Câmara de Curitiba confirma cassação de vereador em segundo turno
População acompanhou a votação nas galerias e nas escadarias do Palácio Rio Branco. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)
Com a aprovação do projeto de resolução elaborado pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar (CEDP) da Câmara Municipal de Curitiba (CMC), em dois turnos, pela maioria absoluta dos vereadores, Renato Freitas (PT), nesta sexta-feira (5), teve o mandato cassado. O projeto de resolução (004.00003.2022) é a consolidação do entendimento do CEDP a respeito do Processo Ético Disciplinar 1/2022, em que prevaleceu o entendimento de que Freitas perturbou o culto religioso e realizou ato político dentro da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (502.00001.2022).
Hoje, no segundo turno, o placar foi de 23 a 7 votos pela cassação do mandato, com uma abstenção. Agora o projeto de resolução será promulgado pela Mesa Diretora da CMC e publicado no Diário Oficial do Município, passando a valer. Cumprida essa etapa, a Câmara de Curitiba, em novo ato formal, irá declarar vago o posto então ocupado por Freitas, abrindo o prazo de cinco dias úteis para a convocação de suplente do Partido dos Trabalhadores e, em ato contínuo, cinco dias para a posse.
Ontem e hoje, Renato Freitas e sua banca de advogados participaram das sessões de julgamento. Nesta sexta, com Freitas, estiveram os advogados Guilherme Gonçalves, Edson Abdala, Renata Desplanches, Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay) e Ney José de Freitas. A sessão foi acompanhada pelo presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Darci Frigo; por Gustavo Coutinho, vice-presidente da ABLGT; por Juarez Cirino dos Santos, renomado criminalista; por Angelo Vanhoni; por Dr. Rosinha; e pelo padre Luiz Haas, da Igreja do Rosário.
Votaram a favor do projeto de resolução: Alexandre Leprevost (Solidariedade), Amália Tortato (Novo), Beto Moraes (PSD), Denian Couto (Pode), Ezequias Barros (PMB), Flávia Francischini (União), Hernani (PSB), João da 5 Irmãos (União), Jornalista Márcio Barros (PSD), Leonidas Dias (Solidariedade), Marcelo Fachinello (PSC), Mauro Bobato (Pode), Mauro Ignácio (União), Noemia Rocha (MDB), Nori Seto (PP), Oscalino do Povo (PP), Sargento Tânia Guerreiro (União), Serginho do Posto (União), Sidnei Toaldo (Patriota), Tico Kuzma (Pros), Tito Zeglin (PDT), Toninho da Farmácia (União) e Zezinho Sabará (União).
Foram contrários à cassação: Carol Dartora (PT), Dalton Borba (PDT), Herivelto Oliveira (Cidadania), Marcos Vieira (PDT), Maria Letícia (PV), Professora Josete (PT) e Professor Euler (MDB). Salles do Fazendinha (DC) se absteve. Osias Moraes (Republicanos), Pastor Marciano Alves (Solidariedade), Pier Petruzziello (PP) e Éder Borges (PP), por serem autores de representações, e o próprio Freitas, por ser o representado no âmbito do PED 1/2022, foram declarados impedidos de votar. Diferentemente do que comumente acontece, o vereador que preside a Sessão Especial vota, por se tratar de uma das exceções previstas no artigo 144 do Regimento Interno da CMC.
A Sessão Especial de julgamento do PED 1/2022 foi transmitida ao vivo pelas redes sociais da CMC e pode ser conferida no canal do Legislativo no YouTube (veja aqui). Nas etapas de hoje abertas ao debate parlamentar, houve pronunciamentos, na seguinte ordem, dos vereadores Dalton Borba, Carol Dartora, Renato Freitas, Professora Josete, Mauro Ignácio, Ezequias Barros, Maria Leticia e Alexandre Leprevost, nos quais eles manifestaram opiniões sobre o teor do PED 1/2022, o prazo decadencial, o racismo estrutural em Curitiba, a violência contra a população negra, o antipetismo e sobre diferentes versões de como se deu a busca por opções de sanção no Conselho de Ética, que não a cassação. A íntegra das falas está disponível aqui.
