Audiência sobre audiovisual na CMC aponta caminhos para o setor
A produção audiovisual em Curitiba foi tema nesta quinta-feira, de uma audiência pública promovida pela Câmara Municipal por iniciativa do vereador Vanhoni. (Fotos: Carlos Costa/CMC)
A Câmara Municipal de Curitiba (CMC) realizou uma audiência pública na tarde desta quinta-feira (20) para debater a produção audiovisual em Curitiba. A iniciativa do evento foi do vereador Angelo Vanhoni (PT), presidente da Frente Parlamentar do Samba, do Carnaval e das Políticas Culturais.
Além do vereador Vanhoni, a mesa foi composta por: Manoel Rangel, cineasta e produtor, ex-diretor-presidente da Agência Nacional de Cinema (Ancine); Valdelis Antunes, presidente da Associação de Vídeo e Cinema do Paraná (Avec); Jussara Locatelli, presidente do Sindicato da Indústria do Audiovisual do Paraná (Siapar); Adriano Esturilho, presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos do Paraná (Sated-PR); Odair Rodrigues, da Apan (Quilombo do Audiovisual e do Cinema Negros); vereadora Maria Letícia (PV); Daniel Aparecido Moraes, membro da Avec; Juliana Midoris, da Film Commision de Curitiba; Nelson Settani, conselheiro municipal do Audiovisual de Curitiba; Bruno Costa, diretor e roteirista; e Renata Carleial de Casimiro Otto, representando Loana Alves Campos, coordenadora da representação do Ministério da Cultura (MinC) no Paraná.
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Também estiveramm presentes a vereadora Indiara Barbosa (Novo); Elton Barz presidente do Partido Comunista do Brasil, seção PR (PCdoB-PR); Juliana, representando a vereadora Professora Josete (PT); e Beto Lanza, representando a Fundação Cultural de Curitiba (FCC).
Carência de políticas públicas para o setor
Angelo Vanhoni abriu sua fala destacando que no ano de 2023, a Câmara aprovou de um projeto de lei que revitalizava a Lei Municipal de Incentivo à Cultura e também a criação de uma Frente Parlamentar voltada ao samba. Quanto à lei, houve avanços em quesitos econômicos e inclusivos, como a previsão da inclusão de negros e LGBTQIA+, que não eram contemplados pela lei em vigor até então.
No que diz respeito ao samba, o vereador declarou que a criação de uma frente parlamentar específica atendeu à demanda, valorizando essa expressão artística e as pessoas envolvidas no carnaval. “Ao longo dos anos, foram criados eventos paralelos ao carnaval, que ajudaram a estimular uma visão alimentada, há mais tempo, de que em Curitiba não haveria samba. Ora, esse discurso equivale a dizer que em Curitiba não há negros”, disse.
De acordo com o parlamentar, a questão do cinema local foi levantada por sindicatos e associações locais. Para Vanhoni, Curitiba tem uma significativa história de produção audiovisual, mas carece de uma políticas pública especificamente voltada às demandas do setor.
“Daí a ideia desta audiência, para que possamos formatar ideias, conversar com representantes do setor e com os órgãos da prefeitura, no sentido de debater possíveis avanços para a arte do cinema em Curitiba. Acredito que o caminho adotado para o apoio ao Carnaval poderia se dar em relação à Lei Municipal de Cultura a às questões pertinentes ao audiovisual”, concluiu.
A vereadora Maria Letícia manifestou apoio à iniciativa do vereador Angelo Vanhoni: “Existem tantos valores em Curitiba e no Paraná. A gente precisa promover esses encontros, para que sejam pensadas formas de facilitar a produção e apresentação dos trabalhos audiovisuais”.
Goura Nataraj, deputado estadual, frisou o quão oportuno é o olhar sobre o cinema e sobre a produção audiovisual. “Precisamos fazer um diagnóstico sério. Finalmente temos uma Film Commision, que trata o tema de modo que o orçamento não fique fique restrito aos interesses e ao gosto pessoal do gestor municipal, independente de quem seja”, afirmou. O deputado alertou que há um teatro abandonado no bairro do Boqueirão: “Trata-se do teatro da Unespar, que pertence ao estado. A prefeitura poderia dar um um destino a esse espaço em benefício da população daquele região”.
