Câmara de Curitiba aprova moção de repúdio a dois conselhos de Londrina

por José Lázaro Jr. — publicado 14/09/2021 17h35, última modificação 14/09/2021 17h35
Conselho Municipal de Direitos da Mulher e Conselho Municipal de Igualdade Racial de Londrina foram acusados por Eder Borges de atacar vereador da cidade.
Câmara de Curitiba aprova moção de repúdio a dois conselhos de Londrina

Em razão da pandemia, as sessões da CMC são híbridas, com presencial e videoconferência. Na foto, Eder Borges. (Foto: Carlos Costa/CMC)

Por 17 a 9 votos, a Câmara Municipal de Curitiba aprovou, nesta terça-feira (14), uma moção de protesto contra dois conselhos municipais de Londrina. Autor da proposição, Eder Borges (PSD) defende que o Conselho Municipal de Direitos da Mulher e o Conselho Municipal de Igualdade Racial estariam atacando a liberdade de expressão do vereador londrinense Santão (PSC). A discussão em plenário durou duas horas e está disponível no YouTube (confira aqui). 

A moção submetida ao plenário (403.00011.2021) justifica textualmente “a moção de repúdio e protesto” contra os conselhos em razão dos “constantes ataques direcionados ao vereador londrinense Claudinei Pereira dos Santos (Santão), em virtude deste se posicionar contrário à ideologia de gênero, bem como, contra campanhas que pretendem o uso equivocado da Língua Portuguesa, consistente no uso da denominada ‘linguagem neutra’ ou ‘dialeto não binário’”. 

Desde a legislatura passada, deixou-se de usar formalmente, no Sistema de Proposições Legislativas (SPL), a categoria “moção de repúdio”, que foi substituída por “moção de protesto”, mas ela ainda é utilizada pelos parlamentares. Foi assim, por exemplo, neste ano, na moção contra o DJ Ivis por violência contra a mulher e na anterior, de repúdio a Roberto Jefferson por ataques à democracia. Por se tratar de votação simbólica, não há relação nominal de quem apoiou, ou não, a medida – a não ser os registros verbais durante o debate.

O objeto da moção aprovada em Curitiba foi uma nota pública de repúdio dos conselhos municipais, de 17 de agosto deste ano, sobre o que classificaram como “atitude racista, sexista e lgbtqiafóbica” do vereador Santão, contra Maria de Fátima Beraldo, do Conselho Municipal de Igualdade Racial, durante sessão alusiva ao Dia do Combate ao Feminicídio na Câmara de Londrina. 

“Santão a humilhou publicamente quando, com um tom pejorativo, lgbtqiafóbico, fez chacota da inflexão de gênero adotada pela convidada para cumprimentar os presentes”, disse a nota, lida, em parte, no plenário da CMC, por Eder Borges. Ele também destacou trecho em que o CMDM critica Santão por, além de ter feito piada em plenário, levar o deboche para as redes sociais em “um vídeo editado”. 

Para o Conselho, a forma como a crítica ao gênero neutro foi feita por Santão “foi uma explícita violência de gênero, expressa pelo constrangimento, pela intimidação e pela desqualificação da fala das mulheres, mecanismos comumente usados pelo comportamento misógino e racista para silenciar as mulheres negras”. Eder Borges defendeu que não se tratou de racismo, pois o parlamentar londrinense apenas teria criticado o uso da expressão “todes”.

A fala de Santão no plenário de Londrina também foi lida na CMC. “Para finalizar, a dona Fátima ao iniciar a palavra dela, ela cumprimentou os todes. Ela falou boa tarde aos todes. Eu até que estranhei isso porque nunca vi uma pessoa cumprimentar um achocolatado, mas talvez seja uma questão de cultura. Eu vou me despedir dizendo boa tarde aos todes, nescaus ou nescais, até não sei se existe plural de achocolatado – e aos leites ninhos, aos cafés e chás, aos derivados de leite e achocolatados”, disse o vereador londrinense.

“A moção não é contra a opinião, é contra a banalização do racismo. Ele [Santão] ironizou esse ‘todes’ e foi chamado de racista. Não chamem seus conterrâneos de racistas”, afirmou Borges. Na Câmara de Curitiba, ele disse que era uma piada engraçada e as pessoas deveriam “cuidar com as proporções dos comentários”. “Se eu falo que ‘todes’ me estoura o tímpano estou sendo racista? Banalizou-se a questão do racismo e isso induz a violência”, continuou. 

“Quando esse vitimismo passa a acusar pessoas de crimes, de forma banal, isso não pode ser aceito. Eu não respeito a palavra todes, não respeito e não preciso respeitar. Isso não existe. É uma maluquice ideológica e não respeito mesmo”, afirmou Eder Borges, após a contagem dos votos. Antes, ele havia feito um paralelo da situação em Londrina com outras, vividas em Curitiba, listando vereadores da capital que foram chamados de racistas pelo movimento negro.