Contestação do prazo
A defesa de Freitas reiterou, no início da sessão, o pedido de arquivamento do processo de cassação, por entender que a CMC deveria ter cumprido o prazo de 90 dias corridos contido no decreto-lei 201/1967. Desta vez formulado pelos advogados Edson Abdala e Guilherme Gonçalves, o pedido aventou que a continuidade do julgamento poderia incorrer em tipificações contidas na Lei de Abuso da Autoridade. Segundo a defesa, o prazo teria se exaurido no dia 25 de junho.
Em resposta, de acordo com o Regimento Interno, o presidente da CMC, Tico Kuzma, reafirmou que, no entendimento da Câmara, o prazo regimental é de 90 dias úteis e que por isso indeferiu a questão de ordem. Ontem, o presidente do Legislativo acrescentou que o uso subsidiário do decreto-lei 201/1967 ao Regimento Interno, e não o inverso, é o entendimento da CMC e que isso encontra eco nas decisões já proferidas pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR).
Com o aval de Carol Dartora, e em nome da parlamentar, a defesa fez um recurso da decisão do presidente, para que o arquivamento seja submetido ao plenário, nos termos dos artigos 135 e 136 do Regimento Interno. Isso significa que a sessão pôde transcorrer e, em paralelo, o presidente tem 48 horas para reavaliar sua decisão e, caso a mantenha, a Comissão de Constituição e Justiça terá 48 horas para dar parecer, o qual será então submetido ao plenário.
Defesa de Renato Freitas
Usando da palavra em plenário, o vereador Renato Freitas qualificou o processo contra ele, na Câmara de Curitiba, de “espetáculo persecutório”. “[Um processo] que não se fundamenta na legalidade e no interesse público, que encontra razões tão somente no preconceito, de origem social, por sermos pobres e representantes das ruazinhas de terra e das donas Marias, desesperadas e desempregadas, dos filhos sem pai, das comunidades sem esperança à mercê da violência. Seja por representarmos a população negra, que só entra nos espaços de poder pelas portas de serviço, para serem vistos como bode expiatório dos problemas do país”, disse.
“Aqui, incomodamos aqueles que há séculos estão acomodados no poder”, continuou Freitas. “Por ser cristão, entrei naquela igreja, do contrário não entraria. Ali é também minha casa, por isso me senti à vontade e acolhido. Nós, o povo, temos o dever ético de retirar o chicote da mão do inimigo, pois quem chicoteia a vida do próximo, embora não perceba, está desvalorizando a própria vida. A luta pacífica pela vida não pode ser considerada um crime, mas deveria ser um compromisso de todos nós”, disse.
Após lembrar que o Conselho de Ética afastou a tese da “invasão da igreja”, Freitas acusou o vereador Éder Borges de ter editado os vídeos da manifestação para dar a entender que houve invasão. “Discórdia gera engajamento”, lamentou. O representado traçou uma linha do tempo, começando antes da posse, quando participou de um ato antirracista em 2020, no Carrefour do Parolin, passando pela primeira representação contra ele no Conselho de Ética em 2021, em um episódio envolvendo a expressão “pastores trambiqueiros” e a divulgação de ivermectina para tratamento da covid-19. “A primeira vez que tentaram me cassar tem uma ligação direta com essa”, posicionou-se, também criticando a mídia, que chamou de “sensacionalista”.
“Jesus bate no coração do povo e o povo encontra abrigo em Jesus, sobretudo o povo que padece e clama por suas vidas. Estávamos na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos com esse mesmo motivo. A luta por liberdade e pela vida é desde sempre uma luta política e, hoje, pasmem, ficou comprovado nos autos que não houve invasão, nem interrupção, nem desrespeito ao sagrado. A acusação que ficou é que eu pratiquei ato político dentro da igreja. É inconcebível essa acusação, mas talvez porque não resta nenhuma outra, os meus perseguidores se ancoram nela”, expôs Freitas.
