CMC apoia moção para que o hip hop seja patrimônio imaterial
A coauatora Giorgia Prates – Mandata Preta disse que “olhar para o hip hop hoje é olhar para a periferia”. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)
Nesta terça-feira (25), a Câmara Municipal de Curitiba (CMC) apoiou uma moção de apoio para que o Governo do Estado reconheça o hip hop como patrimônio imaterial do Paraná. A votação foi simbólica, com apenas Eder Borges (PP) se posicionando contra o requerimento, assinado por diversos parlamentares (416.00004.2023). A justificativa é que o reconhecimento permitirá “sua preservação, difusão e promoção, além de garantir o acesso ao hip hop como uma forma de expressão cultural e artística”.
“É uma manifestação cultural que surgiu na década de 1970, nos Estados Unidos, e se disseminou pelo mundo, chegando ao Brasil nos anos 1980. No Paraná, o hip hop é uma importante expressão artística que representa a cultura e a identidade da juventude urbana”, cita a proposição. “O hip hop é uma cultura que engloba a música, a dança, a moda e a arte urbana, e é uma forma de expressão das minorias, que muitas vezes são marginalizadas pela sociedade. É uma ferramenta de resistência e luta contra a discriminação e a exclusão social, além de ser um meio de expressão e empoderamento da juventude.”
O debate da moção de apoio durou quase uma hora e meia, gerando discussões paralelas em plenário. Eder Borges (PP) foi o primeiro a falar, se posicionando contra a proposta. O movimento, disse ele, surgiu nos Estados Unidos, “naqueles guetos”, e teria “uma raiz racista”, sem ter um vínculo com a cultura local. “Tem umas letras que realmente me fazem questionar se devemos aprovar este requerimento”, indicou ele, citando trechos de músicas. “Hip hop é coisa de detento”, concluiu a fala.
“Sua fala é racista quando diz que o hip hop é coisa de detento”, rebateu Giorgia Prates – Mandata Preta (PT). Ela assina o requerimento com os vereadores Alexandre Leprevost (Solidariedade), Angelo Vanhoni (PT), Dalton Borba (PDT), Maria Leticia (PV), Pier Petruzziello (PP), Professor Euler (MDB), Professora Josete (PT) e Serginho do Posto (União). A Mandata Preta rebateu as críticas, argumentando que o rock, estilo do qual Borges é adepto, também teve suas origens nos Estados Unidos.
“Só pode dizer isso quem realmente nunca pisou numa periferia. Então, sim, olhar para o hip hop hoje é olhar para a periferia”, acrescentou ela. Na avaliação da Mandata Preta, Curitiba tem espaços como o Bosque do Alemão, mas não equipamentos públicos que reconheçam a cultura africana. “É importante pontuar, houve falas racistas e nós temos que levar isso adiante”, repetiu ela. Conforme ela, “tem coisas na sessão que a gente deixa passar porque é perda de tempo, é mais para ganhar like etc., mas têm momentos que não”.
“Eu acho que pegar trechos de músicas fora de contexto é um tanto quanto leviano”, criticou Josete. A parlamentar falou das diferentes manifestações do hip hop, como o grafite, e disse que o movimento é a “expressão das chamadas minorias”. “Acho que a gente precisa construir um outro olhar sobre aqueles que pensam diferente de nós […] que vivem numa outra cultura, num outro espaço”, complementou.
“É uma cultura importantíssima”, elogiou Bruno Pessuti (Pode). “A capoeira, quando surgiu, e ela é patrimônio imaterial, era proibida no Brasil, porque era uma manifestação dos escravos”, comparou ele. Na opinião de Professor Euler, “não dá para pegar uma parte e usar como um todo, de qualquer expressão artística que seja”. Comparar o hip hop com “coisa de bandidagem”, disse ele, “é generalista”. “O filtro é do ouvinte”, defendeu ele, para quem os eventos de hip hop, por exemplo, movimentam a hotelaria e outros setores da economia local. “Pode render likes nas redes sociais porque polariza, rende engajamento. Mas não é honesto fazer isso, com qualquer estilo musical que seja.”