Contrários à moção
Em plenário, Maria Leticia (PV), Professora Josete (PT), Dalton Borba (PDT) e Carol Dartora (PT) se posicionaram contra a moção de repúdio aos dois conselhos de direitos de Londrina. “Por que a Câmara Municipal Curitiba votaria desagravo a outra cidade? A Constituição de 1988 trouxe muitos avanços nos direitos sociais, criando instrumentos de manifestação popular, como os conselhos. Seria um desrespeito votar moção contra o Conselho. Eles têm direito de fazer manifestação, está dentro do escopo das suas atribuições”, defendeu Maria Leticia.

Criticando os colegas por não terem sido tão enfáticos na sua defesa, quando foi chamado de “nazista” por propor o certificado de vacinação (leia mais), Dalton Borba declarou-se “totalmente contra essa moção de repúdio” e pediu que a CMC envie, com o documento, as notas taquigráficas da sessão, nas quais registra sua opinião. “Quando um vereador faz chacota de uma categoria social, anda na contramão da humanidade. E me espanta um requerimento pedindo repúdio a um Conselho de Direitos da Mulher. É inaceitável. A discussão tomou proporção para além dos limites que o requerimento comporta”, disse. “São essas brincadeiras que mantêm a cultura segregacionista viva”.

“Se não foi racista, [Santão] foi lgbtfóbico”, afirmou Josete. “Hoje, é muito comum usar a expressão ‘todes’, [para os] que não estão no padrão. Ela utilizou, e esse vereador, bastante desqualificado e preconceituoso, fez comentários absurdos a partir da fala dela. Vivemos um momento de radicalização de posições. Na maioria das vezes, é muito emocional, você não trabalha com a razão. Isso é muito perigoso. A população elegeu Jair Bolsonaro, com posicionamento de pesar negros em arrobas, que é uma atitude racista”, lembrou.

“Se uma linguagem ofende uma parcela significativa da população, tem que mudar, sim”, afirmou Carol Dartora. “[Essa discussão] exige conhecimento, exige leitura. A população branca, por viver numa bolha, desconhece a realidade social das pessoas negras. Continuar reproduzindo o racismo estrutural é prática racista e não significa que estou acusando individualmente alguém de racista, significa que estou denunciando uma prática que reproduz esse sistema de opressão que é o racismo”.

"Invasão" dos gabinetes
No início da sessão, Eder Borges disse que seu gabinete, ontem (13), foi invadido por quatro pessoas. Que elas entraram filmando, “intimidando a minha assessoria”, “acusando vereadores de serem racistas” e que duas delas seriam assessoras da vereadora Carol Dartora. Disse que não aceitaria ser chamado de racista, que o grupo entrou em outros gabinetes e citou agressões desse tipo, nas redes sociais, contra Amália Tortato (Novo) e Marcelo Fachinello (PSC). “Se filmam meu assessor e amanhã, na rua, ele apanha por passar de racista, como é que fica?”, disse.

A situação na Câmara de Curitiba, a partir disso, tomou mais tempo do debate que a discussão do caso em Londrina, com os vereadores tratando os assuntos de forma correlata. “Os meus assessores são negros, mas dizer que porque eles são negros eles estavam invadindo o gabinete? Não tinha nenhum assessor do meu gabinete no corredor e entrando em gabinete. Se essa acusação continuar sendo feita, vai rolar um processo por calúnia e difamação. Tem foto, tem tudo”, rebateu Carol Dartora.

“Eu não orientei o movimento negro a invadir nenhum gabinete, isso não é verdade. O movimento negro tem o direito de frequentar essa Casa, como qualquer outro. Não existe crime nisso. Qual é o problema do movimento negro entrar aqui? Eles vieram e precisam continuar vindo. Enquanto eu estiver aqui, vão ter que me ouvir falar de raça, de racismo”, continuou Dartora, primeira vereadora negra da história da CMC.

Houve uma manifestação sobre a ida do movimento negro nos gabinetes da parte de Denian Couto (Pode). “Ninguém entra na CMC se não informar aonde vai. Então se quisermos apurar, basta consultar a segurança da Câmara. Teve ‘invasão’? Para que possam ter havido, passaram pela porta e foram onde inicialmente? Quem deu acesso?”, disse, somando-se a Borges na opinião que “chamar alguém de racista é crime”.