Reorganização da política nacional do audiovisual
Manoel Rangel disse que teve o privilégio de exercer essa função de gestão com políticos como o presidente Lula e a ex-presidente Dilma, que trabalharam com ministros da Cultura que souberam ter a visão necessária para que a política do audiovisual pudesse se desenvolver plenamente. “Foi nesse contexto que construímos a Política Setorial do Audiovisual. Ampliamos a escala de abrangência do Condecine e construímos o Marco Regulatório da TV paga”, rememorou. Outra medida benéfica mencionada por Rangel foi o Plano de Diretrizes e Metas aprovado em 2012. Ele enfatizou que a política de Arranjos Regionais foi a que mais produziu impactos.
Para Rangel, o objetivo de alcançar milhões de pessoas com um produto cultural não significa necessariamente que esse produto deva ser pasteurizado, mas ele apontou a necessidade de um choque de reinvenção. “Acho que vocês têm um desafio interessante por aqui. Vocês contam com talentos, capacidades técnicas e artísticas já existentes, empresas e estruturas associativas capazes de coordenar vontades e, eventualmente, resolver diferenças para encontrar as prioridades e os caminhos da construção de uma política comum”, disse o ex-presidente da Ancine, que ainda citou o fato de que o Paraná conta com a RPC (afiliada à Rede Globo), sendo uma das estruturas de difusão e retransmissão mais robustas do país e que já se dedicou a produções paranaenses com talentos locais.
Rangel apontou as dificuldades decorrentes das desconstruções no setor promovidas durante os governos Temer e Bolsonaro. “É necessário um trabalho de reorganização das diretrizes, metas e visão sistêmica da política nacional do cinema e do audiovisual”, afirmou. O ex-presidente da Ancine também citou as plataformas de streaming, que compram projetos, fato que é positivo, mas acarreta o ônus de que os autores perdem a propriedade patrimonial das obras.
“Penso que o desenvolvimento de políticas locais deve estar antenado nestas plataformas como Netflix, Prime Video, Disney, Globoplay etc. Até os grandes diretores da história do cinema precisaram convencer pessoas a investir em suas ideias. E essas distribuidoras-produtoras têm a obrigação de investir metade do dinheiro que receberam em projetos fora do eixo Rio-São Paulo”, lembrou.
Em cinco anos, um aumento de 44% em produtoras
Jussara Locatelli, presidente do Siapar, esclareceu que a entidade realiza estudos e promove a proteção e a representação legal das empresas (fornecedores, produtores, distribuidores e exibidores) que formam o chamado “ecossistema do setor”. Ela lembrou que, em 2017, foi realizado o Primeiro Hackathon Audiovisual do Brasil. “No mesmo ano criamos o Fórum Audiovisual de Minas Gerais, Espírito Santo e estados do Sul (Fames), que possui uma cota infralegal de 10 a 11%, mas são cinco estados e o número de empresas é significativo e acaba não sendo contemplado”, disse. Ela listou os tributos recolhidos pelo setor, como ISS, IPTU, ICMS, IR (Pessoas Física e Jurídica), IPI, IOF, PIS/PASEP/Cofins e o Condecine, necessário para a obtenção do CRT.
“Atualmente, o Paraná tem 630 produtoras registradas na Ancine e, entre os anos de 2019 e 2023, o estado passou por um crescimento de 44%, sendo o segundo maior do país”, disse. Jussara também destacou que o estado possui 15.566 CNAEs prioritários em 341 municípios, sendo 5.928 somente em Curitiba. Ela também citou números referentes ao mercado publicitário, que está intrinsecamente ligado ao audiovisual e emprega inúmeros profissionais do setor. Mas, de acordo com ela, se forem rodados três longas ao mesmo tempo em Curitiba, o número de profissionais é insuficiente.
