Audiência pública apresenta demandas da população LGBTI+
Audiência pública realizada na tarde desta terça-feira (21), pela Comissão de Direitos Humanos, Defesa da Cidadania e Segurança Pública da Câmara Municipal de Curitiba (CMC), ouviu representante da sociedade civil e do poder público sobre o enfrentamento à LGBTI+fobia. Mediado pela presidente do colegiado, vereadora Maria Leticia Fagundes (PV), o debate indicou a educação, a saúde e a segurança públicas como prioridades da população LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexuais e de outras identidades de gênero e sexualidade).
Apesar de ponderar às diversas demandas da população LGBTI+, Maria Leticia avalia que a discussão tem avançado, dando como exemplo a aprovação da atividade pelo colegiado. A solicitação do espaço partiu do assessor de Políticas de Diversidade Sexual do Executivo municipal, Allan Johan, e do Grupo Dignidade, em reunião realizada no dia 30 de abril. A audiência pública integrou a programação do Mês da Diversidade, da Prefeitura de Curitiba, que começou no último dia 17 e terá atividades informativas, culturais, esportivas e artísticas até 28 de junho.
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Segundo Maria Leticia, a ideia é apresentar em plenário os dados do segundo relatório sobre a LGBTI+fobia, produzido pela Assessoria de Políticas da Diversidade Sexual. Conforme o mapeamento realizado no ano passado, a cidade registrou 101 casos de violência contra homossexuais, bissexuais, transexuais e outros representantes da comunidade, entre 2016 e 2017. Os casos são subnotificados e os números, explicou Johan, baseiam-se no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).
A Comissão de Direitos Humanos da CMC também foi representada pelo vereador Herivelto Oliveira (PPS), para quem é essencial a todos ter tolerância e respeito. “A homossexualidade já foi encarada com estranheza, reserva, curiosidade e depois virou notícia. [O movimento] vem numa crescente. Espero que em mais alguns anos seja [encarada de forma] natural”, disse. Professora Josete (PT), que não integra o colegiado, mas acompanhou o debate, avaliou que “a gente não pode recuar" na defesa dos direitos humanos.
Josete opinou que o "espaço da diversidade" e de proteção às demais minorias, como à população negra, deve constar na reestruturação das secretarias municipais, projeto do Executivo em tramitação na Casa. "Faço um apelo à gestão. Se a gente quer avançar, que se torne política de Estado, e não seja só uma política de governo. Que tenhamos minimamente a criação de assessorias ou coordenadorias", observou.
O deputado estadual e ex-vereador Goura (PDT) acompanhou o início da audiência pública: "A gente está vivendo um momento muito difícil, de desconstrução de políticas públicas. Não podemos ficar calados enquanto isso acontece". Ele destacou a realização de discussão sobre o tema na noite desta terça, na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). "A cidade é fruto da diversidade. E a diversidade tem que ser reconhecida, mostrada e valorizada."
Demandas LGBTI+
"Na Idade Média éramos considerados pecadores, queimados na fogueira. Até 1990 éramos considerados doentes [nesse ano, em 17 de maio, adotado como Dia Internacional de Combate à LGBTI+fobia, a homossexualidade deixou de ser classificada como uma doença]", afirmou o diretor-executivo do Grupo Dignidade, Toni Reis. "E esses preconceitos e discriminações ainda persistem no Brasil." De acordo com ele, 73% dos alunos LGBTI+ sofreram bullying e 56% já foram agredidos nas escolas municipais e estaduais de Curitiba.
"A educação é nossa prioridade. Não queremos transformar ninguém em gay. Queremos que as pessoas aprendam em sala de aula a respeitar a todos", declarou. "Não queremos destruir a família de ninguém. Pelo contrário. Queremos construir a nossa." Ele rebateu outras fake news, como apologia à zoofilia, pedofilia, incesto, sexualização das crianças e exploração sexual infantojuvenil. "Isso é mentira. Não queremos também a Escola sem Partido. Claro que escola não é local de doutrinação, mas é lugar de senso crítico. Tem que ter todas as visões."
Da prefeitura, Toni Reis cobrou a capacitação dos profissionais de saúde, "sem estigma e sem discriminação", e o Plano Municipal de Educação em Direitos Humanos, que conforme o Plano Municipal de Educação (lei 14.681/2015) já deveria ser sido elaborado. Aos vereadores, pediu a mediação para essas pautas e para a retomada do Comitê Municipal de Saúde Integral e do Fórum Municipal de Educação.
