Audiência alerta para subnotificação de abusos infantis com escolas fechadas
Especialistas no combate do abuso e da exploração sexual infantil alertaram, durante a audiência pública promovida pela Câmara Municipal de Curitiba (CMC), nesta segunda-feira (24), que o fechamento prolongado das escolas deve ser uma das causas da queda nas denúncias de abuso e exploração sexual infantil. “Acreditamos que a violência aumentou na pandemia, mas as denúncias diminuíram e atribuímos isso à subnotificação”, afirmou a delegada Helen Victer, à frente do Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes (Nucria). Ela foi uma das participantes da atividade coordenada pelos vereadores Sargento Tânia Guerreiro (PSL) e Nori Seto (PP).
Durante o mês de maio, a CMC realizou várias atividades alusivas ao Maio Laranja, uma campanha nacional de conscientização contra a exploração sexual de crianças. Além da audiência de hoje, realizou uma Tribuna Livre com o presidente dos Conselhos Tutelares de Curitiba, discutiu o tema em plenário no 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, e iluminou o Palácio Rio Branco com as cores da campanha. A Sargento Tânia Guerreiro representou a CMC no Rio de Janeiro, ao lado da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, no evento que iluminou o Cristo Redentor de laranja contra a pedofilia.
Numa participação gravada, o secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Maurício Cunha, dirigiu-se aos participantes da audiência pública, agradecendo pela cooperação com o Maio Laranja. “É um mês muito importante para a gente”, admitiu. Ele explicou que a campanha se aplica tanto à exploração sexual, que é caracterizada pelo uso dos corpos e imagens das crianças e dos adolescentes com fins econômicos, comerciais. O abuso sexual se dá no próprio domicílio das vítimas, por isso é muito difícil de ser combatido.
Estatísticas da violência
“No Disque Denúncia de Direitos Humanos, houve 159 mil registros em 2019, dos quais 86,8 mil são de violações dos direitos de crianças e adolescentes. É um aumento de 14% em relação a 2018. A violência sexual é 11% das denúncias”, contextualizou Tânia Guerreiro, na abertura da audiência pública. “A cada três horas uma criança é uma vítima de violência e para caso denunciado, estima-se que outros 20 não são”, complementou Nori Seto.
À frente do programa de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Dedica), hoje ligado à Associação de Amigos do Hospital de Clínicas (AAHC) da UFPR, a médica Luci Pfeiffer relatou sua experiência de décadas no atendimento de casos graves e gravíssimos de abusos infantis. Ela apresentou número do Datasus, de 2018, quando foram registrados 149.373 casos de violência contra crianças e adolescentes, correspondendo a 40% do total. Menores de 1 ano de idade, foram 10.678. De 1 a 4, 22 mil e de 5 a 9, 18,3 mil. De 10 a 14 anos, 34,5 mil e, de 15 a 19, foram registrados 54,6 mil casos de violência.
Reforçando a importância do debate, Pfeiffer destacou o número de meninas e jovens que foram mães ainda na adolescência. “Temos 414 mil nascimentos de mães com menos de 19 anos”, frisou, apontando que, considerando só os casos com mães abaixo dos 14 anos de idade, são 19 mil recém-nascidos nestas circunstâncias. “E que programas nós temos? Pois aí há duas vítimas. O estupro dentro de casa rompe laços de confiança e a estrutura de personalidade dessa criança que é refém permanente dos seus agressores, homens e mulheres. Se uma sociedade quer ser menos agressiva, precisa cuidar das suas crianças”, defendeu.
Demétrius Oliveira, que por muitos anos dirigiu o Núcleo de Crimes Cibernéticos da Polícia Civil, deveria haver uma unidade específica para tratar desses casos, separado dos que têm menor potencial ofensivo. “O núcleo tinha de 10 mil a 15 mil procedimentos simultâneos, quando a capacidade laborativa, segundo um estudo da Polícia Civil, diz que um delegado tem condições de lidar com 250, 280 casos por mês”, demonstrou, expondo a dificuldade do combate à pedofilia. “Indiciávamos 500, 600 pessoas por ano. Quando você neutraliza quem comercializa, está salvando muitas crianças”, afirmou.
Acolhimento das vítimas
A delegada do Nucria deu ênfase na necessidade de uma rede institucional para apoiar as vítimas e seus familiares, pois o núcleo dispõe de cinco psicólogos, mas “a escuta especializada serve para fins investigativos, não é um tratamento”. Para Helen Victer, os familiares deveriam receber apoio e também os profissionais da educação, que estão na linha de frente dos atendimentos. “A mudança do comportamento em sala de aula diz muito sobre o que ela está passando em casa”, disse, reforçando a sinalização que o isolamento social, sem aulas, está na fonte de uma subnotificação dos casos.
“Pode ter muita criança em casa confinada com o abusador”, confirmou Casé Fortes, do Ministério Público de Minas Gerais, que participou do grupo de apoio da CPI da Pedofilia e é o autor do livro “Todos contra a pedofilia”. “Como se identifica um pedófilo? Não sei. Pode ser qualquer pessoa, pode ser homem, mulher, jovem, velho, na mansão, na favela… Em comum, todos têm a covardia. É preciso que no mês de maio a gente mande o recado, dizendo às autoridades que nós nos importamos, à sociedade que nós não aceitamos crimes de abuso e de exploração sexual e dizendo, para os criminosos em potencial, que estamos atentos. É importante que isso seja ostensivo”, declarou.
O presidente da Fundação de Assistência Social (FAS), Fabiano Vilaruel, relatou que de janeiro a abril havia 1.271 crianças em situação de rua “e os números têm aumentado”. “Há uma situação muito séria envolvendo o deslocamento, da região metropolitana, de crianças acompanhadas de adultos que não são seus responsáveis legais”, disse, mostrando-se preocupado com o impacto persistente da pandemia na economia. Tatiana Possa, diretora da FAS, relatou o esforço da fundação em identificar as crianças em situação de rua, adiantando que haverá campanhas do Executivo para incentivar a denúncia de abusos infantis.
Quando a participação popular começou, duas pessoas, Andressa e Lucas, contaram suas histórias de vítimas do abuso quando crianças e como conseguiram superá-las. Os vereadores Amália Tortato (Novo), Indiara Barbosa (Novo), Osias Moraes (Republicanos), Pastor Marciano Alves (Republicanos), Jornalista Márcio Barros (PSD), João da 5 Irmãos (PSL), Toninho da Farmácia (DEM) e Noemia Rocha (MDB). A audiência está disponível, na íntegra, no canal da CMC no YouTube (confira aqui) e os registros fotográficos estão no Flickr (disponível aqui).
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