Borrachudos em Curitiba: sugerida dosagem de choque do larvicida
A farmacêutica Fernanda Gaensly trouxe seu conhecimento sobre borrachudos para a Tribuna Livre. (Fotos: Rodrigo Fonseca/CMC)
“No primeiro momento, a aplicação do larvicida deve ser mais intensa. A minha recomendação seria até uma aplicação semanal, no primeiro mês, progredindo para aplicações quinzenais, por três meses, para se pensar depois em aplicações semestrais. Mas, nesse início, precisa ter aplicação em múltiplos pontos, com auxílio da comunidade, porque Curitiba é permeada por muitas nascentes e riachos. Aplicações pontuais não são suficientes para conter os borrachudos”, sugeriu a farmacêutica Fernanda Gaensly, nesta quarta-feira (8), na Tribuna Livre da Câmara Municipal de Curitiba (CMC).
Convidada do vereador Bruno Pessuti (Pode) para ampliar a discussão, no Legislativo, sobre os borrachudos na cidade, Fernanda Gaensly é doutora em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenadora de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da Formédica. Ela alertou para os riscos da infestação de borrachudos trazer para a capital do Paraná doenças que ainda estão restritas ao Norte do Brasil e lembrou aos vereadores que a infestação do inseto impacta a fruição das áreas públicas e o turismo da cidade.
Picadas de borrachudo podem desencadear reações alérgicas graves e exigir internação
Bruno Pessuti relatou em plenário que a preocupação com a infestação de borrachudos começou em casa, há dois anos, quando a resposta alérgica à picada de um borrachudo levou seu filho de dois anos ao hospital. “Chegamos a confundir com uma picada de aranha marrom e ele teve que tomar corticóide para melhorar, correndo o risco de ficar internado”, disse o vereador. Ele e Fernanda Gaensly contaram na Câmara de Curitiba como despertaram para o problema vendo o impacto negativo da infestação em crianças.
“É muito difícil perceber quando um incômodo se transforma em um problema. Na minha percepção pessoal, tem muito a ver com quando meu filho nasceu, que desde então a gente não consegue ir em parques, praças, e mesmo ficar no quintal da nossa casa, sem que ele tenha picada de borrachudo. E isso já faz 13 anos”, compartilhou Gaensly. Ela tem se dedicado ao assunto, tornando-se uma das vozes que cobra ações do Executivo para conter o alastramento do inseto. O tema chamou a atenção dos vereadores e onze fizeram perguntas à especialista durante a Tribuna Livre.
“Esse inseto tem uma picada que coça bastante e atrapalha até crianças, em sala de aula, quando não estão utilizando repelente, em especial nas creches, por serem muito pequenas. A alergia provocada por essas picadas pode até promover internamentos. Temos que reduzir o número dos mosquitos ao quantitativo natural, controlando a superpopulação, provocada pela ausência dos predadores que havia no passado”, concordou Bruno Pessuti. O vereador anunciou que irá captar dinheiro, via emendas parlamentares, para a aquisição do larvicida BTI, que poderá ser utilizado pela Prefeitura de Curitiba no controle dos borrachudos.
Fêmeas de borrachudo podem por até 3 mil ovos no seu ciclo de vida
“O ciclo de vida do borrachudo tem quatro fases. Começa com os ovos, postos pela fêmea no rio, que três dias depois passam à larva, tornando-se adultos 25 dias depois, aproximadamente. A fêmea faz de 3 a 6 posturas por ciclo de vida, sendo que em cada uma são de 200 a 600 ovos, com fecundidade acima dos 95%. Hematófoga, ela precisa de sangue para a maturação dos ovos. O deslocamento dos borrachudos pode chegar a 40 quilômetros, por isso a presença deles ocorre não só perto dos parques, mas na cidade inteira”, explicou Fernanda Gaensly aos vereadores de Curitiba, justificando a ação coordenada para aplicação do larvicida, simultaneamente e continuamente, em toda a cidade.
A profissional da Saúde confirmou que as pessoas não sentem quando o borrachudo está dando uma picada, porque a saliva dele funciona como um anestésico. “A pessoa só percebe depois, quando essa saliva desencadeia uma reação alérgica, causando incômodo, trauma, coceira e alergia”, disse Gaensly, alertando que, mesmo que o borrachudo não deva ser confundido com o aedes aegypti, da dengue, ele também é capaz de transmitir doenças como a oncocercose (“cegueira dos rios”) e a mansonelose. “Quanto maior a quantidade de insetos, aumenta a probabilidade de essas doenças surgirem no Sul e Sudeste”, apontou.
Larvicida BTI se tornou a forma mais eficaz de combate à infestação de borrachudo
“Existe um biolarvicida, feito a partir da bactéria Bacillus thuringiensis, que pode ser utilizado para o controle dos borrachudos. Ele é chamado de BTI e é usado em várias cidades do Sul e Sudeste do Brasil. O BTI tem toxicidade seletiva às larvas dos borrachudos. Ele não contamina as plantas nos rios, não contamina o ambiente e não causa dano aos outros organismos. A toxina só é liberada dentro do sistema digestivo do borrachudo, que deixa de se alimentar e morre”, informou a especialista.
Fernanda Gaensly pontuou que essa é uma diferença entre o borrachudo e o aedes, contra o qual são usados os carros de fumacê, por exemplo. “Os borrachudos precisam de rios com oxigenação, diferente do mosquito da dengue, que precisa de água parada. São dois mosquitos diferentes, que devem ser combatidos de formas distintas”, disse, lembrando que “ocorre uma resistência dos borrachudos aos repelentes”. Outro ponto foi que os inseticidas químicos diminuem os predadores naturais, como as aranhas, os pássaros, as libélulas, os peixes e os sapos, contribuindo para a infestação.
“O borrachudo não é um problema só de Curitiba, ele está presente em todo o mundo, exceto nos polos, onde não há a água corrente necessária para seu desenvolvimento. Outras formas de fazer o controle dos borrachudos é retirar entulhos dos rios e reduzir o despejo de matéria orgânica, além de recuperar a mata ciliar”, destacou Gaensly, com a ressalva que isso não muda o quadro atual da cidade, onde já há um superpopulação de borrachudos. “Estamos deixando de aproveitar a cidade. Precisa de investimento planejado, aproveitando que a população está cada vez mais engajada em ajudar, e pode auxiliar na aplicação do BTI”, sugeriu.
Além de Bruno Pessuti e Sidnei Toaldo (Patriota), autores do requerimento que levou à realização da Tribuna Livre (076.00048.2023), a farmacêutica Fernanda Gaensly também respondeu a perguntas de Amália Tortato (Novo), Tico Kuzma (PSD), Marcos Vieira (PDT), Maria Leticia (PV), Angelo Vanhoni (PT), Professora Josete (PT), Rodrigo Reis (União), Serginho do Posto (União) e Tito Zeglin (PDT), que presidiu a sessão na qual a Tribuna Livre foi realizada.
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