Com seis votos contrários e 17 favoráveis, em votação simbólica, a Câmara Municipal de Curitiba (CMC) aprovou indicação ao Executivo para que o restaurante do Programa Mesa Solidária, localizado na rua Barão do Cerro Azul, ao lado da praça Tiradentes, seja transferido para outro ponto da capital paranaense. A discussão da proposta, que não é impositiva à Prefeitura de Curitiba, começou na sessão plenária de terça-feira (6), mas, devido ao fim do tempo regimental, só foi retomada na quarta-feira (7) e concluída após quase 2 horas de debate. 

A sugestão (205.00230.2023) foi apresentada pelo vereador Eder Borges (PP). Ontem, ele argumentou que o programa é “desastrado”, pois leva transtornos para o entorno da praça e para o Centro Histórico. Segundo o vereador, comerciantes relatam que a população assistida pelo Mesa Solidária “desperdiça comida”. “Lá não é lugar para programas como esse. Esse programa deve estar em áreas de vulnerabilidade social. Pertinho do Centro, temos a Vila Torres, ali tem pessoas que realmente precisam deste programa, e não no Centro. É mais fácil pedir esmolas do que trabalhar”, emendou. 

“Olha que absurdo, eles comem a carne e simplesmente jogam fora o feijão e o arroz. É um desperdício de comida e vem causando um problema de saúde pública, porque comida na rua atrai ratos, baratas, atrai esses animais. E como se isso não bastasse, […] existem pessoas ruins que são atraídas por este tipo de programa [social]. Gente que fica assaltando ali na região, que fica fazendo abordagens importunas a transeuntes, pedindo esmolas de forma mais agressiva, e isso está acabando com o comércio da região”, justificou Eder Borges, ao informar ter protocolado, na semana passada, projeto de lei que regulamenta a criação de uma campanha de desincentivo a esmolas. 

Para o vereador, a caridade “é louvável, mas está no lugar errado”. “Os turistas que vêm a Curitiba mal podem transitar pelo Centro Histórico, que sempre teve problemas com esses ‘nóias’, como se diz, e que vêm sendo atraídos por esses programas, que os convidam a permanecer numa vida indigna, a permanecer na rua, onde têm tudo de graça, tudo de maneira fácil, e isso traz o caos para a nossa cidade”, analisou. Na sua opinião, continuou, “o Centro não é uma área de vulnerabilidade social”.

Polêmica em plenário

Ainda na terça-feira, Eder Borges foi aparteado por alguns vereadores. Vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos, Defesa da Cidadania, Segurança Pública e Minorias, Jornalista Márcio Barros (PSD) criticou a generalização “burra” de que todos os assistidos pelo programa seriam “noias” e perguntou “qual bairro seria o ideal para fazer este atendimento?”, ao citar a hipótese que outros requerimentos sejam protocolados pedindo para que o Mesa Solidária seja levado a outros bairros. “Aqueles onde vivem pessoas em situação de pobreza”, respondeu o autor da proposição. 

“[Antes do programa], tínhamos situações que eram um problema: os alimentos eram entregues nas marquises. O que era muito pior: eles se alimentavam ao lado dos sacos de lixo, dos cães e comiam com a tampa da marmita. Com o Mesa Solidária, isso mudou muito. As instituições estão dentro do restaurante que serve a alimentação. Eles [pessoas em situação de vulnerabilidade assistidas pelo programa] estão, felizmente ou infelizmente, no Centro da cidade. Não existe esta possibilidade. Isso seria uma medida higienista, tirar dali [o restaurante] para mandar para um outro bairro distante, onde eles não teriam condições de ir”, rebateu Márcio Barros. 

