Audiência da Saúde: perfil de transmissão da covid-19 é o mesmo de 2020

por Pedritta Marihá Garcia — publicado 25/05/2021 19h45, última modificação 26/05/2021 08h32
A afirmação foi feita pelo diretor do Centro de Epidemiologia da Secretaria Municipal de Saúde, Alcides Augusto Souto de Oliveira, durante a audiência pública de prestação de contas da pasta.
Audiência da Saúde: perfil de transmissão da covid-19 é o mesmo de 2020

Conforme dados do Painel Covid-19 da Prefeitura de Curitiba, a capital do Paraná hoje contabiliza 208.679 casos confirmados, 5.249 óbitos e uma letalidade de 2,5%. (Foto: Carlos Costa/CMC)

“O perfil da pandemia não mudou em um ano: a transmissão da doença é intrafamiliar, são pessoas que se deslocam, aglomeram e levam a doença para dentro das suas residências, por isso a transmissão não cessa. Um dos nossos desafios é entender qual é esse deslocamento e o por que da aglomeração. Nós precisamos da adesão da sociedade para que isto diminua”. O alerta foi feito pelo diretor do Centro de Epidemiologia da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Alcides Augusto Souto de Oliveira, durante a audiência pública de prestação de contas da pasta, realizada nesta terça-feira (25) na Câmara Municipal de Curitiba (CMC). 

O debate durou cerca de quatro horas e meia e mobilizou a participação da população e de 25 dos 38 vereadores, foi transmitido pelas redes sociais do Legislativo e está disponível no YouTube, na íntegra. Os parlamentares fizeram perguntas orais e por escrito à secretária Márcia Huçulak e aos servidores da SMS, que responderam questionamentos e críticas relacionadas à execução do plano municipal de vacinação contra a covid-19 e às medidas restritivas que vêm sendo adotadas pela Prefeitura de Curitiba para o enfrentamento à pandemia.

A pasta ainda foi questionada pelo plenário a respeito da ocupação dos leitos de UTIs e enfermarias exclusivos para o tratamento da doença, sobre a testagem em massa da população, fechamentos de unidades de saúde e aquisições de medicamentos e insumos, como os kits intubação. Na audiência pública, que foi coordenada pela Comissão de Saúde, Bem-Estar Social e Esporte da CMC, a SMS também apresentou um relatório da sua execução orçamentária referente ao primeiro quadrimestre de 2021.

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Conforme dados do Painel Covid-19 da Prefeitura de Curitiba, a capital do Paraná hoje contabiliza 208.679 casos confirmados, 5.249 óbitos e uma letalidade de 2,5%. A chegada da doença em 2020 fez com que o padrão das internações na rede hospitalar, registrado desde 2017, fosse alterado: segundo a SMS, a principal causa de internamentos ainda são lesões, envenenamentos e causas externas (traumas ligados à violência interpessoal e acidentes), mas as doenças infecciosas e parasitárias (onde se enquadra a covid-19) tiveram um salto e se aproximam da segunda causa de internações que são as doenças do aparelho circulatório.

Quanto à mortalidade, as doenças infecciosas e parasitárias, que ocupavam a quarta posição como causa das mortes na capital em 2019, hoje já se equiparam às neoplasias (tumores). Atualmente, na bandeira laranja, a média de novos casos é de 890 por dia; e de mortes, entre 20 e 25. “O patamar ainda é elevado. De acordo com a nossa série histórica, tivemos aumento da doença nos meses de junho e julho e novembro e dezembro [2020] e agora em fevereiro e março. Agora, na última semana [de maio], novamente estamos tendo um aumento. Chegamos no final de abril com 5 mil casos ativos e hoje estamos com quase 10 mil casos ativos, isto significa a franca circulação da covid”, avisou o diretor do Centro Epidemiológico da SMS.

O perfil de transmissão da doença continua o mesmo do ano passado, continuou Alcides de Oliveira, ao explicar que a doença está nos 75 bairros da cidade, de forma dispersa – conforme levantamento da SMS, a regional com o maior número de casos é a do Boa Vista, com 27.212 e 762 óbitos, mas a maior incidência (número de casos relacionados ao tamanho da população) é no bairro Cidade Industrial de Curitiba, com 22,1 mil casos e uma população de 191.181 habitantes.

A covid-19 continua atingido mais mulheres do que homens, mas os homens ainda morrem mais em decorrência de complicações da doença. Com relação aos óbitos, o servidor da SMS alertou que as doenças cardiovasculares ainda são o principal fator de risco, mas na nova onda da doença “observou-se que a obesidade tem influenciado muito nos casos graves”. Já a taxa de internamento, que em 2020 oscilava em torno de 8% dos casos confirmados agora é de 9%. Com a vacinação, houve a redução de 80% no número de internamentos de pessoas acima dos 80 anos, mas quando se verifica a faixa etária entre os 50 e 59 anos, o número de internações subiu 31% no último quadrimestre.

