreno no prolongamento do logradouro, hoje localizado na região central de Curitiba, abrigava o “depósito do lixo da cidade”. O espaço, de onde sairia um cheiro “pestífero e insuportável”, seria de propriedade de um dos conselheiros nomeados pelo governo provisório.
Para “evitarmos a propagação de alguma peste nesta capital”, o inspetor de higiene, Trajano Reis, hoje nome de uma das ruas mais tradicionais do Centro Histórico de Curitiba, respondeu à reclamação. Aos conselheiros, determinou que exercessem “a mais rigorosa vigilância” sobre “lavanderias públicas, canos de esgoto, o mercado, o açougue, todas as casas que vendem gêneros alimentícios”. À população, o inspetor lembrou que o verão estava quase começando, “e que tudo se mostra favorável à invasão de alguma peste”.
“Peço à população que observe o mais escrupuloso asseio corporal”, observou Reis. Outra recomendação era “desinfectar as fezes dos doentes”. “Misturai-as com terra seca e incinerai-as”, afirmou. O inspetor reforçou a importância da vacinação contra varíola e lembrou que os casos de “lazarentos”, doença infecciosa e curável, atualmente conhecida como hanseníase ou mal de Lázaro, precisavam ser comunicados à inspetoria - a quem cabia, na época, determinar onde o paciente seria atendido.
A primeira das “primeiras” legislaturas
Curitiba só voltaria a eleger seus vereadores em setembro de 1892, já sob a Constituição do Império, que acabou com o voto censitário e ampliou um pouco o número de cidadãos aptos a votar – regras que o jornalista José Lázaro Jr. explica na reportagem anterior da série Câmara na História. “No dia 21, teremos grande batalha municipal. Povo, às urnas”, conclamou o novato “O Futuro”, jornal semanal, dirigido por Gabriel Martins Vaz, que publicava a terceira edição.
A comissão para alistar quem estaria apto a votar, na cidade de Curitiba, se reuniu, entre 1º e 15 de agosto, na sede na Câmara Municipal – à época, localizada na praça Tiradentes. Chefiado pelo novo presidente nomeado da comissão ou intendência, José Fernandes Loureiro, o grupo também era formado por juízes distritais e eleitores.
Dos cidadãos que se alistaram, 2.316 foram considerados aptos a votar e puderam retirar o título de eleitor na própria Câmara, do dia 15 de setembro em diante. Já que Curitiba, segundo o censo de 1890, tinha 49.755 moradores, o número de eleitores qualificados correspondeu a apenas 4,6% da população. Como o jornalista José Lázaro Jr. contou na reportagem anterior da série, não existia mais a exigência de renda mínima, por exemplo, mas o sistema ainda deixava de fora os analfabetos, os mendigos e outros grupos.
Uma vez que as brasileiras só conquistaram o direito ao voto com o Código Eleitoral de 1932, dois nomes, nos editais reproduzidos pelo jornal “A Republica”, chamam a atenção: Joannes Justes e Modesta Joseph. Teriam sido erro da tipografia? Ou eram nomes unissex (neutros)?
Na Constituinte, emendas para autorizar, por exemplo, o voto às mulheres com títulos científicos e professoras, “desde que não estivessem sob o poder marital nem paterno, bem como às que estivessem na posse de seus bens”, chegaram a ser discutidas, mas não foram aprovadas. A Carta de 1891, apesar disso, não proibiu o voto feminino de forma explícita, já que as mulheres não são citadas entre as pessoas que não podiam se alistar, como os mendigos e os analfabetos.
Para organizar o dia do pleito, Curitiba foi dividida em 18 seções, que agrupavam os moradores de cada região da cidade, que na época tinha cerca de 2,4 mil quarteirões. As duas primeiras seções, por exemplo, funcionaram no prédio da Câmara. As que tiveram o maior número de eleitores alistados – cada uma com 150 – foram a 4ª seção, no Teatro Hauer, e a 18ª, no Engenho São Lourenço do Pilarzinho.
