Audiência pública debate a segurança das mulheres nos estádios
A Câmara Municipal de Curitiba promoveu uma audiência pública nesta quarta-feira (3) sobre a segurança das mulheres nos estádios. A iniciativa foi da vereadora Maria Leticia (PV). (Foto: Carlos Costa/CMC)
Nesta quarta-feira (3), a Câmara Municipal de Curitiba realizou uma audiência pública para debater a segurança das mulheres nos estádios. A iniciativa do evento foi da vereadora Maria Leticia (PV), em resposta, segundo ela, às demandas trazidas por mulheres que torcem pelos grandes clubes de Curitiba. “Há dois anos estamos amadurecendo um projeto de lei sobre o tema. Ele é resultado dos constantes relatos de agressões sofridas por mulheres em estádios, por ocasião dos eventos esportivos. O que se percebe, na maior parte dos casos, é que ou as providências não são tomadas, ou, quando tomadas, não apresentam efetividade”, esclareceu a vereadora.
Maria Letícia informou que a sessão também teria por finalidade expor os termos da carta de intenções que orientará o texto do projeto de lei que cria a campanha de conscientização contra importunação sexual em estádios. A proposição já teve sua minuta protocolada (005.00029/2023). De acordo com Maria Letícia, a proposta consiste numa campanha publicitária sobre importunação em eventos esportivos. “A campanha se chama ‘Deixa ela torcer em paz’, e tem sido formulada com base em propostas criadas por quem vivencia os problemas”, explicou a parlamentar.
Compuseram a mesa: Barbara Breda, acadêmica e representante das Gurias do Couto; Daiane Luz, advogada, procuradora do Tribunal de Justiça Desportiva do Paraná (TJD-PR) e integrante do coletivo Atleticaníssimas; Gabriele Cristina Bizinelli, administradora de empresas, produtora de eventos, torcedora do Paraná Clube e fundadora do Gralhas da Vila; José Eduardo Quintas de Mello, vice-presidente do Tribunal de Justiça Desportiva do Paraná e presidente da Comissão de Esportes da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Paraná (OAB-PR); coronel Fernando Klemps, diretor de políticas públicas da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SESP-PR); Hélio Pereira Cury Filho, presidente da Federação Paranaense de Futebol; Alberto Goldstein, vice-presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB.
Também participaram da audiência pública: os vereadores Professora Josete (PT), Giorgia Prates – Mandata Preta (PT), Mauro Bobato (Pode) e Indiara Barbosa (Novo). Além deles, Luis Carlos de Oliveira, delegado Delegacia Móvel de Atendimento ao Futebol e Eventos (DEMAFE); Péricles de Matos, secretário municipal da Defesa Social e Trânsito; Caroline de Andrade Ribas, advogada e representante da presidência do Paraná Clube; Jair José de Souza, 2º vice-presidente do Coritiba Futebol Clube; Rodrigo Gama, representando o setor jurídico do Athletico Paranaense; Everton Blizkow, presidente da Torcida Organizada Fúria Independente; José Ariel de França, presidente da Torcida Organizada Fanáticos; Rafael Oliveira, presidente interino da Torcida Organizada Império Alviverde; Gisele Szmidt, presidente da Comissão de Diversidade de Gênero da OAB-PR e Fabiana C. Ribeiro Quadros, representante da Comissão das Mulheres Advogadas da OAB-PR.
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Prevenção e punição
O presidente da Câmara, vereador Marcelo Fachinello (PSC), relatou que frequentou profissionalmente estádios de futebol por 24 anos. Na condição de jornalista esportivo, ele cobriu partidas em Curitiba e em outras cidades. “Felizmente”, disse ele, “de lá pra cá, a gente só vê crescer o número de mulheres nos estádios. Em contrapartida, se vê também crescer a insegurança que afeta famílias e mulheres que frequentam os estádios, seja sozinhas seja participando de algum coletivo”. Para Fachinello, há a violência física, a agressão propriamente dita, e há também a violência invisível do assédio, da falta de respeito e do preconceito.
O presidente da Câmara Municipal entende ser necessário fiscalização efetiva e mais rigor nas punições. “Sabemos da necessidade de imposição de regras mais duras, mas esbarramos no poder de legislação do município. Atualmente, a Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP) está discutindo uma lei que penalize vândalos e agressores com multas pecuniárias”, explicou Fachinello. Ele acrescentou que seria desejável uma lei federal sobre a matéria. “Como presidente da Câmara, coloco meu mandato e a presidência à disposição da vereadora Maria Letícia, que é a presidente da Procuradoria da Mulher da Câmara. Devemos envolver as mídias e os meios de comunicação em geral com a campanha proposta pela vereadora Maria Leticia”.
