As cores de Violeta Franco (1931-2006)
Obra de Violeta Franco, sem data, acrílica sobre tela, 96,7 x 130,2 cm. (Foto - Acervo do Museu de Arte Contemporânea do Paraná – MAC)
“Era uma garagem grande, dividida em três partes. Eu tinha uma parte dessa garagem, meu tio me deu pra fazer... Porque era uma forma que a minha família via de eu não sair de casa... Eu era rebelde (risos), andava com telas embaixo do braço, andava pra lá e pra cá. Eles acharam que assim seria melhor”, declarou Violeta Franco numa entrevista concedida em 2001 para a pesquisadora Katiucya Périgo. A garagem ficava no interior de uma chácara na Avenida Iguaçu, que pertencia ao avô de Violeta, o advogado Manoel Vieira Barreto de Alencar – um dos fundadores da UFPR. A partir de 1949, passou a ser o ateliê da jovem que, aos 17 anos, já fora aluna do mestre Guido Viaro e também receberia instruções de Poty Lazarotto sobre a gravura e suas técnicas.
“A Garaginha passou a ser o ponto de encontro de intelectuais, de artistas, de pessoas que passavam por aqui como Mário Cravo, Sérgio Milliet e uma série de outras pessoas que traziam luzes à escuridão, porque volta e meia vinham e conversavam, e mostravam o que faziam. (...) Alguns amigos também (...) passaram a freqüentar aquele local onde a gente tinha um coquetelzinho e todo um charme, porque o chão e as paredes eram forrados de esteira – que era uma coisa absolutamente escandalosa para a época – e a gente ficava descalço e sentado no chão em almofadas; tudo isso era um clima muito agradável, muito interessante e diferente de Curitiba”, diz o também artista plástico Fernando Velloso, em depoimento para estudo do pesquisador Artur Freitas.
Até indivíduos que não pertenciam ao ambiente artístico iam à Garaginha para se inteirar das novas ideias, ou mesmo apresentá-las aos jovens iconoclastas. Era esse o caso do industrial Mário Romani, que sempre voltava de suas viagens à Europa munido de revistas e livros sobre arte moderna, que eram consumidos avidamente pelos frequentadores da Garaginha.
Segundo Violeta, a Garaginha não durou mais que três anos e, apesar da informalidade, serviu para gestar projetos importantes como o Clube de Gravura de Curitiba, organizado por Violeta e por Alcy Xavier nos subterrâneos da então recém-fundada Escola de Música e Belas Artes do Paraná (EMBAP). O projeto tinha por molde o Clube de Gravura de Porto Alegre, dirigido por Carlos Scliar. Posteriormente, em 1951, o Clube se tornaria o Centro de Gravura de Curitiba, entidade de utilidade pública que tinha a participação dos artistas Nilo Previdi, Loio Pérsio (então casado com Violeta), Violeta Franco, Alcy Xavier, Blasi Jr, Gastão de Alencar, Jiomar José Turim, Osmann Caldas e Emma Koch.
Ruptura
O clima de ruptura entre tradicionalistas da arte paranaense e modernistas estava instalado e vozes descontentes se manifestavam de modo mais direto, como foi o caso do então jovem Dalton Trevisan (21 anos), que à frente da revista Joaquim, desferiu fortes golpes contra nomes consagrados da cultura paranaense como o poeta Emiliano Perneta e o próprio Alfredo Andersen.
Andersen foi o vetor para que muitos outros talentos se consolidassem no Paraná do começo do século XX. João Turin, Zaco Paraná, Lange de Morretes, Maria Amélia D’Assumpção, Miguel Bakun e os próprios Guido Viaro e Poty trabalharam, de alguma forma, sob a perspectiva que Andersen criou para a arte no Paraná. A influência foi tão forte e duradoura, que por anos freou a inserção de outras escolas e formatos artísticos, daí a importância de iniciativas como a Garaginha e como a galeria “Cocaco” (nome de um formão de origem alemã), a primeira galeria de Curitiba, criada pelos mesmos proprietários de uma fabriqueta de molduras na rua Ébano Pereira.