As eleições foram realizadas em 21 de setembro de 1892, uma quarta-feira, às 9 horas. Na cédula, cada eleitor precisava indicar não apenas um, mas oito candidatos a vereador. Em cédulas separadas, também votava em um nome para prefeito de Curitiba e em três juízes distritais. Empossada no dia 24 do mesmo mês, a primeira legislatura da República Velha era formada por 12 camaristas, sendo que a maior parte era ligada ao Partido Republicano e exercia a profissão de negociante.
Eram eles: Adam Stachoweski, comerciante; Brasilino Moura, negociante; Guilherme Xavier de Miranda, proprietário; Francisco de Paula Moura Brito, negociante; Francisco Jeronymo Pereira Pinto Requião, farmacêutico; João Ferreira da Luz, proprietário; Jorge Hermano Meyer, médico; José Innocencio de França, industrial; Manoel Miró Junior, negociante; Modesto Polydoro, negociante; Pedro da Silva Arouca, negociante; e Victorino José Correia, industrial. Já o prefeito eleito foi o engenheiro Cândido de Abreu.
A legislatura daria sequência, por exemplo, ao debate de um antigo problema da Curitiba, sobre o qual os vereadores se debruçavam há mais de 200 anos: o abastecimento de água precário. Desde o Império, discutia-se a ampliação do número dos chafarizes públicos, que já não eram suficientes para as necessidades da população, além da implantação das redes de água encanada e de esgoto.
Em outubro de 1892, trecho da mensagem enviada pelo governador Francisco Xavier da Silva ao Congresso Legislativo do Paraná (hoje a Assembleia) chamava a atenção para o “sempre crescente aumento da população” da capital. “Não é de hoje que a Câmara Municipal cogita esse importante melhoramento, [mas] os seus esforços, demonstrados por contratos que celebrou, não têm produzido os desejados efeitos”, avaliou.
O debate de como tirar o projeto da água encanada do papel foi retomado pelos camaristas, mas não prosperou. A implantação do Sistema do Carvalho, em Piraquara, começaria apenas em 1905, durante a quarta legislatura da República Velha. As obras foram executadas sob a coordenação de Vicente Machado, já como governador do Paraná.
Entre maragatos e pica-paus
A primeira legislatura da Câmara Municipal de Curitiba, na República Velha, também atravessou a Revolução Federalista, movimento iniciado no Rio Grande do Sul, em fevereiro de 1893. De um lado estavam os federalistas (maragatos), que eram contrários à ascensão do Marechal Floriano Peixoto à presidência, após a renúncia do Marechal Deodoro. Já os republicanos (pica-paus, legalistas, castilhistas ou chimangos) defendiam o regime.
Com o objetivo de chegar à capital do país, o Rio de Janeiro, e tomar o poder, os maragatos avançaram inicialmente sobre Santa Catarina. Governador em exercício do Paraná, Vicente Machado já havia deixado Curitiba e transferido a capital para Castro quando as tropas chefiadas por Gumercindo Saraiva invadiram a cidade, em 20 de janeiro de 1894.
“Os federalistas tomaram conta do estado ordeiramente, sem cometer nenhum desacato”, elogiou o “Diário do Commercio”, na edição do dia 27 de janeiro. “A vitória da revolução, no Paraná, veio para provar o contrário que os amigos do governo do marechal espalhavam, afim de trazer a antipatia do povo”, citou. Em outro trecho da matéria, o jornal afirmou que “o Paraná recebeu de braços abertos a revolução porque compreendeu que o que ela quer é justamente o que nos faltava. A liberdade, a verdadeira República”.