Professora Josete (PT) reforçou a importância do debate sobre a segurança das mulheres em eventos esportivos. “A ideia é que haja meios de prevenção contra os assédios e a devida punição a quem comete essas atitudes”, disse ela. A vereadora Giorgia Prates - Mandata Preta (PT) contou que, em sua adolescência, jogou futebol em São Paulo. “Hoje temos de ressignificar a presença das mulheres em vários espaços, entre eles, o esportivo”, disse a vereadora, que também destacou o fato de que a violência não é apenas sexista, mas também racial. Nori Seto (PP) parabenizou Maria Leticia pela iniciativa do evento e por sua atuação à frente da procuradoria da Mulher da Câmara. O vereador disponibilizou seu mandato para o que for necessário na luta das mulheres que querem frequentar os estádios de forma segura e sem o receio da importunação. Também estiveram presentes os vereadores Mauro Bobato (Pode) e Indiara Barbosa (Novo).
Ato de resistência
Barbara Breda, acadêmica e representante das Gurias do Couto, disse que o coletivo surgiu justamente em função de uma agressão sofrida por uma torcedora em 2018. Barbara defende a luta para que os estádios não sejam espaços hostis para as mulheres. “Estar no estádio, sendo mulher, é um ato de resistência. O transporte público em dias de jogos já é perigoso e esse perigo continua quando a mulher chega ao estádio”, disse Barbara. Ela mencionou o fato de que as mulheres assediadas não têm um atendimento adequado e, muitas vezes, as instalações dos estádios não são confortáveis para as mulheres. “Há estádios que sequer possuem banheiro feminino. A má conservação ou a inexistência de banheiros leva muitas mulheres a deixarem de frequentar os estádios”, afirmou ela. Para Barbara, “é imprescindível que as autoridades identifiquem e punam os agressores”.
Daiane Luz, advogada, procuradora do Tribunal de Justiça Desportiva do Paraná (TJD-PR) e integrante do coletivo Atleticaníssimas, esclareceu que o coletivo não nasceu como protesto em razão de um abuso, mas isso não significa que as integrantes não tenham vivenciado tais experiências. “Acreditamos em dar voz às mulheres que vão aos estádios. Rivalidades devem existir apenas dentro do campo”, defendeu. Ela lembrou dos vagões de metrô em São Paulo, destinados em dias de jogos, de forma exclusiva às mulheres. Para ela, os profissionais envolvidos na manutenção da segurança nos estádios deveriam receber uma orientação específica sobre as situações de violência sofridas pelas mulheres nestes locais. Daiane também disse que o baixo número de registros de ocorrências dessa natureza se deve ao fato de que as mulheres se sentem hostilizadas pelas Polícias Militar e Civil.
José Eduardo Quintas de Mello, vice-presidente do Tribunal de Justiça Desportiva do Paraná e presidente da Comissão de Esportes da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Paraná (OAB-PR), mencionou os autos de número 52/2022, tramitados no TJD-PR, o qual tratava de uma briga entre as torcidas organizadas do Athletico Paranaense e do Coritiba Futebol Clube. Os clubes entraram com um requerimento solicitando conversão da pena de realizar jogos sem público, para uma medida social possibilitando a entrada apenas de mulheres e crianças nos estádios. “O TJD entendeu o caráter social da ação, que levantou toneladas de alimentos para entidades assistenciais. Foi uma medida inédita no país. Não solucionou e nem amenizou o problema, mas foi um voto de confiança que o tribunal depositou nos clubes. Lamentavelmente, o primeiro Atletiba que se seguiu teve novos atos de violência”, lamentou ele. Também se manifestou o capitão Da Silva, representando o coronel Sérgio Almir Teixeira, comandante geral da Polícia Militar do Paraná (PM-PR). De acordo com ele, a PM é o órgão público que mais aplica efeito na segurança. “Nos jogos do Coritiba, desse ano, a gente tem usado uma média de 150 policiais militares. O Batalhão de Polícia de Choque assumiu o futebol em outubro de 2022”. Ele destacou que a PM tem se valido de forma rotineira de policiais femininas na segurança dos jogos.
Violência normalizada
O coronel Fernando Klemps, diretor de políticas públicas da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SESP-PR), disse que há poucos registros oficiais desse tipo de importunação, fato que, de acordo com ele, deve ser objeto de reflexão. “É importante que a gente materialize esses espaços para que as autoridades encontrem respostas e possa haver responsabilização. Nesse sentido, é pertinente que haja uma legislação específica sobre o tema”, esclareceu. Para Alberto Goldstein, vice-presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB, a violência contra as mulheres nos estádios muitas vezes é normalizada e isso não pode ser admitido. “É preciso que se debata essa violência e que soluções pedagógicas e punitivas sejam aplicadas”, disse ele.
Em seguida, falou Luis Carlos de Oliveira, delegado da Delegacia Móvel de Atendimento ao Futebol e Eventos (DEMAFE), “Estamos na DEMAFE há 4 anos e notamos as dificuldades para trabalhar dentro dos estádios. No momento, dispomos de espaços cedidos pelos clubes, para que funcionem como delegacias dentro do Couto Pereira, na Arena da Baixada e no estádio do Paraná Clube (Durival Britto e Silva)”. Para ele, caso o atendimento policial em situações de importunação ficar aquém do esperado, existe a possibilidade da vítima se reportar à Corregedoria da Polícia Civil. Oliveira esclareceu que não admite, em hipótese alguma, qualquer hostilidade em relação às torcedoras vítimas de importunação por parte dos policias ao seu comando.