Ela destacou produções que captaram expressivos recursos e envolveram um grande número de profissionais, como a série Contracapa, os longas Ferrugem, Deserto Particular, as animações Carlos (que já teve mais de 1 bilhão de visualizações) e Rosie. A presidente da Siapar mencionou a criação da Film Commision, mas alertou que até o momento não houve nenhuma reunião ou articulação. Jussara concluiu mencionando o papel do streaming e a participação do Siapar na Frente da Indústria Independente Brasileira do Audiovisual (FIBRAv).
Ecossistema que fomenta empreendimentos e riqueza social
Adriano Esturilho, presidente do Sated-PR, agradeceu pela realização da audiência pública sobre a produção audiovisual em Curitiba. “Trata-se do reconhecimento a um ecossistema produtivo que fomenta empreendimentos e riqueza social. O audiovisual é uma das estratégias mais eficientes para divulgar a cultura de uma cidade ou de um estado para o resto do país e para o mundo”, afirmou.
Ele destacou a parceria entre o Sated-PR e a Procuradoria da Mulher na Câmara Municipal de Curitiba, criada pela vereadora Maria Letícia,. Para Esturilho, a questão do assédio no setor cultural é tão grave quanto em outros setores. De acordo com ele, são necessárias campanhas por melhorias nas condições de trabalho. “É importante que sejamos vistos como um setor produtivo formado por trabalhadores e trabalhadoras da cultura”, disse.
Construção de uma política nacional
Representante da Film Commision de Curitiba, Juliana Midoris esclareceu que o comitê foi criado para dar mais luz à produção audiovisual da cidade, dada a sua importância cultural e econômica. “São três entidades: a Secretaria Municipal de Comunicação, a Fundação Cultural de Curitiba (FCC) e o Instituto Municipal de Turismo (IMT), todas trabalhando em conjunto para articular políticas públicas e conversar com os vários setores no sentido de estudar as melhores possibilidades para contribuir. Uma delas é a liberação de espaços para filmagens. Só neste ano já foram 90 liberações”, disse.
Juliana Midori concluiu dizendo que o objetivo é levar a ideia a outros locais para que se viabilizem mais Film Commisions, que irão ajudar na construção de uma política nacional para o setor.
R$ 4 milhões de um orçamento municipal de R$ 19 bilhões
Para Nelson Settani, conselheiro municipal do audiovisual de Curitiba, o momento é muito oportuno para o debate do tema. “Quando a gente pensa em termos de município, é necessário pensar na ponta, no indivíduo, e é com base nisso que devemos desenvolver as políticas públicas voltadas ao audiovisual”, defendeu Settani. A formação de público e dos realizadores, assim como a atuação focada nas regionais da cidade, a descentralização das ações, uma política de cotas e a inclusão dos povos periféricos foram questões citadas por ele como essenciais para o debate em âmbito municipal.
Setani sugeriu uma taxação de 1% nos ingressos do cinema para a formação de um fundo municipal do audiovisual e também uma taxação sobre as antenas de celular e as emissoras de televisão, que, desde 2020, por uma lei de iniciativa do prefeito, são isentas do pagamento de ISS. Ele concluiu lembrando que do orçamento total de Curitiba, de R$ 19 bilhões, são destinados para a cultura apenas R $4 milhões.
Valdelis Gubiã Antunes, presidente da Avec, afirmou que o audiovisual em Curitiba tem florescido nos últimos anos, tornando-se um ecossistema que não só impulsiona a economia local como também promove talentos locais. “Um dos principais pilares desse modelo é o potencial de desenvolvimento econômico que ele oferece. O aumento da produção audiovisual possibilita novas oportunidades para roteiristas, diretores e outros profissionais, o que gera um ciclo virtuoso para os empreendimentos”, declarou Valdelis. Outros aspecto salientado por ele foi o fortalecimento da imagem de Curitiba por meio de produtos audiovisuais.