O ervateiro e industrial Ildefonso Pereira Correia, o Barão do Serro Azul, presidiu a Comissão Central do Empréstimo. Com a justificativa de evitar o bombardeiro e outros danos à cidade, o grupo era responsável por arrecadar dinheiro para as forças revolucionárias. “É meu empenho como o vosso evitar violências à propriedade particular tanto quanto for possível na anormal situação que atravessamos. (...) Autorizo-vos a receber todas as contribuições lançadas como empréstimo e a nomear pessoas de vossa confiança para as comissões e demais serviços do empréstimo”, escreveu Saraiva a Correia, que no Brasil Império já havia sido presidente da CMC.
A imprensa local, durante a ocupação, mantinha a publicação dos editais da Câmara, informando, por exemplo, sobre os impostos que deveriam ser recolhidos. Na edição de 17 de maio, quando as tropas já haviam saído de Curitiba e Vicente Machado retomado o poder, “A Republica” criticou uma resolução, datada de 12 de março, da “ex-patriótica Câmara”. Os vereadores pretendiam batizar uma rua da cidade como Menezes Dória, nomeado chefe do governo pelos federalistas. “Impagável! Em honra dos saqueadores, em homenagem dos degoladores de paranaenses”, opinou o jornal.
Em reportagem do Nossa Memória, o jornalista João Cândido Martins narra a execução do Barão do Serro Azul. Considerados traidores da República, sob a acusação de terem colaborado com os invasores, ele e outras cinco pessoas foram fuziladas, em maio de 1894, às margens do km 65 da ferrovia Curitiba-Paranaguá, na Serra do Mar. A viúva, baronesa Maria José Correia, chegou a apontar Vicente Machado como o mandante dos assassinatos.
A crise dos (anos) 30
Quase 40 anos depois do conflito entre os maragatos e os pica-paus, a Revolução de 1930 foi o golpe final sobre a República Velha. Com o começo da Era Vargas, também chegou ao fim o primeiro ciclo de vereadores de Curitiba eleitos no regime pós-Monarquia, já na 10ª legislatura.
Nas décadas de 1910 e 1920, o sistema oligárquico, predominante no Brasil, em que os mesmos grupos e famílias se revezavam no poder, dava sinais de desgaste. Diversos movimentos eclodiram pelo país. Um deles, a Guerra do Contestado, que aconteceu na fronteira do Paraná e Santa Catarina, entre 1912 e 1916. O conflito foi causado pela desapropriação de uma faixa de terra de cerca de 30 quilômetros, entre os dois estados, para a construção de uma ferrovia entre São Paulo e Rio Grande do Sul.
Ao mesmo tempo em que desalojaram fazendeiros e camponeses, as obras atraíram um grande número de trabalhadores, que logo se viram desempregados e se uniram à população local. Inicialmente sob a liderança do falso monge José Maria, os rebeldes atribuíam os problemas sociais e econômicos à República. Com cerca de 10 mil mortos, a Guerra do Contestado foi combatida por tropas tanto do governo federal quanto do Paraná e Santa Catarina.
Entre 1912 e 1916, a Câmara de Curitiba estava na sétima legislatura da República Velha. Uma das discussões travadas pelos vereadores, visando à modernização da capital, foi para a implantação do sistema de bondes elétricos. O modelo, que em outras cidades brasileiras já era uma realidade, por aqui começou a circular em 1913, paralelamente aos veículos movidos por tração animal.
Para viabilizar o novo sistema, foi necessário aprovar leis para adequar o contrato com a empresa inglesa South Brazilian Railways e a desapropriação de terrenos para ampliar os trilhos dos bondes. A lei 315/1912, por exemplo, autorizou o prefeito da época, Joaquim Pereira de Macedo, a “desapropriar por utilidade pública” parte dos imóveis da rua Lourenço Pinto, entre as ruas da Misericórdia [atual André de Barros] e Pedro Ivo.
Diversos outros conflitos internos marcaram o período. Na Revolta de 1924, os tenentes se rebelaram, na cidade de São Paulo. No mesmo ano, a Coluna Prestes começou a percorrer o país. Mas o ponto alto da crise interna foram os reflexos da Grande Depressão, ocasionada pela quebra da Bolsa de Valores de Nova York, nos Estados Unidos, em outubro de 1929.
