Audiência pública alerta à inclusão da pessoa com doença celíaca

por Fernanda Foggiato — publicado 11/06/2021 18h35, última modificação 11/06/2021 18h35
Além da dificuldade de alimentação fora de casa, inclusive em ambiente hospitalar, o risco da contaminação cruzada, por fragmentos de glúten, vai de cosméticos a brinquedos como a massa de modelar.
Audiência pública alerta à inclusão da pessoa com doença celíaca

Com diversos questionamentos do público, a atividade ouviu celíacos, familiares e especialistas na área. (Foto: Carlos Costa/CMC)

Em audiência pública na tarde desta sexta-feira (11), a Câmara Municipal de Curitiba (CMC) debateu o diagnóstico, a alimentação, o tratamento e os direitos dos celíacos. Reação exagerada do sistema imunológico ao glúten, proteína encontrada em cereais como o trigo, o centeio, a cevada e o malte, a doença celíaca possui diferentes graus, sintomas diversos e pode causar, se não tratada, anemia, perda de peso, osteoporose, câncer e deficit de crescimento em crianças. A atividade foi proposta pelo vereador Herivelto Oliveira (Cidadania). 

Ela é uma doença genética. Isso vem de berço. Você recebe essas características, essa sensibilidade ao glúten”, explicou o médico gastroenterologista Paulo Roberto Costa Claro, um dos principais especialistas do país em doença celíaca. Nas pessoas com essa sensibilidade, continuou o convidado, “ocorre um processo de reação de contato, de reação inflamatória, que começa a lesionar essa mucosa”. “O organismo do celíaco interpreta o glúten como um agressor, como se fosse um vírus, uma bactéria.” 

O especialista alertou que a incidência da doença celíaca, estimada entre 1% e 3% da população, “é um grupo considerável”, bastante frequente nos consultórios de gastroenterologistas. “É comum nós recebermos os pacientes com 5, 10, 20 anos de sofrimento, e que já tentaram de tudo. Têm um diagnóstico de intolerância à lactose, suspeitam de alergias alimentares”, afirmou. 

O celíaco nunca estará sozinho dentro de um núcleo familiar. A doença também não pula gerações”, continuou o médico. Segundo ele, a incidência familiar salta para 20%, incluindo pessoas assintomáticas e sem sintomas digestivos (com manifestações de pele ou articulares, por exemplo). Em relação às manifestações clínicas, Paulo Roberto Costa Claro pontuou que mesmo os sintomas intestinais são variáveis, transitando da diarreia à constipação severa. “A distensão abdominal e a flatulência são os grandes vilões principalmente entre as mulheres”, relatou. 

Mediante sintomas ou caso familiar, completou, o diagnóstico é realizado por exames laboratoriais, genético e endoscopia com biópsia, usada para pesquisa a região do intestino delgado. Ao celíaco, salientou, não é permitido fugir da dieta no final de semana, ou nas férias. “Não existe nenhuma medicação que possa ser usada para reverter os efeitos do glúten ou para prevenir os efeitos do glúten nas pessoas sensíveis geneticamente. Não é como a lactose”, lembrou. “Tem que fazer a dieta, é a única forma de ter uma vida saudável, sem as doenças do intestino e as doenças extraintestinais.” O prognóstico e o controle da doença, comparou o médico, são uma “maratona”, e não uma “corrida de 100 metros”.

Contaminação cruzada

O alerta final do gastroenterologista foi à contaminação cruzada, por meio de resíduos de glúten em cozinhas contaminadas, massinha de modelar, compartilhamento de pasta dental e até por cosméticos (se levada a mão à boca ou ao tocar alimentos, por exemplo). “É um problema porque os cosméticos não são obrigados a escrever ‘contém ou não glúten’. Medicamentos já nos dão uma dica [na composição]”, disse. “A casa do celíaco não pode conter glúten.” 

A presidente da Associação dos Celíacos do Paraná (Acelpar), Ana Claudia Cendofanti, se define como “celíaca de coração”. Como as filhas são celíacas, diagnosticadas na infância, ela também não comem glúten. “Ele saiu [do consultório] com o diagnóstico. Mas o que fazer agora?”, pontuou. A maior dificuldade, lembrou, está fora de casa, na “remodelação da nossa vida social” - da inclusão na escola até comer em uma festa de aniversário. 

Celíaca, a advogada Maria Helena Corrêa recebeu o diagnóstico já 23 anos, quando era noiva de Herivelto Oliveira. “Dá um medo profundo. [Você imagina] eu nunca mais vou comer”, lembrou. De lá para cá, contou, “muita coisa mudou”. “A gente está em uma cidade considerada um paraíso para os celíacos”, afirmou, destacando a atuação da Acelpar. “Está nas mãos do celíaco sua qualidade de vida. A gente controla nossa alimentação, a gente tem esse poder. Dentro de casa está tudo certo. A questão é quando a gente sai, é inserir esse celíaco na sociedade.” 

Para a advogada, são importantes as ações legislativas de acolhimento ao celíaco. Outro desafio é o custo da dieta sem glúten. Esses produtos começaram a chegar aos poucos aqui, lá por 2015, em 2013”, lembrou o vereador Herivelto Oliveira, propositor da audiência pública e marido de Maria Helena. “O problema é que são muito caros.” Lauro Miranda, sócio do Libéri Gastronomia, falou do segmento dos restaurantes sem glúten, “que estão bravamente resistindo a esse momento [de pandemia] que estamos passando”. 

Em mim, a manifestação veio por meio da dermatite herpetiforme”, relatou a publicitária Priscila Belischi. Autora do perfil no Instagram “Vamos falar sobre glúten”, ela também falou do “baque” do diagnóstico da doença celíaca, há 11 anos. A dieta, destacou, não é “frescura” ou “mimimi”, como pensam algumas pessoas. 

A diretora jurídica da Acelpar, Giseli Vilela da Silveira, foi diagnostica com a doença celíaca em 2015. Ela destacou o direito das pessoas hospitalizadas de terem a dieta garantida pelo hospital ou de levarem sua alimentação. O problema, de acordo com a advogada, “durante a pandemia veio à tona, isso se agravou”. Herivelto Oliveira lembrou que projeto de lei nesse sentido, proposto por Pier Petruzziello (PTB), tramita na CMC. A matéria está para inclusão na ordem do dia (005.00112.2020). 

Presidente da Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional da CMC, Professora Josete (PT) destacou a importância da garantia dos direitos às pessoas celíacas, “desse olhar a todas as situações”, por meio de políticas públicas. O Jornalista Márcio Barros (PSD) também prestigiou a discussão. Hoje chefe de gabinete do vice-prefeito Eduardo Pimentel, o ex-vereador Bruno Pessuti (Pode) falou de leis de sua iniciativa, da Semana Municipal de Conscientização à Doença Celíaca (15.648/2020) e da Rota Gastronômica da Comida sem Glúten (15.783/2020). 

Os convidados também responderam a questionamentos do público que acompanhava o debate. As audiências públicas, assim como as sessões plenárias e demais atividades da CMC, têm transmissão ao vivo pelos canais do Legislativo no YouTube, no Facebook e no Twitter.