Câmara apoia resolução do Conselho de Medicina sobre pré-aborto
“Fala-se do aborto [legal] de mulheres que foram estupradas. Mas a criança a partir de 22 semanas também tem seu direito. Ela está formada, todos os seus órgãos estão formados”, disse Ezequias Barros. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)
Depois de ter sua votação adiada, na semana passada, devido ao fim do tempo regimental da sessão plenária, foi aprovado, nesta segunda-feira (22), o requerimento de moção de apoio à resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proíbe os médicos de realizarem a chamada assistolia fetal, quando houver a possibilidade de sobrevida de um bebê após 22 semanas de gestão. O documento, que deverá ser encaminhado pela Câmara Municipal de Curitiba (CMC) ao órgão, foi aprovado em votação simbólica na segunda parte da ordem do dia, com apenas quatro votos contrários.
A chamada assistolia fetal consiste na morte do feto, via administração de drogas no coração do feto. Já morto, ele é retirado do corpo da mulher. “É vedada ao médico a realização do procedimento de assistolia fetal, ato médico que ocasiona o feticídio, previamente aos procedimentos de interrupção da gravidez nos casos de aborto previsto em lei, ou seja, feto oriundo de estupro, quando houver probabilidade de sobrevida do feto em idade gestacional acima de 22 semanas”, diz a resolução 2.378/2024.
A moção em apoio à decisão do CFM sobre o pré-aborto foi protocolada por Ezequias Barros (PRD) e tem a assinatura de mais 15 vereadores (416.00006.2024). O debate em torno do aborto após as 22 semanas de gestão começou na última quarta-feira (17), foi interrompido devido ao final do tempo regimental daquela sessão, e só terminou nesta segunda-feira. Foram mais de 2 horas de discussão, em que 12 parlamentares (dos quais seis são vereadoras) colocaram seus pontos de vista sobre a resolução – que foi suspensa no dia 18 de abril, quinta-feira passada, pela Justiça Federal de Porto Alegre (RS).
Na moção, os parlamentares de Curitiba explicam que existem várias razões pelas quais os médicos induzem a morte fetal antes do aborto, incluindo medo de retaliação legal; conforto do paciente; para evitar a sobrevivência fetal transitória após indução médica; e evitar o parto fora do hospital com sinais de vida. Além de Ezequias Barros, também são coautores da moção de apoio Beto Moraes (PSD), Bruno Pessuti (Pode), Eder Borges (PL), Hernani (Republicanos), Indiara Barbosa (Novo), Jornalista Márcio Barros (PSD), Mauro Bobato (PP), Noemia Rocha (MDB), Osias Moraes (PRTB), Pastor Marciano Alves (Republicanos), Pier Petruzziello (PP), Rodrigo Reis (PL), Sabino Picolo (PSD), Sargento Tânia Guerreiro (Pode) e Sidnei Toaldo (PRTB).
Conforme a justificativa da moção de apoio, o procedimento, “que gera o feticídio”, é o ato médico que provoca óbito de feto antes da interrupção da gravidez, induzida por administração de drogas no bebê. “Diante do fato inegável de uma vida humana viável poder ser terminada de forma irreversível e diante do fato de que o conceito de vida humana é objetivamente estabelecido por meio da embriologia, optar pela atitude irreversível de sentenciar ao término uma vida humana potencialmente viável fere princípios basilares da medicina e da vida em sociedade”, diz o documento.
“Diferentes fármacos têm sido empregados para induzir a morte fetal, [...] evidências de estudos demonstram taxas de sucesso no objetivo de provocar assistolia fetal de 93% a 100%. O procedimento geralmente é seguro; no entanto, as complicações podem incluir infecção materna, internação hospitalar e nascimento com vida em situações não planejadas”, completa a justificativa.
Debate pró-vida mobilizou autores em defesa da resolução do CFM
Dos 15 vereadores que assinam o requerimento, sete debateram a matéria, declarando apoio à decisão do Conselho Federal de Medicina, em proibir a assistolia fetal. A discussão daqueles que autodeclararam pró-vida começou com Ezequias Barros, que analisou que, apesar da resolução não ter “força de lei”, é um “ato administrativo que deve ser seguido por toda a categoria médica”.
“A criança a partir de 22 semanas pode sobreviver.[…] Fala-se do aborto [legal] de mulheres que foram estupradas. Mas a criança a partir de 22 semanas também tem seu direito. Ela está formada, todos os seus órgãos estão formados. Por isso, em defesa da vida, em defesa da criança [apoiamos a resolução]. Porque parece que alguns são filhos de proveta, ou de chocadeira. Pena que a mãe desta pessoa que luta pelo aborto indiscriminado no Brasil, não abortou ela”, afirmou o parlamentar.
Como argumento favorável à moção, Osias Moraes citou diversos estudos internacionais que apontam que o aborto agrava a saúde da mulher, causando diversos problemas, como hemorragia, doenças inflamatórias, infecções, lesões uterinas, infertilidade, prematuridade em gestações futuras, problemas mentais, depressão, transtorno de ansiedade e abuso de álcool. “Que benefício, de fato, traz o aborto? […] Quando vamos falar do aborto, normalmente a gente já tira a criança do discurso. O feto não interessa. O que interessa é a saúde da mulher. E aí o discurso fica difícil, por que quem vai defender aquela criança que não tem voz? Quem vai defender o feto? Somos nós”, declarou.