O vereador dirigiu boa parte do seu tempo a contar a história de Quintino Correia, imigrante de Guiné-Bissau, que faleceu em Curitiba em decorrência de uma agressão não elucidada pela Polícia Civil. “Nenhuma mídia noticiou os tiros que ele tomou”, disse Renato Freitas. “Seus amigos africanos foram até a Delegacia de Homicídios, já que existem câmeras em Curitiba, e tiveram a resposta de que não era possível, pois não tinha agente de investigação suficiente, e depois de um mês as imagens tinham sido deletadas. Ninguém até hoje soube quem atirou em Quintino”, relatou.
“Quintino esteve na manifestação [que motivou o PED 1/2022], para dizer que sua vida importava. Ele, em decorrência dos ferimentos, morreu dias depois de ter gravado um vídeo sobre a importância dessa manifestação”, disse Renato Freitas. “Não podemos ficar na mão de vocês, pessoas brancas, detentoras do poder. Pedimos um pouco de compreensão, para que vocês nos entendam e nos respeitem, porque viemos e viemos para ficar”, afirmou, dentro do tempo que tinha para a sua defesa.
Advogados de defesa
“Saindo de casa para encontrar os doutores Guilherme e Kakay, do Alto da XV ao Batel, eu contei 30 pessoas [em situação de rua]. E a Câmara quer cassar o vereador Renato Freitas por defender vidas negras dentro de uma igreja? Nós precisamos que vocês não exponham a Câmara a esse vexame internacional, de serem os primeiros a cassar um vereador negro em Curitiba. Precisamos que essas pessoas desvalidas que eu encontrei na rua tenham voz aqui dentro. Não há mal em defender os interesses econômicos, mas não há mal também em defender os oprimidos”, disse Edson Abdala, dirigindo-se aos vereadores.
Na sua vez, Guilherme Gonçalves afirmou que “o que está hoje em discussão aqui é exatamente o exercício do mandato popular, do mandato parlamentar". “A grande tragédia do chicote é que ele muda de mãos. Temos dois anos para a eleição de 2024”, continuou, queixando-se de que esse julgamento pelos pares tira Renato Freitas da vida política por 10 anos, se não houver fato jurídico novo. “O sujeito vai na igreja, entra sem invadir, o padre que estava lá [no dia] hoje está aqui e já foi lá abraçá-lo [hoje]. Os agredidos vêm pedir perdão ao suposto agressor e vocês vão condená-lo?”, perguntou.
“Nós, que brigamos tanto tempo contra a criminalização da política, agora a teremos sendo feita pelos próprios [políticos]. É claro que a cassação é um processo político, tanto que o voto não precisa ser fundamentado. Ao votar [no decreto legislativo], vocês deixam de ser vereadores e por um segundo são juízes, e juízes não podem dar uma pena além daquilo que acha ser merecido”, argumentou Kakay. Dizendo que o Brasil vive momentos de extrema instabilidade, na qual a democracia é preservada pelo Judiciário e pelo Congresso, ele anunciou que o caso será levado às Cortes Internacionais e, em setembro, ao Papa Francisco.
Memória da CMC
Não há um levantamento abrangente sobre os casos de perda de mandato dos vereadores de Curitiba desde o fim do Estado Novo, quando começaram a ser contadas as legislaturas, mas com base na pesquisa realizada por Luciane de Fátima Pereira, servidora aposentada da CMC, que resultou no livro Legislaturas Municipais de 1947 a 2020, houve pelo menos um caso de cassação pelo plenário nos últimos 75 anos.
No dia 19 de agosto de 1964, o ex-vereador Rosalino Mazziotti (PDC) foi afastado do mandato pelos seus pares, após ser acusado de “difamar o Legislativo” em entrevista à imprensa local. Ele recuperou o mandato judicialmente, oito meses depois, em março de 1965. Outros seis vereadores perderam seus mandatos no período, mas por decisão da Justiça Eleitoral, no geral por infidelidade partidária, após mudarem de legenda durante o mandato.
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