A economia de Curitiba, que tinha a exportação de erva-mate como principal atividade, seguida pelo beneficiamento de madeira, também sentiu os efeitos da crise. No decreto 33/1929, assinado, no dia 31 de dezembro, pelo prefeito Eurides da Cunha, “a crise que atravessa a país” é apontada como justificativa para suspender a cobrança do “imposto suburbano”, aprovada meses antes pelos vereadores.
A ideia era taxar os proprietários dos imóveis das regiões “suburbanas”, mais afastadas da área central, destinando os recursos para a execução de melhorias nesses locais. A lei 768/1929 inclusive previa uma cobrança maior aos terrenos sem edificações. Em 1930, o quadro urbano da capital totalizava 10 milhões de metros quadrados. Com a instabilidade política, o censo daquele ano não foi realizado. No entanto, a projeção era de 102.713 moradores, contra as 78.986 pessoas recenseadas uma década antes.
Na esfera nacional, a crise levou ao rompimento da chamada “política do café com leite”, em que as oligarquias paulistas e mineiras se revezavam no comando do país. O último presidente da República Velha, Washington Luís, o qual tinha o apoio do governador do Paraná, indicou como candidato oficial à sucessão o presidente de São Paulo, Júlio Prestes, invertendo a lógica de apoiar um mineiro.
Com bandeiras como o fim do “coronelismo” e do “voto de cabresto”, foi lançada a Aliança Liberal. O movimento, que reuniu lideranças de Minas, do Rio Grande do Sul e da Paraíba, lançou o gaúcho Getúlio Vargas ao governo federal. Como vice, o governador do Estado da Paraíba, João Pessoa. No Paraná, a revolução foi apoiada inicialmente por meio de uma articulação político-militar do major Plínio Alves Monteiro Tourinho.
Em março de 1930, a Aliança Liberal foi derrotada nas urnas. No entanto, Júlio Prestes, que obteve 59% dos votos, não chegou a assumir o mandato. O jornal paranaense “A Tarde”, na capa da edição de 24 de outubro, celebrou: “Vitoriosa a Revolução Nacional!”. A publicação ressaltava “a rebeldia admirável de três estados, somadas às vozes livres dos demais estados”. Era o golpe da Aliança Liberal que derrubou Washington Luís do cargo e conduziu Getúlio Vargas à chefia do governo provisório, em 3 de novembro. Essa é a data que marca o fim da República Velha e o início da Era Vargas (1930-1945).
O adeus na 10ª legislatura
“O Governo Provisório exercerá discricionariamente, em toda sua plenitude, as funções e atribuições, não só do Poder Executivo, como também do Poder Legislativo, até que, eleita a Assembléia Constituinte, estabeleça a reorganização constitucional do país”, estabeleceu o decreto 19.398/1930, de 11 de novembro. O ato de Vargas também confirmou “a dissolução do Congresso Nacional, das atuais Assembleias Legislativas dos Estados [quaisquer que sejam as suas denominações], Câmaras ou Assembleias municipais e quaisquer outros órgãos legislativos ou deliberativos existentes nos Estados, nos municípios, no Distrito Federal ou Território do Acre”.
Na prática, o decreto estadual 12/1930, de 7 de outubro, já havia dissolvido as câmaras municipais por aqui, justificando “o bem dos interesses gerais”. O curioso é que o ato de Mário Tourinho, governador provisório do Paraná, deixou de fora apenas a Câmara Municipal de Ponta Grossa. Só que a sobrevida foi de apenas um dia, quando o general reviu a decisão. Ponderando que a exceção havia sido “uma homenagem a sua altivez na defesa do interesse público”, ele decretou que, diante da “maior liberdade de ação do Poder Executivo”, não era necessário manter a Casa Legislativa.
