Arma proibida, crime extinto?
Mario Celso Cunha
Mais de 122 milhões de eleitores brasileiros participarão do referendo do dia 23 de outubro, no que o Tribunal Superior Eleitoral considera a maior consulta popular informatizada do mundo. Os eleitores, espalhados pelos 5.564 municípios, irão às urnas para decidir apenas se a comercialização de armas de fogo e de munição no Brasil deve ou não ser proibida. O custo dessa mobilização: R$ 250 milhões.
O “sim” ou o “não”, ao contrário do que muitos imaginam, não vai acabar com as armas ou reduzir a violência. Não será uma consulta para desarmar alguém, mas apenas para proibir a venda, ainda assim com exceções.
Ocorre que exatamente daqui a pouco menos de um ano, alguns a mais do que os 122 milhões irão às urnas, gerando gastos ainda maiores, para a escolha democrática do presidente da República, senadores, deputados federais e estaduais. Não seria uma medida inteligente economizar-se os milhões e acrescentar apenas mais um item na cédula eletrônica de votação em 2006?
Essa é apenas uma das perguntas que ainda não foi respondida sobre a questão do plebiscito, a qual todos estamos sendo convocados e que, pelo menos até agora, não vem provocando o mínimo de entusiasmo entre os eleitores.
Plebiscitos são utilizados, em países de primeiro mundo, para decidir sobre questões fundamentais para a vida das populações. No Brasil, será usado para uma decisão que poderia ser simplesmente proposta para debate no Congresso Nacional, um foro legítimo e representativo, que tem decidido sobre questões muito mais importantes do que a venda de armas de fogo.
Que real eficácia terá o plebiscito se, como pesquisas indicam, a proibição for vitoriosa? Teremos menos violência, menos crimes, mais segurança?
Nos Estados Unidos, que é considerado o país onde existe o maior número de armas no mundo, o índice de homicídios é de 5,7 por mil habitantes. No Brasil, que tem quase 1% do volume de armas existentes no território americano, a média nacional é de 27,5 por mil. Seriam apenas as armas as responsáveis pelas estatísticas?
Não seria muito mais eficiente armar a polícia ao invés de desarmar o cidadão de bem?
É claro que 88% dos homicídios no país são decorrentes de armas de fogo e que o Brasil está apenas atrás da Venezuela entre 57 países com as maiores taxas de morte causadas por armas de fogo? Mas, o crime é apenas fruto da arma ou conseqüência de uma situação social que a cada dia torna mais brasileiros excluídos e marginalizados, sem emprego e renda?
Infelizmente, são muitas as perguntas que ficam sem respostas quando se fala sobre plebiscito que, além de tudo, se baseia numa propaganda até certo ponto fantasiosa, que leva a crer que se estará votando pelo desarmamento da sociedade, quando na verdade se quer definir apenas se as empresas fabricantes devem vender ou não armas.
Há argumentos prós e contras a venda de armas, numa discussão que nos parece inútil e que serve especialmente para desviar a atenção sobre a grave crise política que atravessa o país.
É claro que existem índices positivos com a campanha do desarmamento em São Paulo, onde teria se registrado uma queda de 16% dos homicídios. Mas, é importante lembrar que no mesmo período, no Rio de Janeiro, o número de homicídios dolosos cresceu 14,6%, segundo registrou recentemente a imprensa.
Não seria interessante buscar a origem das armas utilizadas por marginais? Seriam elas compradas nas lojas ou contrabandeadas do Paraguai ou da Bolívia, onde se vende armas ao lado de eletrônicos e brinquedos?
Antigamente os feridos por balas, no Rio de Janeiro e São Paulo, eram socorridos e salvos em cirurgias de emergência. Hoje, quase todos morrem no local do tiroteio porque os marginais usam fuzis americanos ou granadas russas, que não são comprados no balcão da loja.
Sem esquecer que somente este ano mais de 900 policiais foram alvo de inquéritos administrativos por associação com o crime. Estes sim, portando armas que são compradas de forma legal. Então, seria necessário também desarmar a má polícia?
Num país que já tem em vigor uma lei rígida, que cria imensas dificuldades para se comprar e utilizar uma arma precisa fazer mesmo um plebiscito para saber se proíbe ou não a sua fabricação?
Não estaremos desarmando o homem de bem, que ficará ainda mais indefeso?
As dúvidas são muitas, mas não vão alterar a disposição de se ir às urnas, a custos milionários, atrás apenas de um “sim” ou de um “não”. Dinheiro que, com certeza, seria muito melhor empregado no Fome Zero, programa que levou Lula à presidência e do qual pouco se ouve falar e que, com certeza, frusta as esperanças de milhões de brasileiros.
Ir às urnas se justificaria, apenas, para que a população votasse a favor de um pacto nacional pelo desarmamento, geral e irrestrito. Mas, infelizmente, vamos votar para decidir apenas o futuro de meia dúzia de empresas brasileiras, que vão demitir, mudar de ramo ou fechar.
Uma solução simplista e, com certeza, de pouca ou nenhuma eficácia.
Mario Celso Cunha é jornalista, radialista, vereador e líder do prefeito na Câmara Municipal de Curitiba.
Reprodução do texto autorizada mediante citação da Câmara Municipal de Curitiba