“Para deixar claro, eu não generalizo”, respondeu Borges em aparte a Professor Euler. “É muito grave e desonesto quando alguém certamente finge não entender e chama minha opinião de racista. Racismo é crime, racismo é abominável. Eu fui claro que não tem absolutamente nada a ver com a questão racial.” Prates também retomou o debate. Segundo ela, a capital paranaense recebeu o primeiro evento de hip hop há 25 anos e o break será uma das modalidades olímpicas.
“Independente do que diz na música, eu acho que todos têm direito de se manifestar como quiserem”, ponderou Rodrigo Reis (União). O vereador chegou a questionar a classificação do hip hop como patrimônio imaterial por avaliar que “não é uma cultura nossa, local”, mas resolveu votar positivamente à moção “para não passar uma imagem, para as pessoas que nos assistem, de todas os lugares, que a gente é contra” o movimento.
Críticas e respostas
Mauro Ignácio (União) abriu uma discussão paralela em plenário, sobre o tempo usado para um debate apontado como “inócuo”. A pauta, opinou, “seria um requerimento muito simples, uma votação simbólica”. “Sem entrar no mérito da questão, estamos aqui há quase uma hora discutindo opinião ideológica, conceitos. E eu pergunto, o que isso representa para a cidade?”, questionou. “Vamos usar os instrumentos desta Casa”, sugeriu ele.
Indiara Barbosa (Novo), adotando a mesma linha, disse que “a população espera mais de nós” e que o tempo dispensado à discussão representaria um custo em torno de R$ 30 mil a R$ 40 mil. “É lamentável essa discussão ideológica”, acrescentou Leonidas Dias (Solidariedade) sobre a busca de “likes”. “Às vezes, passam temas tão importantes para os curitibanos que são tão pouco discutidos”, disse Salles do Fazendinha (DC).
“Eu também quero discutir outros assuntos relevantes, mas também considero a cultura um assunto relevante aqui”, discordou Maria Leticia. “Nós temos o direito a expressar nossa opinião, mas existe uma coisa chamada decoro parlamentar, que é o respeito às regras de convivência. […] Antes de se explicar, é preciso se desculpar”, cobrou. Já Serginho do Posto (União) pediu que Ignácio seja “objetivo” em sua fala e direcione a crítica. “Não pregue para convertido. […] Dá a impressão que toda a Casa está discutida nesta discussão”, declarou.
Para Osias Moraes (Republicanos), a ideologia tira o foco das discussões. Ele propôs o debate de uma alteração regimental para limitar o debate das indicações de sugestões ao Executivo e das moções. “Quando se leva para o lado ideológico, eu e outros vereadores caímos na armadilha”, reforçou Euler. “Quero fazer uma ponderação aqui. Cada um aqui discute o que quiser”, ponderou Pier Petruzziello. “Quem vai fazer esse julgamento lá fora é o eleitor […] e eu não vejo problema algum de falar para o seu público.”
Coautor da proposição, Dalton Borba avaliou que “se essa discussão se alongou porque teve um estopim”. “O vereador Eder Borges trouxe a sua opinião de forma inadequada, deselegante, grosseira, discriminatória e todo mundo caiu”, argumentou. “A área cultural que envolve o hip hop é muito grande. O meu encaminhamento é para que esta Câmara não passe vergonha e apoie a moção. […] Essa Câmara não pode ofender tantas pessoas que estão envolvidas nestes quatro elementos do hip hop”, pediu o também coautor Alexandre Leprevost.
“Curioso que se perdeu 20 minutos para dizer que não se pode perder tempo”, justificou Borges. “Se eu bati pesado demais, se a minha opinião ofendeu alguém, eu peço desculpas”, repetiu. O vereador exigiu desculpas “da bancada do PT”. “Acusar alguém de um crime, isso é grave”, afirmou.
O presidente Marcelo Fachinello (PSC) lembrou que, conforme o artigo 18 do Código de Ética e Decoro Parlamentar, anexo ao Regimento Interno da Casa, qualquer vereador que se sentir ofendido pode apresentar uma representação diretamente à Mesa Diretora. As sessões plenárias começam às 9 horas e têm transmissão ao vivo pelos canais da Câmara de Curitiba no YouTube, no Facebook e no Twitter.
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