“Isso significa que o vírus continuará circulando, procurando outros grupos etários para continuar sobrevivendo e transmitindo a doença. [Por isso], a doença precisa ser controlada no aspecto da transmissão e das novas variantes. A população terá de conviver com o vírus e não abandonar as formas de prevenção”, emendou Alcides de Oliveira, para depois explica que a contenção da covid-19 passa por “testagem, rastreamento, isolamento [social] e pelos serviços de saúde ofertando os internamentos”.

Testagem
Ao enumerar as três ondas da covid-19 pelas quais a cidade já passou até o momento – junho/julho e novembro/dezembro de 2020 e fevereiro/março de 2021 –, o diretor do Centro de Epidemiologia da SMS lembrou que o maior percentual de testes realizados ao longo de 14 meses de pandemia foi em março, com taxa de 35,3%. Até agora, Curitiba já realizou em torno de 636 mil testes de RT-PCR (que são registrados no sistema GAL, Gerenciamento de Ambiente Laboratorial da Secretaria de Estado da Saúde, SESA) e 28.945 testes de antígeno (registrados no sistema E-saúde da SMS).

Após reorganizar a rede pública municipal em março – , implantando, por exemplo, o sistema híbrido de atendimento (casos de covid-19 e casos graves de urgência e emergência) nas UPAs – agora, a pasta está ampliando a oferta de testes rápidos para a faixa etária entre 18 e 40 anos, “para ter celeridade na testagem do público de maior vulnerabilidade ou que seja mais acometido pela doença: o adulto jovem que circula mais, para trabalho, para lazer ou que aglomera com maior intensidade”.

Questionada por João da 5 Irmãos (PSL) se seria possível aplicar parte dos R$ 100 milhões do Fundo Emergencial, destinados à compra de vacinas, na realização de testes em massa, Márcia Huçulak explicou que a cidade já faz “mais de 3 mil exames PCR por dia” e que o “grande problema” é que a população jovem, que é economicamente ativa, faz o teste e precisa permanecer isolada mesmo antes do resultado, conforme orientação da própria SMS, continua saindo de casa.

“Em torno de 50% [desta população que realiza o teste] não está isolada. Porque se você foi testar agora, já recebe uma medida de isolamento, independente do resultado, [mas] as pessoas não se isolam. Elas continuam fazendo seu trabalho e só se isolam depois que recebem um resultado positivo”, reclamou, para depois recomendar que as pessoas não façam o teste sorológico, oferecido nas farmácias, “porque dá muita confusão”. “O sorológico é uma cicatriz da doença, ele demonstra que você teve a doença.” 

Traumas, leitos e hospital de campanha
Na audiência pública, a SMS também apresentou dados dos traumas que são atendidos pelo 192 – SAMU em Curitiba e região metropolitana e encaminhados para os pronto socorros de referência da região. Pedro Henrique de Almeida, da Diretoria do Sistema de Urgência e Emergência da pasta, lembrou que os traumas não são hoje a principal causa de mortalidade na cidade, mas são a principal causa de internação e, por isso, ocupam os espaços nas unidades hospitalares e consomem recursos, que são “disputados por outras doenças, em especial a covid-19”.

Por causa disso, a prefeitura também considera este tipo de atendimento para definir as medidas restritivas e de circulação na cidade. Durante a bandeira vermelha (em março), houve queda de registros de traumas no 192 (2.725 registros em fevereiro contra 1.907 no mês seguinte), mas cerca de dois terços foram de origem da RMC. Conforme Pedro Henrique, cerca de 90% dos atendimentos, quando são encaminhados para os hospitais, apesar de serem das cidades vizinhas são absorvidos pela rede hospitalar de Curitiba – hospitais do Trabalhador, Universitário Cajuru e Evangélico Mackenzie. O motivo é a falta de leitos: a RMC tem ocupado a maioria dos leitos com covid-19.

Em resposta à Marcelo Fachinello (PSC) sobre o número de leitos exclusivos para covid-19 abertos na cidade desde março do ano passado, a secretária de Saúde informou que “início da pandemia, foi trabalhada toda a rede hospitalar própria, com ampliação dentro dos hospitais” e que a medida que a pandemia foi evoluindo, a abertura de leitos acompanhou o número de casos. “Hoje já são 525 leitos de UTI exclusivos covid-19 que estão abertos e 726 leitos clínicos, leitos novos e criados especificamente para atender covid.” 

“Nós temos na RMC reversão de leitos, que têm comprometido nosso sistema de urgência em Curitiba, nós não fechamos os leitos. Nós mantivemos os leitos gerais, até porque as pessoas continuam infartando, tendo AVC, o trauma acontecendo, cirurgias oncológicas que demandam UTI. Esses 525 leitos exclusivos estão abertos, desde novembro não fechamos nenhum”, comparou Márcia Huçulak. Ainda para Fachinello, ela respondeu que o Ministério da Saúde “estabeleceu uma diária de R$ 1.600 por leito de UTI ocupado e nós pagamos R$ 800 por leito de UTI disponibilizado, para manter a equipe lá”.