Além de crimes de ódio, episódios de violência contra a comunidade LGBTI+, dentre outros temas, o público reforçou queixas sobre o Sistema Único de Saúde (SUS). Diretora de Informação do Grupo Dignidade, Rafaelly Wiest da Silva alegou que Curitiba e o Paraná teriam a obrigação legal de realizar a cirurgia de redesignação, conforme a Política Nacional de Saúde Integral LGBT, instituída em 2011.
Integrante do Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR), Roberta Baccarim cobrou “ação em cima das pesquisas” de discriminação nos espaços de saúde. “Quero comemorar quando esses números [de vítimas da LGBTI+fobia] começarem a diminuir.”
"Você vai com uma gripe e sai de lá com um exame de HIV. E para a gripe que é bom, nada. É uma estigmatização", disse a advogada Ana Raggio, do Departamento de Promoção e Defesa dos Direitos Fundamentais e Cidadania da Secretaria de Estado da Justiça, Família e Trabalho, após relato de um jovem sobre preconceito em uma unidade básica de saúde. Ela apresentou programas da pasta (junto a diferentes secretarias estaduais) e comemorou a retirada da transexualidade da classificação de transtornos mentais.
Tanto Ana quanto Johan argumentaram que a implantação das cirurgias de redesignação, que deverão ocorrer no Hospital de Clínicas, por meio de parceria entre os governos municipal e estadual, está avançando. De acordo com o assessor de Políticas de Diversidade Sexual da prefeitura, a fila de espera é de quase 800 pessoas.
"Agora que estou do lado de cá [Johan também é voluntário do Dignidade], é tudo muito devagar. E não é falta de vontade ou falta de interesse das pessoas. Tudo de um ano para o outro tem que ser planejado, por questão de orçamento, que tem as prioridades", defendeu. Dentre outras iniciativas do Executivo, ele destacou o lançamento da campanha "Respeito Faz Acontecer", na semana passada, que alerta à discriminação a diferentes grupos, depois de dois anos de trabalho.
Criminalização da homofobia
"Não queremos prender nenhum pastor, nenhum padre. A não ser os que pregam o ódio. Temos que dialogar sempre, pedindo respeito. Mas não podemos tolerar o discurso de ódio", argumentou Toni Reis. Outros convidados comentaram a retomada do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a criminalização da homofobia, agendada para esta quinta-feira (23). "Tudo está caminhando no sentido que práticas LGBTfóbicas sejam consideradas criminosas”, analisou o promotor Rafael Moura, do Núcleo de Proteção aos Direitos da População LGBT.
"Não estamos falando de privilégios, e sim de igualdade", acrescentou Moura, sobre a defesa dos direitos da comunidade LGBTI+. Ele alegou que o grupo sofre mais com bullying nas escolas, está mais propenso a cometer suicídio e a ser vítima de agressões. Também defendeu que a Constituição e tratados internacionais do qual o país é signatário “trazem a obrigação do Estado promover a garantia dos direitos. Portanto, o Brasil está em débito”.
Roberta Baccarim, do CRP-PR, justificou que “a criminalização abrirá a porta para o discurso antagônico. Estou cansada de vir aqui e ter só a gente falando para a gente”. “Qualquer assassinato de pessoa trans manda um recado, que a gente não merece existir”, disse o representante do Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Paraná, Wesley Santos. “O sistema de Justiça não tem essa classificação. Com a criminalização teremos sim a visibilidade contra os crimes de ódio. É necessário superar a invisibilidade”, completou, citando o “esquecimento” de todas as minorias.
“Comecem a falar mais em plenário sobre a população LGBTI+. Como da transexual que trabalha na Nasa [a carioca Vivian Miranda]. Olha que legal, uma mulher transgênero. Uma cientista importantíssima”, sugeriu a militante Marise Félix, do Mães pela Diversidade. Questionamento apresentado na audiência pública à carência de projetos voltados ao grupo foi respondido por Professora Josete: “O principal [entrave] é o preconceito. É um desafio aqui. Quem sabe agora a gente consegue organizar uma frente parlamentar".
O evento contou com a participação de outras entidades, como o Conselho Regional de Serviço Social do Paraná (CRESS/PR), o Transgrupo Marcela Prado, o Conselho Municipal de Saúde, centros acadêmicos e partidos políticos.
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