O coronel Péricles de Matos, secretário municipal da Defesa Social e Trânsito, acredita que o cuidado com essas questões deve começar no lar. “Entendemos que a família deve proporcionar educação às nossas crianças, quanto ao respeito com mulheres, crianças e pessoas idosas. É uma criação de consciência que deve partir das famílias”, disse Péricles. De acordo com ele, qualquer mulher que frequente algum espaço público está sob a proteção da Guarda Municipal e da muralha digital que colhe imagens registradas por centenas de câmeras espalhadas pela cidade. “Em caso de crime, as imagens são encaminhadas para a Polícia Civil”, explicou ele. Para o coronel, os estudos técnicos mostram que a violência contra mulheres em estádio acontece porque há certeza da impunidade. Para ele, a presença de câmeras em locais estratégicos dos estádios diminuiria a incidência de infrações. “Além da necessidade da preparação do agente público seja ele GM, PM e todos que compõem o staff do evento esportivo para o acolhimento da mulher que sofreu violência”, afirmou.
Poucos registros
Vanessa Alice, delegada-chefe da Delegacia da Mulher, entende que o tema da violência contra as mulheres nos estádios é de suma importância. Ela disse que, em conversas com o delegado Luis Carlos (DEMAFE) e com a vereadora Maria Leticia, houve um estranhamento quanto ao número de registros de importunação sexual. No ano de 2022, na Delegacia da Mulher, houve apenas um registro dessa natureza. “Isso é preocupante, pois, se estamos tratando de um crime que justifica a realização de uma audiência pública, por que um número tão baixo de registros?”, indagou a delegada. Ela ponderou que a questão poderia ser explicada por algum problema de comunicação entre as torcedoras e a polícia. “O que se vê, por exemplo, é um aumento assustador de importunações contra torcedoras no transporte coletivo. Recentemente, eu abri um cartório exclusivo para o registro de importunações sexuais. A Delegacia da Mulher está com vocês, torcedoras, integrantes de torcidas organizadas e todos os cidadãos e cidadãs”, informou a delegada.
Caroline de Andrade Ribas, advogada e representante da presidência do Paraná Clube disse falar também como mulher e torcedora. “Eu também quero ir ao estádio com minha namorada e é necessário que possamos nos sentir seguras. O Paraná Clube se importa muito com as mulheres e buscará, por meio de campanhas internas que serão iniciadas nas próximas semanas, conscientizar os torcedores sobre o cuidado com as torcedoras”, disse ela. Para a advogada, a situação é lamentável para torcedoras de todos os times. “Queremos mais mulheres em estádios, sem esse medo constante do assédio”, finalizou.
Ambiente machista
Rodrigo Gama, do setor jurídico do Athletico Paranaense, disse que frequenta estádios desde criança. “Realmente o ambiente é machista, mas eu mesmo nunca havia refletido objetivamente sobre o problema. Hoje vim a esse evento mais para ouvir as mulheres e suas experiências”. No que diz respeito ao projeto de lei, o advogado ressaltou que a matéria se refere à importunação sexual. “Talvez fosse o caso de se ampliar a discussão para a violência contra a mulher como um todo, pois a importunação sexual está prevista no artigo 215-A do Código Penal Brasileiro, que trata do ato libidinoso, um conceito que nem sempre está claro na cabela das pessoas”, observou Gama, que finalizou lembrando a importância da DEMAFE em todos os jogos.
Gisele Szmidt, presidente da Comissão de Diversidade de Gênero da OAB-PR, disse que, como mulher trans, nunca teve coragem de frequentar um estádio. De acordo com ela, a violência contra as mulheres já é extrema, mas contra as trans, é exacerbada. “Não há escusas para que nós mulheres, trans ou cis, sejamos importunadas em qualquer ambiente, ainda mais quando saímos para nos divertir e ter momentos de lazer”, declarou. Para ela, ainda que a importunação sexual não fosse crime, seria uma violência inaceitável contra o processo civilizatório.
Fabiana C. Ribeiro Quadros, representante da Comissão das Mulheres Advogadas da OAB-PR, destacou que a importunação sexual se tornou crime por meio da lei 13.718/2018. “A recente Copa do Mundo de 2022 oportunizou a presença de mulheres iranianas em seus estádios, prática que é proibida em seu país de origem. Aqui no Brasil, ainda que a entrada seja livre para mulheres, os obstáculos são muitos”. De acordo com a advogada, tem se buscado campanhas como a promovida pela Federação paulista de Futebol: “a campanha se chama ‘Elas nos estádios’, cujo objetivo era aumentar o número de mulheres. A comissão de esportes da Câmara dos Deputados aprovou a lei 2.448/2022, da deputada Sâmia Bonfim de São Paulo, que altera o texto do Estatuto do Torcedor, tornando obrigatória a prevenção quanto ao assédio sexual ou violência contra a mulher em estádios, além de garantir o atendimento nos recintos desportivos”, explicou.
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