À Professora Josete (PT), a equipe da SMS enumerou que até o momento da audiência pública, 369 pacientes aguardavam leitos de UTI e 193 leitos de enfermaria. “Da lista de espera pelas UTIs, 65 pacientes estão em UPAs de Curitiba e 84 deles estão em UPAs da RMC; pelas enfermarias, 71 estão em UPAs da capital e 91 estão na RMC. Também há pedidos por leitos que são de hospitais de pequeno porte e de outras regiões do estado. São pedidos hospitalares”, disse Pedro Henrique de Almeida. Sobre a decisão de não construir um hospital de campanha, a secretária de Saúde respondeu aos vereadores Eder Borges (PSD) e Salles do Fazendinha (DC) que “Curitiba tem uma rede hospital robusta” e que optou-se por fazer investimentos para ampliar o número de leitos clínicos e UTI para que essa estrutura ficasse como “legado” pós-pandemia. 

Aquisição de insumos e fechamento de unidades
Pastor Marciano Alves (Republicanos), Oscalino do Povo (PP), Professor Euler (PSD), Dalton Borba (PDT), Indiara Barbos (Novo), Marcos Vieira (PDT) e Noemia Rocha (MDB), presidente da Comissão de Saúde, também sabatinaram Márcia Huçulak e sua equipe sobre fechamentos de unidades de saúde, problemas no fornecimento de insumos e EPIs, em especial os kits intubação, para a rede municipal hospitalar e falta de servidores.   

Segundo a secretária, a prefeitura manteve, “desde o início da pandemia, o suprimento de todos os medicamentos com evidência científica, todo o suporte para nossas equipes de UTI, equipamentos de suporte à vida, ventiladores, monitores, respiradores, tudo o que é necessário para o bom atendimento ao cidadão”. Sobre o kit intubação, ela observou que o problema do fornecimento é nacional, há um “colapso na produção” pois são apenas duas empresas que produzem no país e que não conseguem atender a atual demanda. 

A falta de abastecimento do kit atinge 22 estados brasileiros, inclusive o Paraná, conforme Huçulak. “O kit intubação tem sido um desafio diário para nós, temos feito aquisições inclusive internacionais. Eu tratava com a Anvisa [sobre] um lote grande de neurobloqueadores que nós compramos da Índia, que está aqui em São José dos Pinhais e estou só esperando a liberação para irmos buscar”, informou. A compra, emendou, foi feita há cerca de um mês. Quanto aos hospitais conveniados e particulares, ela explicou que eles têm que fazer a própria aquisição. 

“[Hoje temos] 68 unidades abertas para atender normalmente a população, mais 11 destinadas à vacinação da covid-19”, garantiu a secretária de Saúde. Atualmente, apenas cinco estariam fechadas para reforma. Sobre a suspensão das cirurgias eletivas, determinada pelo decreto municipal 890/2021 e criticada por Maria Leticia por serem a “principal fonte de renda dos grandes hospitais, que terão dificuldades de manter os próprios pacientes com covid”, Márcia Huçulak assegurou que a medida foi tomada devido à crise de abastecimento das medicações para a intubação, que são usadas nos pacientes com covid-19 e nas cirurgias eletivas (que podem ser agendadas).

Também participaram deste debate, os vereadores Mauro Ignácio (DEM) e Ezequias Barros (PMB).

Balanço financeiro
Conforme o chefe do Núcleo Financeiro da SMS, Márcio Camargo, no primeiro quadrimestre de 2021 (janeiro a abril) as receitas totalizaram R$ 746.869.476,50, sendo 40,42% advindos de repasses federais e 56,4% recursos do tesouro municipal. Das despesas pagas, R$ 250,5 milhões foram com gastos de pessoal e encargos sociais e R$ 482,9 milhões em custeio do sistema. Especificamente no combate à covid-19, foram gastos R$ 2,2 milhões na atenção básica e R$ 49,7 milhões em serviços de média e alta complexidade. 

A audiência de prestação de contas quadrimestral da saúde é uma exigência da lei complementar federal 141/2012. Cabe ao gestor do SUS em cada esfera de governo apresentar à respectiva Casa Legislativa, até o final dos meses de fevereiro, maio e setembro, relatório com o montante e a fonte dos recursos aplicados no período; a oferta e a produção dos serviços da rede própria, contratada e conveniada; e as auditorias realizadas ou em fase de execução, com suas recomendações e determinações. 

Na Câmara de Curitiba, as audiências públicas de prestação de contas do SUS são coordenadas pela Comissão de Saúde, Bem-Estar Social e Esporte. Presidido pela vereadora Noemia Rocha, o colegiado também reúne Marcelo Fachinello, vice-presidente, João da 5 Irmãos, Oscalino do Povo e Pastor Marciano Alves. 

Na manhã desta quarta-feira (26), serão apresentados os balanços da Secretaria Municipal de Planejamento, Finanças e Orçamento e da Câmara Municipal de Curitiba, também referentes aos primeiros quatro meses de 2021. As sessões plenárias têm transmissão ao vivo pelos canais do Legislativo no YouTube, no Facebook e no Twitter