A situação foi rapidamente esclarecida pela Mesa Diretora, que no final da sessão confirmou que visitantes do Movimento das Mulheres Negras visitaram a CMC na véspera, direcionando-se primeiro ao gabinete da vereadora Carol Dartora, e depois indo aos demais. “Temos uma portaria que obriga o visitante a informar qual local pretende visitar e um memorando, de 2018, autorizando a entidades visitarem dois ou mais gabinetes”, explicou Tico Kuzma (Pros), presidente da CMC. Ele informou que a Diretoria de Segurança constatou as visitantes, que alteraram o status da visita. “As entidades que vêm visitar têm livre acesso, desde que digam que vão visitar os gabinetes”.

No meio dessas discussões concorrentes, vereadores até expressaram dúvida ante a moção de repúdio, mas acabaram concordando com a proposta. “Não sei até que ponto podemos fazer esse desagravo. Mas até quando vamos ver um grupo mudando a linguagem e ter que aceitar? Com todos e todas, não precisa mais nada”, disse Ezequias Barros (PMB). “Eu iria votar contrário à moção”, começou Osias Moraes (Republicanos), para depois dizer que “na CCJ já fomos acusados de racistas e machistas e não podemos banalizar isso”.

Fonte Emerenciana e Cotas
O tópico relacionado à CCJ foi o voto de pelo arquivamento de projeto de Dartora que denominava de Emerenciana Cardoso Neves a fonte de água localizada na praça José Borges de Macedo (008.00005.2021). Ele pontuou que, conforme foi informado pelo Executivo, um bem público não pode ter duas denominações - aquele conjunto já tem uma denominação própria, não sendo previsto o desmembramento - logo o correto seria um projeto que alterasse a denominação existente.

“A CCJ é absolutamente técnica, não é racista”, rebateu Fachinello. Ele lembrou que, com base nos dados que tinha, da Prefeitura de Curitiba, o bem já estava denominado. Que soube da discordância do mandato da autora sobre esse documento e procurou novamente o Departamento de Parques e Praças, que ainda não respondeu. “Não tenho compromisso com o erro. Tenho compromisso com o diálogo”, afirmou. Para Pier Petruzziello (PTB), “é fato que estamos vivendo um problema na Câmara [com as acusações dos vereadores serem racistas conforme se posicionem em determinados projetos]”.

“É como se eu, por conta da minha amputação do braço esquerdo, dissesse que um projeto meu foi arquivado porque sou pessoa com deficiência. Está errado. A reivindicação contra o racismo é legítima e todos tem que ajudar a vereadora Carol a combatê-lo. A forma como se está dando é que está equivocada. Não podemos aceitar que invadam gabinetes por conta de um projeto. O arquivamento se dá numa questão constitucional”, disse Petruzziello.

Citada na discussão, Amália Tortato, que apresentou um substitutivo ao projeto de cotas raciais (005.00033.2021), também discordou da forma como o movimento negro tem reagido às decisões da CMC. “O mesmo aconteceu comigo quando eu propus uma nova visão para a questão do racismo, uma nova abordagem para que em vez do critério racial fosse usado um critério social para a questão das cotas no Município”, contextualizou. 

“Racismo precisa ser combatido e não deve ser tolerado por nenhum de nós. Mas essa abordagem não agrega, não traz ninguém para a luta. As pessoas têm medo de falar qualquer coisa, discordando de uma vírgula, e serem tachadas de racistas. Ninguém aqui é racista. Todos querem lutar contra o racismo, mas não existe apenas uma via”, defendeu a vereadora. O substitutivo geral foi criticado em audiência pública (leia mais) e Petruzziello adiantou haver negociação em curso para a aprovação do texto original.

No debate, Carol Dartora buscou diferenciar acusações de casos concretos de racismo da denúncia dos efeitos de uma cultura racista nas decisões gerais. A tese foi recusada por Denian Couto, para quem “não existe chamar de racista por via transversa”. “Todos temos o compromisso de enfrentar a desigualdade racial, de promovermos políticas públicas pela inclusão e de corrigirmos, da maneira que for possível, e que esteja ao nosso alcance, um prejuízo histórico incontornável. Há possibilidade de remediá-lo, mas não de resolvê-lo. Quando aprova [as cotas na CCJ], está OK. Quando não aprova [a denominação] é racista?”, questionou.

“Estamos aqui em maioria branca. Cada um dentro de si precisa fazer uma reavaliação [da questão do racismo]. Efetivamente temos uma questão estrutural e cultural a ver. Começamos em um tema e fomos para outro”, disse, ao final da sessão, Maria Leticia. “Todos temos traços de preconceito, mas há uma diferença entre isso e de fato ser racista. Defender isso com consciência. Alguns, lógico, podem dizer que são conscientes de serem racistas, lgbtfóbicos. Quando eu era pequena não entendia isso, depois fui entender”, ponderou Josete.