Das sete vereadoras da Câmara Municipal, três assinaram a moção de apoio, e se manifestaram em plenário durante o debate.“É um movimento de várias câmaras municipais, do Brasil todo, para demonstrar o apoio da população brasileira contra o aborto, e a favor da vida. […] A resolução fala dos casos de estágios avançados de gravidez, acima de 22 semanas, que é mais da metade da gravidez. Você já tem um bebê formado, com coração batendo. A gente não é irresponsável de julgar uma mulher que sofreu um crime de estupro. E, sim, estamos falando de um bebê que está formado”, disse Indiara Barbosa. Na visão dela, a gestação não precisa ser interrompida, porque a mãe pode dar a criança para a adoção.
“Somente Deus tem o poder de dar e tirar a vida”, afirmou Noemia Rocha, ao atestar ser pró-vida “desde a concepção da criança”. Segundo ela, 22 semanas significa “cinco meses e três semanas”. “Esta criança está totalmente formada. E eu penso que o CFM, vivenciando esta questão, [sabendo da] crueldade deste aborto, entendeu que a partir da 22ª semana, não se faz mais o aborto. Esta menina que foi estuprada, e nós respeitamos a decisão do aborto, que o faça no primeiro mês, no segundo mês, mas não espere cinco meses para tomar uma atitude como esta. A vítima de estupro também tem o direito de ter este filho, mesmo que [ela] seja uma adolescente. Mas que ela possa dar a vida a esta criança, mesmo que não queira cuidar.”
Para Tânia Guerreiro, a mulher que engravida não tem direito a abortar, “isto é assassinato”. Sobre casos envolvendo menores de idade que são violentadas e que acabam engravidando, a parlamentar se posicionou favorável ao aumento da pena para crimes de pedofilia. “Nós temos que começar a punir o pedófilo com pena de 30 anos, sem saidinha". “90% das mães de crianças abusadas, esposas de pedófilos, mães de pedófilos são coniventes. E isto, te digo de cadeira. Eu dediquei a minha vida a isto. Eu defendo a família, defendo a criança, defendo a vida. Temos que combater, sim, o aborto. E temos que punir o pedófilo, porque a vítima de pedofilia é um morto sem túmulo.”
A visão de vereadoras contrárias à moção de apoio
Do outro lado da discussão, três vereadoras se posicionaram contrárias à resolução do Conselho Federal de Medicina. “Estamos falando de violência, de abuso sexual, de estupro. […] A cada 15 minutos uma criança sofre violência sexual no Brasil. Em todo o país, 51% dos casos de violência sexual são praticados em crianças de 0 a 5 anos. Em 2020, 60% das vítimas tinham menos de 13 anos”, disse Giorgia Prates – Mandata Preta (PT). Para a parlamentar, não há o debate sobre os estupradores, sobre o papel do homem que faz mal a uma criança.
“A criança não engravida sozinha, a mulher não engravida sozinha. Há a violência, há o estupro. São corpos que foram violentados, de crianças que foram estupradas, e estamos decidindo por elas qual pode ser o encaminhamento que elas vão dar a isto [à gravidez fruto do estupro]. […] Nós estamos falando de corpos de crianças que não estão preparados para aguentar uma gestação. Não dá para tratar disso de uma forma banal”, completou a vereadora, observando que a resolução é “inconstitucional”.
“A partir do momento em que o CFM diz que o limite para fazer o aborto legal é de 22 semanas, nós vamos obrigá-las a parir uma criança que é fruto de uma violência?”, perguntou Professora Josete (PT). Para ela, é preciso que vereadores e vereadoras se coloquem no lugar desta mulher que sofreu a violência sexual e engravidou. “Ela vai ser punida duas vezes: a primeira em relação a sofrer um ato de violência, e a segunda é ser obrigada a gerar uma criança que é fruto de uma ação bárbara contra esta mulher. Não é à toa o pedido do Ministério Público Federal que garantiu a suspensão da resolução, no sentido também de fazer com que a legislação seja cumprida.”
Médica ginecologista e obstetra, Maria Leticia (PV) finalizou os argumentos contrários à moção de apoio reafirmando que o requerimento perdeu seu objeto, a partir da decisão da Justiça Federal, que suspendeu a resolução. “Estamos discutindo a interrupção do aborto, que não é um método contraceptivo. Outras questões também causam o aborto: doença causa o aborto; fome causa aborto; o descaso com a saúde causa aborto. É uma questão sobre a qual já existe lei. A gente deveria estar preocupado, como legisladores, a nos anteciparmos a esta questão. Vamos passar a cuidar da nossa população, com este olhar preventivo. Não adianta a gente discutir o aborto, depois que a gestação já aconteceu e já está inviabilizada por uma coisa ou outra, e me refiro às doenças de saúde que causam o aborto. Porque não tratamos o aborto pensando nisto?”, refletiu.
Com a aprovação da moção, um ofício será encaminhado pela Câmara de Curitiba ao Conselho Federal de Medicina, declarando apoio à resolução 2.378/2024. Além dos vereadores e vereadoras já nominados, também participaram da discussão, declarando apoio ao requerimento, Eder Borges, Mauro Ignácio (PSD) e Rodrigo Reis.
O que são as moções protocoladas na Câmara de Curitiba?
O Regimento Interno da CMC prevê esse instrumento para que os parlamentares possam formalizar decisões colegiadas, tomadas pela maioria dos seus membros, a respeito de fatos públicos que julguem relevantes. Levadas à discussão na segunda parte da Ordem do Dia, as moções são enquadradas regimentalmente como requerimentos, bastando a maioria simples, em votação simbólica, para serem declaradas aprovadas pela Câmara de Vereadores.As que são aprovadas podem ser convertidas em ofícios, que são encaminhados pelo Legislativo às pessoas ou instituições citadas, ou apenas publicizadas pela CMC, como apoio a uma causa de interesse público.
No ano passado, os vereadores aprovaram 28 moções, sendo 6 de protesto e 22 de apoio ou desagravo.
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