Inconstância dos editais afasta profissionais da área
Bruno Costa, diretor e roteirista, manifestou sua visão pessoal. Ele lembrou que foi um dos cinco diretores que estiveram à frente do longa Circular, mas que considera o filme Mirador, realizado com arranjos regionais, o cartão de visita de sua obra. “Chega a ser inacreditável que o filme custou apenas R$375 mil”, disse Costa, que também citou outras produções locais de impacto, como Alice Júnior, que recebeu diversos prêmios e foi exibido em várias cidades do mundo. “A gente tem perdido muitos talentos. Os editais sãs inconstantes, não há certezas e, consequentemente os profissionais vão para outros estados”, disse.
Para Beto Lanza, diretor de ação cultural da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), a indústria do audiovisual teve uma oportunidade com os chamados arranjos regionais [instituídos pelo Fundo Setorial do Audiovisual em 2014] para pensar na cultura nacional de forma sistêmica. “Quais são as partes que podem compor um sistema? Como a comunidade pode participar disso?”, indagou Lanza. Outros pontos levantado por ele foram as consequências da Reforma Tributária sobre as ações culturais. “Se o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) não contemplar alguma renúncia fiscal na ponta, como o recurso vai funcionar de forma sistêmica?” questionou o diretor.
O audiovisual negro também deve ser contemplado
No entendimento de Odair Rodrigues, da Apan, é imprescindível entender o audiovisual em Curitiba levando em consideração as questões relativas ao audiovisual negro. “Somos trabalhadores desse sistema econômico e cultural e temos necessidade de formação frente às novas realidades e tecnologias”, disse. Outra questão que se coloca, de acordo com ele, é o da presença da produção audiovisual negra nas salas de exibição em Curitiba. “Nem sempre os editais contemplam esse segmento do setor e isso é necessário para que tenhamos diversidade”, afirmou.
Daniel Aparecido Moraes, membro da Avec, apresentou quatro diretrizes baseadas em quatro relatórios internacionais que podem ajudar na construção de um programa de fomento cultural para o município: incentivos à produção; capacitação da força de trabalho; infraestrutura e serviços; e ambiente amigável ao cinema. Moraes salientou a importância da Film Commision, dos arranjos regionais e das parcerias do município com o setor. Renata Carleial de Casimiro Otto, representando o Ministério da Cultura (MinC) no Paraná, esclareceu que o papel do escritório é fazer com que os recursos federais cheguem até a ponta. “Em Curitiba e no interior, nossas portas estão abertas e ficamos felizes em participar cada vez mais desse debate”, declarou.
Participações do público
No tempo destinado aos comentários e questionamentos do público, Jeff Miranda, representando a Coordenadoria de Audiovisual do Sated-PR, lembrou que suas atividades profissionais no audiovisual tiveram início em 1986. “De todo esse período, 90% foram dedicados à publicidade, ramo que formou grandes profissionais que hoje atuam em importantes produções de filmes e séries”, disse.
Miranda lembrou que, após algum tempo em São Paulo, retornou a Curitiba e encontrou um cenário confuso. “Foi quando encontrei o Beto Lanza e fizemos o Programa Estadual de Fomento e Incentivo à Cultura do Paraná (Profice), que dirigi com base na minha experiência no município com o mecenato. Infelizmente, vimos um declínio do Profice que, hoje, enfrenta instabilidades”, comentou.
Camila Mig Sá, mulher indígena pertencente ao povo caingangue e graduanda em Antropologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), mencionou que atua como produtora audiovisual. “Em 2021, produzi um documentário sobre a Segunda Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília, que vai ser lançado pela ação Saberes Indígenas, uma iniciativa do Ministério da Educação. Também fui produtora do filme Mulheres Araucárias. Quero destacar a questão do cinema indígena”, disse. Camila esclareceu que, para os indígenas, a produção audiovisual é um instrumento de luta. “Mas nós não temos estúdio. Nossos estúdios são as marchas até Brasília para protestar contra os projetos de lei e as PECs anti-indigenistas, que são necropolíticas”.
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