Se as ideias modernistas na arquitetura foram bem aceitas e incorporadas até na construção de edifícios públicos, o mesmo não se pode dizer de outras manifestações como as artes plásticas e a literatura. O clima de conflagração atingiu o ápice em 1957, quando os responsáveis pela organização do XIV Salão Paranaense excluíram da mostra e das premiações as pinturas com viés modernista.
Foram classificadas apenas as tradicionais paisagens e retratos paranistas. Paul Garfunkel, pintor que pertencia à geração anterior, mas que simpatizava com os jovens, rasgou sua premiação e retirou seus quadros da parede, gesto que foi seguido por muitos outros que também não concordavam com as diretrizes do júri. Loio Pérsio, um dos participantes, chegou a publicar naquela mesma semana um manifesto intitulado “XIV Salão Paranaense, ou a burrice oficializada”. As obras modernistas preteridas pelo júri foram expostas como protesto no hall de entrada da Biblioteca Pública do Paraná, sob o título “Salão dos Pré-Julgados”.
Violeta neste momento estava em São Paulo, estudando, participando de mostras coletivas e individuais. Colaborou com a artista Miriam Xavier Fragoso numa escola experimental, prática que anos depois desenvolveria no Centro de Criatividade no Parque São Lourenço em Curitiba. Esse acúmulo de vivências e experiências profissionais possibilitou à Violeta condições para dirigir o setor de gravuras da Fundação Cultural de Curitiba ao longo dos anos 1970 e meados dos 1980. Esteve envolvida inclusive com a criação do núcleo de gravura instalado no Solar do Barão.
Cores
Em depoimento para a Revista de Arte (Curitiba, 2001), o estudioso Fernando Bini fez algumas considerações sobre a pintura de Violeta Franco. “O tema do quadro passado para o segundo plano, Violeta vai em busca das massas coloridas, dos ritmos das cores, ao encontro da luminosidade. A coerência expressionista se mantém mas o seu espírito irrequieto leva sua obra a se fundamentar na mudança, nas mutações, nas metamorfoses. As texturas densas e as cores soturnas se tornam mais simples, mais chapadas, mais planas, mais luminosas e, com Delaunay, ela descobre o papel fundamental da cor na prática pictural, que guardam do expressionismo a gestualidade: as vezes são pictogramas circulares ou elípticos outras vezes formas geometrizadas próximas do graffiti, pinceladas translúcidas e cromatismo sutil com um intenso sentimento de natureza”.
Além da sua presença na história das artes plásticas em Curitiba e no Paraná, Violeta também marcou presença pelo seu comportamento simples e despojado. Na mesma entrevista concedida em 2001 ela declarou: “eu era desse jeito que eu sou até hoje, mas... (rindo) os outros é que eram mais quietos, mais enquadrados, eu era até tímida... Agora, sempre tentei fazer aquilo que eu achava que devia fazer”.
Referências Bibliográficas
“Ser visto é estar morto: Miguel Bakun e o meio artístico Paranaense (1940-1960)”, dissertação de mestrado apresentada por Katiucya Périgo na Pós Graduação em História da UFPR, em 2003.
“A consolidação do moderno na história da arte do Paraná, anos 50 e 60”, artigo escrito por Artur Freitas para a Revista de História Regional, n° 8. Publicada pela UEPG, em 2003.(Link aqui)
Enciclopédia Itaú Cultural – Artes Visuais. Verbete: Franco, Violeta. (Link aqui)
“Artes e amores de Violeta, a rebelde”, artigo de Aramis Millarch, publicado originalmente no Jornal O Estado do Paraná, em 02/04/1991. (Link aqui)
“Violeta Franco, a natureza por expressão”, artigo de Fernando Bini publicado na seção Lendo Arte, do Museu Virtual (Muvi).
“Os Moços na Província: a revista Joaquim e o campo literário no Paraná”, de Natália Romanovski. Trabalho de conclusão de curso apresentado na Graduação em História, da UFPR, em 2008. (Link aqui)
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