Audiência indica linhas de ação para a Comissão da Visibilidade Negra
Com depoimentos dos movimentos sociais e de especialistas na história negra da capital do Paraná, a Câmara Municipal de Curitiba (CMC) realizou, nesta sexta-feira (22), uma audiência pública para apoiar as ações da Comissão Especial da Visibilidade Negra. Presidida por Carol Dartora (PT), a comissão tem a missão de revisar as denominações de monumentos e edificações públicas, para ampliar a presença do povo negro no contexto histórico e turístico da cidade. O evento foi transmitido ao vivo pelas redes sociais da CMC (confira aqui).
“Temos esse coletivo que vem pensando essa revisão dos monumentos, para recontar a história da população negra na nossa cidade, por meio dessa linguagem estrutural. A cidade conta uma história e a nossa foi negada por muitos anos. A gente cresce nessa cidade andando pela praça da Espanha, pela praça da Ucrânia, mas cadê a minha população? A história compõe a nossa subjetividade”, justificou Dartora.
“Temos que relatar a história de todas as pessoas que ajudaram a construir Curitiba, não só dos governadores e autoridades”, concordou João da 5 Irmãos (PSL), vice-presidente do colegiado. “Temos que fazer que os negros ocuparem mais espaços na cidade, que sejam representados conforme a sua população”, concordou o relator da comissão, Herivelto Oliveira (Cidadania). As vereadoras Maria Leticia (PV) e Professora Josete (PT), participaram da audiência, assim como representantes de Oscalino do Povo (PP), de Renato Freitas (PT) e dos deputados Goura (PDT) e Professor Lemos (PT).
Também apoiaram a iniciativa da Comissão Especial da Visibilidade Negra, relatando experiências pessoais e críticas ao racismo estrutural, que levou ao apagamento da população da história de Curitiba, Juliana Mittelbach (Rede Mulheres Negras do Paraná), a pedagoga Edelangela Macena Viana, Alexsandro Ribeiro Martins (Comissão de Igualdade Racial da OAB-PR), Jhonatan Martins (Coletivo Enedina UTFPR), Elis da Resistência Ativa Preta (UFPR), Almira Maciel (Movimento Negro Unificado), Nicole Oliveira (Coletivo Enegrescer), Telma Mello (Movimenta Feminista Negra) e Eliza Ferreira da Silva, do Movimento Negro do PDT.
“Moradora do Barreirinha há 35 anos, um bairro associado à cultura polonesa, nunca ouvi falar da presença negra em Curitiba. Achava na adolescência que nunca seria curitibana até entender que sou, sim. Que sou nascida e criada na cidade”, desabafou Eliza Silva. “[Curitiba] é uma cidade que se vende como capital europeia e desconsidera a contribuição na infraestrutura urbana, na religiosidade, na comida e na cultura que a população negra trouxe”, afirmou Juliana Mittelbach.
Linhas de ação
Para Rita Oliveira, defensora pública da União, o primeiro trabalho da Comissão da Visibilidade Negra deve ser reunir todas as referências ocultadas da presença negra na história de Curitiba em um relatório, que depois poderá ser desdobrado em políticas públicas de reavivamento dessa história. “Não é invencionismo [resgatar a história negra], é um direito previsto na Constituição Federal”, afirmou, citando os artigos 215 e 216, que tratam do direito a todos do pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional.
Falando em nome dos autores do livro “Os Nomes da Placa: a História e as histórias do monumento à Colônia Afro-brasileira de Curitiba” (disponível para download aqui), a pesquisadora e docente das UTFPR, Andrea Maila Voss Kominek, resgatou a história da placa comemorativa, em alusão aos 100 anos da abolição da escravatura, descerrada em 1988 pelo então presidente da CMC, Horácio Rodrigues. “São 68 nomes de personagens negros de Curitiba. Mas se você passa rápido por ali, nem percebe. Ou se parar, não vai entender, pois há apenas os nomes, sem profissão, nem outras indicações”, relatou.
Andrea Kominek colocou à disposição da Comissão Especial da Visibilidade Negra esse trabalho de pesquisa e outro, feito em decorrência deste primeiro, que reúnem documentos e histórias da população negra em Curitiba. Ela aproveitou para mostrar que o primeiro registro imagético da cidade, que é uma pintura de 1827, do que seria o Largo da Ordem, feita por Debret, tem apenas uma pessoa representada e se trata de um trabalhador negro.
Também a historiadora Joseli Maria Nunes Mendonça, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), à frente do projeto de extensão universitária Passeio AfroCuritiba, criado em 2015, autorizou a comissão a usar os resultados da pesquisa. Recentemente, Joseli Mendonça conduziu os vereadores da Visibilidade Negra pela rota, com nove locais, que reconta o protagonismo dessa população na construção de Curitiba. Ela contou que já pesquisava a negritude antes de se mudar para cá, nos anos 2000, e que ao chegar, diferente do que era sugerido por colegas, encontrou farta documentação e pesquisas sobre a presença negra no Paraná.
O roteiro do Passeio AfroCuritiba parte do chafariz da praça Zacarias e seguindo pelo Instituto de Educação do Paraná, pela antiga sede do Jornal 19 de Dezembro (na rua XV de Novembro, próximo a praça Osório), pela Biblioteca Pública do Paraná, pelo Pelourinho (na praça José Borges de Macedo), pela fonte da obra Água pro Morro e pela praça Tiradentes chega até a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito.
Já Regiane Idalina Sacerdote, presidenta do Conselho Municipal de Política Étnico Racial, pediu atenção da comissão para a história das religiões de matriz africana dentro da cidade. Conhecida como Mãe Regiane, ela resgatou notícias locais, de 1929 e 1931, que mostram a presença, e a repressão da polícia, aos terreiros de Curitiba já naquela época. “Está dentro do nosso sangue a resistência. A nossa religião, que atravessou o oceano, mostra resistência. Nós somos a resistência que veio nos navios negreiros, somos a resistência daqueles apanharam no pelourinho da praça Tiradentes”, disse.
Em resposta ao apelo de Mãe Regiane, Carol Dartora sinalizou que a comissão pode pensar numa legislação municipal de proteção aos templos de matriz africana, para evitar casos de intolerância religiosa como os citados pela presidente do conselho. Almira Maciel pediu que a comissão também considere a história dos movimentos sociais, lembrando que o MNU foi criado em 1978, “em plena ditadura militar”, após o assassinato de um trabalhador negro no Centro de Curitiba.
Confira aqui o registro fotográfico da audiência, no Flickr da CMC.
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