A 10ª (e última) legislatura da Câmara de Curitiba, na República Velha, havia sido empossada no dia 21 de setembro de 1928, para o quadriênio que se encerraria dali a quatro anos, em 1932. Os camaristas, no entanto, tiveram o mandato abreviado como consequência da Revolução e deram adeus ao Legislativo. A última reunião foi realizada às 16 horas do dia 28 de maio de 1930, no Paço Municipal.
As atas revelam que oito vereadores compareceram à sessão: João Antônio Xavier (presidente), Affonso Augusto da Cunha, Constante de Sousa Pinto, Francisco Simas, Homero Ferreira do Amaral, Joaquim Augusto de Andrade, Olivo Carnasciali e Wenceslau Glaser. Conforme a documentação histórica, Agostinho Leão Junior, Gabriel Leão da Veiga, Joaquim Brasil Taborda Ribas e Jordão Mäder justificaram a ausência.
A última lei aprovada pelos vereadores, na sessão de 20 de maio, foi sancionada com o número de 789/1930, no começo de junho. A norma autorizava que o prefeito realizasse ajustes em algumas cláusulas do contrato firmado, quase dois anos antes, para o serviço de bondes e ônibus em Curitiba.
Com o novo regime, a edição de leis é substituída por atos e decretos assinados pelo prefeito Joaquim Pereira de Macedo. É o caso do ato de 23 de outubro de 1930, dispensando todos os funcionários do Legislativo de Curitiba. A exceção foi “o senhor João Octaviano Picheth, que fica responsável pelo Arquivo da Câmara [e] deverá tomar conta do Arquivo da Prefeitura”. No decreto 1/1930, Macedo dizia existir uma “petição assinada por representantes de todas as classes desta capital” para que a avenida Batel recebesse o nome de avenida Siqueira Campos, em homenagem “ao heroico soldado precursor da revolução reivindicadora dos direitos do povo brasileiro”.
A CMC só foi reaberta em dezembro de 1935, com a posse da primeira (e breve) legislatura da Era Vargas. Isto é, da segunda das "primeiras" legislaturas dos períodos republicanos. Mas esse é o tema da próxima parte da série "Câmara na História", na próxima quinta-feira (1º). A reportagem também vai falar sobre Código Eleitoral de 1932 e suas inovações, como o voto secreto e feminino, além da previsão da “máquina de votar”. Não perca!
** Confira AQUI as referências da pesquisa histórica.
Câmara na História
A Câmara Municipal de Curitiba (CMC) conta as legislaturas a partir do ano de 1947, após o fim do Estado Novo, mas a verdade é que a trajetória da instituição começou muito antes, lá no Brasil Colonial, e segue pelo Império, pela República Velha e pela Era Vargas até chegar nos períodos democráticos, aterrissando na Nova República, fundada com o fim da Ditadura Militar. Na série de reportagens “Câmara na História”, a Diretoria de Comunicação Social avança no projeto Nossa Memória, resgatando as principais características do Legislativo e da própria cidade em cada um desses períodos.
A ideia é que a população possa ter um panorama de como a CMC e Curitiba nasceram e se transformaram juntas, caminhando lado a lado, dentro da história do Brasil. Entre o fim de outubro e o dia 18 de novembro, serão publicadas sete reportagens especiais, às quintas e sextas-feiras. E também vai ter história rolando nas redes sociais da Câmara, de uma forma mais descontraída e acessível.
Iniciado em 2009, pela Diretoria de Comunicação Social, o Nossa Memória é um projeto de resgate e valorização da história da Câmara Municipal e de Curitiba, já que ambas se entrelaçam. Além das reportagens especiais, a página traz, por exemplo, “Os Manuscritos”, que reúnem documentos desde a fundação oficial da cidade, em 1693, e o “Livro das Legislaturas”, com os vereadores da capital paranaense desde 1947.
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