Borges continuou reforçando que o programa prejudica o Centro de Curitiba. “Existem pessoas que precisam, sim, de ajuda e a prefeitura oferece ajuda. Mas tem muitas pessoas que estão lá, porque querem ficar se drogando, tomando Corote [uma marca de cachaça]. E este tipo de programa está, sim, no lugar errado. Está prejudicando o comércio, a população. Não podemos ser demagogos, tapando o sol com a peneira. […] O nosso Centro está padecendo no caos”, afirmou. “Tem lugar para isso, que são os bolsões de pobreza. […] Leva para o Parolin, leva para a Vila Torres. Têm vários locais assim na cidade, onde as pessoas realmente precisam deste serviço. E que não venha trazer este tipo de problema no Boqueirão, no Centro, no Cristo Rei, nas imediações do Mercado Municipal”, completou o vereador. 

Rodrigo Reis (União) saiu em defesa da iniciativa, concordando com “tudo o que o Eder está falando”. De acordo com o parlamentar, a insatisfação dos comerciantes e dos moradores não seria isolada ao Centro da cidade, mas também em bairros como Boqueirão e Jardim Botânico, onde associações de moradores pedem a retirada de equipamentos sociais. Ele disse que locais com “esse tipo de atendimento” não estão corretos e relembrou que, numa unidade da FAS localizada em frente à Câmara, já desativada, era comum os assistidos comerem no local e passarem o dia na praça Eufrásio Correia “vendendo drogas”. 

Favorável ao requerimento, Alexandre Leprevost (Solidaridade) observou que tanto Eder Borges quanto Jornalista Márcio Barros “têm razão”, mas que a indicação aponta para um problema “estrutural e organizacional”. “O espaço é muito pequeno para atender uma quantidade grande de pessoas, gerando imensas filas. A situação é realmente delicada para os comerciantes e turistas da cidade, que não têm a mínima possibilidade de frequentar aquela região. É um fato. […] A prefeitura tem que pegar um imóvel maior e organizar isso e não naquela salinha na esquina da Catedral. Eu passei lá antes de ontem, a praça Tiradentes está um caos”, disse ele, que preside a Comissão de Saúde e Bem-Estar Social do Legislativo. 

“O Centro de Curitiba está uma lástima. Sou procurado diariamente por moradores e comerciantes. Desafio os vereadores a ir no calçadão da rua XV [de Novembro] durante a luz do dia e ver como estão as marquises da rua XV em pleno horário comercial. A drogadição tomou conta do Centro e nós precisamos, sim, resgatá-lo”, completou Leprevost, ao adiantar que está organizando uma audiência pública com moradores, comerciantes da região e representantes da Prefeitura de Curitiba, para discutirem o resgate da “essência do Centro”. 

Visão “higienista”

Na discussão dessa quarta-feira, a autora do pedido para que a votação fosse nominal – rejeitado pelo plenário – e contrária à indicação, Professora Josete (PT), lembrou que Curitiba é uma das cidades mais desiguais da América Latina, com “poucos com renda altíssima e muitos com renda mínima ou nenhuma” e, em sua opinião, a indicação aprovada é o reflexo de uma “visão higienista da cidade”. “Não se tem um olhar humanizado sobre as pessoas que estão em situação de rua, um olhar que olha o outro ser humano com empatia. Olha como se essa pessoa fosse um marginal, um criminoso. Pontualmente, entre a população em situação de rua, obviamente existe aquele criminoso. Mas isso é uma questão pontual.” 

Vice-presidente da Comissão de Serviço Público, a vereadora argumenta que é cruel ouvir que “as pessoas têm que ser levadas para o Parolin e para a Vila Torres”. “É a mesma lógica de que quem está em uma ocupação é marginal. É perverso trazer um conceito que criminaliza, um conceito que higieniza. Trazer esta lógica, que não traz a solução para um problema, é jogar as mazelas para debaixo do tapete, e isso significa criminalizar as pessoas. Ouvir ainda que existe uma ‘essência do Centro’. Isso é esconder a desigualdade? É só mostrar o que dá certo numa cidade? E aí os problemas temos que colocar de lado?”, indagou. 

Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Giorgia Prates – Mandata Preta (PT) corroborou a opinião da colega de partido e analisou que o problema da região da Tiradentes e de outras partes da cidade, colocado dessa forma, remete à aporofobia, que significa aversão a pobres. “O programa tem uma função social, pensa numa política pública não só de inclusão, mas de sobrevivência. E o que nós fazemos aqui? A gente vem julgar a atuação situação dessas pessoas, que é de miséria, […] colocando todo mundo do Parolin como se fosse a mesma situação? Lugares como Parolin e Vila Torres precisam de políticas públicas.”

Ainda segundo Giorgia Prates, antes de apresentar uma sugestão da forma como foi colocada, pedindo a retirada do restaurante do Mesa Solidária do Centro, Eder Borges deveria ter ido ao local para conhecer a realidade de perto; ouvir as pessoas que são assistidas lá para entender p porque de elas estarem nas ruas. “Falta conhecimento do que está falando”, disparou a vereadora, que julgou a proposta como “ideológica” e não “realista”.  

Em defesa do Mesa Solidária

Após as críticas de Eder Borges, Tico Kuzma (PSD), saiu em defesa do Mesa Solidária. “[O vereador dá a entender que,] com a implantação do programa, esses problemas vieram a acontecer. É provável que os comerciantes se incomodem com a situação, mas é importante defender o Mesa Solidária. Ele veio para ser a porta de entrada para os programas sociais da prefeitura. Ele veio para tentar organizar aquilo que acontecia antes. Não é um programa desastroso. Ele faz parte da estratégia do poder público para o atendimento às pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social, e também em [questões de] segurança alimentar e nutricional, incluindo as pessoas em situação de rua”, argumentou o líder do governo na CMC. 

O parlamentar complementou sua fala, informando números do programa, que oferece, em média, em cada uma das três unidades, cerca de 850 refeições por dia; mobilizando o trabalho social de 57 organizações sociais e de mais de 1.000 voluntários. “[Desde sua implantação, em 2021], já foram servidas mais de 1 milhão de refeições”, completou. A unidade localizada no Centro da cidade foi pensada para aquela região justamente para atender a população em situação de rua que lá já estava. 

“Não adianta a prefeitura tirar dali e levar para o Parolin, pois aqueles moradores vão continuar ali [nos arredores da praça Tiradentes]. E vamos voltar à situação que era antes, com as pessoas entregando as marmitas na rua. [Além disso,] as pessoas não vão ter alimentação digna”, reforçou o líder. Ainda segundo Kuzma, o restaurante do Centro, onde cerca de 500 pessoas recebem alimento diariamente desde março deste ano, conta com um posto avançado da FAS, que atua no encaminhamento das pessoas interessadas em ser atendidas pelos programas sociais da prefeitura. “Já foram realizados 53 atendimentos e 228 orientações e encaminhamentos.” 

Ao defender sua opinião sobre o programa, Eder Borges respondeu a liderança do governo dizendo que as críticas foram ao “local” do atendimento. “Eu questiono o local onde está. […] Programas como esse acabam estimulando essa população de rua a permanecer no Centro da cidade, quando, na verdade, precisamos desestimular que essas pessoas frequentem o Centro da cidade. Existe muita marginalidade nisso. Minha proposta é trazer para o debate formas de nós ressuscitarmos Curitiba e não permitirmos que fique ainda pior. Programas assistencialistas, ao meu ver, acabam contribuindo para piorar o Centro”, finalizou. 

Também participaram da discussão os vereadores Bruno Pessuti (Pode), Ezequias Barros (PMB), João da 5 Irmãos (União), Oscalino do Povo (PP) e Noemia Rocha (MDB). 

Apesar de não serem impositivas, as indicações aprovadas na CMC são uma das principais formas de pressão do Legislativo sobre a Prefeitura de Curitiba, pois são manifestações oficiais dos representantes eleitos pela população e são submetidas ao plenário, que tem poder para recusá-las ou endossá-las. Por se tratar de votação simbólica, não há relação nominal de quem apoiou a medida – a não ser os registros verbais durante o debate, que ficam disponíveis à população no canal do YouTube ou nas notas taquigráficas.


*Notícia revisada pelo estudante de Letras Brunno Abati
Supervisão do estágio: Alex Gruba