Audiência em Curitiba discutiu lei que pune violência política contra mulheres

por José Lázaro Jr. — publicado 26/11/2021 19h46, última modificação 26/11/2021 19h46
Organizada pela Procuradoria da Mulher, audiência reuniu especialistas para discutir e divulgar a nova lei federal.
Audiência em Curitiba discutiu lei que pune violência política contra mulheres

Com a pandemia, as audiências públicas da CMC são feitas por videoconferência. (Foto: Carlos Costa/CMC)

Desde agosto deste ano, com a vigência da lei federal 14.192/2021, o Brasil passou a ter uma norma que pune a violência política contra mulheres nas eleições, mandatos eletivos e dentro dos partidos políticos. Para discutir o impacto da nova legislação na política nacional, a Procuradoria da Mulher da Câmara Municipal de Curitiba (CMC), nesta quinta, 25 de novembro, por ocasião do Dia Internacional da Não Violência Contra a Mulher, reuniu especialistas para discutir a implantação da norma, seus pontos positivos e deficitários. 

Confira aqui o registro fotográfico no álbum da CMC no Flickr

A atividade foi coordenada pela vereadora Maria Leticia (PV), procuradora da Mulher na CMC, e transmitida ao vivo pelas redes sociais do Legislativo (confira aqui). “A violência contra a mulher é sistemática e está presente também na política”, justificou a parlamentar, lembrando que “os homens começaram a votar em 1532, enquanto nós, mulheres, começamos essa experiência em 1932”. “É uma diferença de 400 anos, que segue marcando até hoje um hiato entre a tão sonhada igualdade de gênero na política”, disse Maria Leticia, que abriu a audiência com um vídeo que compilava imagens de parlamentares tendo a palavra cortada, nos Legislativos, por vereadores homens.

Dada a novidade da legislação, a audiência buscou apresentar o mecanismo criado pela lei federal, que, por exemplo, positivamente aumenta em um terço as penas previstas, no Código Eleitoral, a quem divulgar conteúdos inverídicos em relação a candidatas mulheres. Mas, como destacado no debate, falha ao não estender proteções desse tipo a mulheres que participem de conselhos de direitos, que, na opinião das especialistas, também são espaços de poder onde a violência política de gênero se manifesta.

Durante o debate, foi anunciado, por Ana Moro, o lançamento do Fórum Paranaense de Mulheres de Partidos Políticos, no próximo dia 29, com a participação de 12 siglas partidárias e da Procuradoria da Mulher da CMC. “Será um espaço pluripartidário para acompanharmos as políticas de gênero”, explicou. E, no dia 2 de dezembro, o Observatório de Violência Política Contra a Mulher divulgará um relatório com dados das eleições municipais de 2020. “A violência política não escolhe partido, nem ideologia. Às vezes é mais agressiva, às vezes é mais sutil”, disse Tailane Costa, que integra o projeto da Transparência Eleitoral.

Mecanismo da lei
Primeira a falar na audiência pública, a pesquisadora da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Melina Girardi Fachin, buscou apresentar como funciona a lei 14.192/2021. “A lei define a violência política contra a mulher como ‘toda a ação, conduta ou omissão que tenha a finalidade de impedir, obstaculizar  ou restringir os direitos políticos da mulher’. Logo, a lei considera como exemplos dessa violência qualquer distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo ou exercício dos seus direitos e liberdades políticas fundamentais em virtude do sexo”, explicou Melina Fachin. Ela defende que as mulheres se informem sobre a legislação, para que ela não vire letra morta. “Precisamos compreender para instrumentalizar e potencializar ainda mais”, afirmou. 

Para a pesquisadora da UFPR, alguns dos pontos problemáticos da lei são “usar a palavra sexo ao invés de gênero, restringindo a aplicação da norma”; limitar sua incidência sobre os âmbitso eleitoral, parlamentar e partidário, quando “a gente sabe que política não se faz apenas aí”; e não prever a mesma proteção às mulheres no momento pré-eleitoral, “quando os partidos arregimentam seus filiados”. “Não haverá construção de políticas de gênero sem a participação das mulheres, por isso é tão importante que as mulheres participem e ocupem esse espaço, sem sofrer violência, e caso ela ocorra, que seja coibida na forma legislativa”, defendeu. 

A juíza eleitoral Adriana Simette, presidente da Comissão Mulher na Política, do Tribunal Regional Eleitoral dod Paraná (TRE-PR) acrescentou nos pontos positivos da nova legislação uma mudança na interpretação do ônus da prova para os casos de violência política. “A gente não sabe como vai se dar a interpretação da norma”, ela disse, para depois acrescentar que “a lei diz que se deverá dar peso importante à palavra da vítima. Há uma mudança importante no ônus da prova, em especial nos casos de assédio”, destacou. Ela entende a mudança na legislação como “um marco na evolução da presença feminina nos espaços de poder”.

Batalha por equidade
Para Mariana Nunes, da Defensoria Pública do Estado do Paraná, a divulgação da lei federal é importante para reverter um cenário de desigualdade, que, na opinião dela, é “vergonhoso”. O Brasil ocupa hoje a vergonhosa posição 142ª, em um ranking com 192 países, na participação de mulheres na política. A população brasileira hoje é majoritariamente feminina, com mais de 50% de mulheres, mas nos Legislativos não chega a 15% [de mulheres]. Na história do Brasil, tivemos apenas 8 governadoras mulheres. O fim da violência política contra as mulheres passa por se garantir a equidade de gênero nesses espaços [de poder]. Isso passa pela construção de políticas públicas afirmativas”, exemplificou.

Presidenta do Conselho Estadual dos Direitos das Mulheres, Maria Isabel Correa, reforçou que às mulheres cabe enfrentar “essa herança terrível, do machismo patriarcal, que vem do colonialismo, e que entra no capitalismo, e a gente continua sofrendo dela, desde que ao homem foi reservado o [espaço] público e, às mulheres, o privado”. “Se existem conquistas [das mulheres], elas vêm da gente entender esse processo e de desconstruí-lo”, afirmou. Ela lembrou que apesar da conquista da lei, “ainda não há no arcabouço legal a violência estrutural e a institucional, assim como as questões de interseccionalidade com as violências racial e de classe”. 

“Por mais importantes que sejam esses avanços legais, quando eles não vêm acompanhados de uma consciência coletiva mais ampla, pouco acontece. Você cria as cotas [para mulheres nas chapas proporcionais], daí os partidos preenchem o número mas não se empenham verdadeiramente em elegê-las”, criticou a cientista política Violeta Caldeira, que lembrou às participantes como “a honra das mulheres é ofendida com muita frequência dentro do parlamentos”. "Muitas vezes eu testemunhei, na Câmara Federal, o desrespeito quando uma mulher presidia uma sessão, com o tumulto, com as questões de ordem”, confirmou a deputada Rosane Ferreira (PV). 

Outro aspecto foi trazido por Laira Tenca, do Coletivo Cássia, de representatividade de mulheres lésbicas e bissexuais, que é a questão da interseccionalidade da violência contra as mulheres. “A participação de mulheres lésbicas na política, de mulheres negras, de mulheres indígenas, de mulheres PCD é importante não apenas para esses grupos, mas para a democracia. A gente deve celebrar a participação dessas mulheres na política, pois quando elas estão no poder, nós temos a comprovação da efetividade democrática”, argumentou. A audiência pública foi acompanhada pela delegada Vanessa Alice, que na Polícia Civil acompanha casos de violência na capital, e pela procuradora adjunta da Mulher da CMC, vereadora Noemia Rocha (MDB).