A origem do Passeio Público (127 anos de história)
por João Cândido Martins
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publicado
03/05/2013 08h30,
última modificação
27/05/2022 16h57
O italiano Francisco Fasce Fontana fez fortuna no Uruguai com a industrialização e o comércio de erva-mate. No começo da década de 1880, o empresário esteve em Curitiba para cobrar uma dívida e acabou se instalando, após casar com a filha do desembargador Ermelino de Leão, nome de peso entre os ervateiros paranaenses.
Em 1885, o presidente da Província do Paraná, Alfredo Taunay, ficou bem impressionado com o serviço de saneamento que Fontana promoveu no terreno de sua mansão (o chamado “Palacete das Rosas”), e o convidou para a condução dos melhoramentos daquele que viria a ser o primeiro parque público de Curitiba. A ideia era sanear e embelezar uma área alagadiça nas proximidades do Atalho da Graciosa para evitar a proliferação de agentes vetores de doenças. Fontana aceitou sabendo que o empreendimento traria benefícios para toda aquela região (que à época já era conhecida como Glória, em função do Engenho da Glória, de propriedade de Fontana).
Ele marcou época com suas técnicas inovadoras para a industrialização do mate. Delegou ao engenheiro italiano Lazzarini (que também trabalhou na estrada de ferro e na construção da Catedral) a tarefa de promover os melhoramentos no banhado. Tais intervenções foram feitas às pressas, porque precisavam ser concluídas antes do fim da gestão de Taunay. Fontana, envolvido com o projeto, injetou dinheiro do próprio bolso para que o parque se materializasse.
Mesmo inacabado, o parque teve boa receptividade entre a população. Foi batizado de “Passeio Público”, a exemplo de muitos outros espaços feitos com o mesmo objetivo, como os Passeios Públicos de Vila Bela, no Mato Grosso, criado em 1773; Vila Boa de Goiás, fundado em 1778; Rio de Janeiro, construído entre os anos de 1779 e 1883; e o de Salvador, datado de 1803. Todos foram inspirados no Passeio Público doado para a cidade de Lisboa pelo Marquês de Pombal, em 1764.
Ao lado do Passeio Público, o antigo Atalho da Graciosa também recebeu melhoramentos e passou a se chamar Boulevard 2 de Julho (posteriormente se tornaria a Avenida João Gualberto). Em seu entorno foram instalados os mais exuberantes palacetes da era dos barões da erva-mate. De certa forma, o Passeio acabou valorizando a região que, ao lado do Batel, passou a reunir as residências dos cidadãos mais abastados. Não por acaso, a linha de bondes iniciava no engenho do Barão do Serro Azul, no Batel, passava pelo centro da cidade e acabava em frente ao Engenho da Glória, alguns metros depois da entrada do Passeio. Segundo o historiador Magunus Pereira, a diversidade e exuberância da vegetação do Passeio foi uma forma dos ervateiros criarem um ambiente que se diferenciasse do “caótico mato que envolvia a cidade”.
Fontana foi escolhido como o primeiro administrador do parque, mas ao contrário do que ele provavelmente desejava, sua gestão durou pouco. Entendia ele que os lazeres e serviços oferecidos deveriam ser cobrados e, dessa forma ele conduziu os negócios, até a instalação do carrossel, também conhecido como a “elegante máquina de cavalinhos”.
Revolta Popular
No entendimento da pesquisadora Cassiana Lícia Lacerda, “essa máquina, certamente, proporcionava um sentimento de conquista povoando o imaginário dos adultos e das crianças, causando até certo tumulto”. O alvoroço provocado pelo carrossel na população pelo mecanismo foi tão intenso, que Fontana criou regras e aumentou os preços para o uso da máquina. Houve desconforto popular. As mudanças políticas diminuíram as verbas destinadas ao Passeio. Fontana ficou contrariado, pois teve de bancar a custas da manutenção do local (como já havia feito por ocasião das obras iniciais de saneamento).
A situação que realmente o deixou furioso aconteceu quando fiscais da administração pública foram lhe cobrar recibos e notas fiscais das obras que ele mesmo estava pagando. Isso o tirou do sério a tal ponto que ele fechou os portões do Passeio em represália. Diante dos portões fechados do Passeio Público, os populares quase promoveram uma revolta armada. O povo em massa invadiu o parque numa clara demonstração de que aquele espaço era de todos, era “res” pública. A cena não parece combinar com o pacato cenário sugerido pelos relatos da Curitiba antiga, mas em 1889 todo o Brasil atravessava uma turbulência política gerada pela iminência da República. Fontana, que possuía inegáveis vínculos com a monarquia, resolveu se afastar da direção do Passeio Público que, no decorrer dos anos seguintes, passou por inúmeras transformações.
Quando Fontana faleceu, o jornal “A República” publicou um obituário dizendo que ele fora responsável pela iniciativa do projeto do parque e pela doação do terreno. Em verdade, a iniciativa de se criar um parque veio de Taunay e o terreno pertencia em sua maior parte à administração municipal. Curiosamente, o mesmo texto publicado erroneamente por “A República” foi usado em duas placas de bronze instaladas no Passeio. E o busto de Fontana que se encontra na entrada do parque é de mármore, um material mais comum em cemitérios.
*O Passeio Público foi inaugurado às três horas da tarde do dia 2 de maio de 1886, um domingo. Surgido de necessidades sanitaristas, o parque permanece até hoje como um pedaço de área verde em meio à cidade.
Referências Bibliográficas:
Passeio Público, primeiro parque público de Curitiba. Boletim Informativo da Casa Romário Martins, vol. 26, número 124. Agosto de 2001. Texto de Cassiana Lícia de Lacerda.
Semeando iras rumo ao progresso – Ordenamento jurídico e econômico da Sociedade Paranaense, 1829-1889 (Magnus Roberto de Mello Pereira. Editora da UFPR, 1996).
Em 1885, o presidente da Província do Paraná, Alfredo Taunay, ficou bem impressionado com o serviço de saneamento que Fontana promoveu no terreno de sua mansão (o chamado “Palacete das Rosas”), e o convidou para a condução dos melhoramentos daquele que viria a ser o primeiro parque público de Curitiba. A ideia era sanear e embelezar uma área alagadiça nas proximidades do Atalho da Graciosa para evitar a proliferação de agentes vetores de doenças. Fontana aceitou sabendo que o empreendimento traria benefícios para toda aquela região (que à época já era conhecida como Glória, em função do Engenho da Glória, de propriedade de Fontana).
Ele marcou época com suas técnicas inovadoras para a industrialização do mate. Delegou ao engenheiro italiano Lazzarini (que também trabalhou na estrada de ferro e na construção da Catedral) a tarefa de promover os melhoramentos no banhado. Tais intervenções foram feitas às pressas, porque precisavam ser concluídas antes do fim da gestão de Taunay. Fontana, envolvido com o projeto, injetou dinheiro do próprio bolso para que o parque se materializasse.
Mesmo inacabado, o parque teve boa receptividade entre a população. Foi batizado de “Passeio Público”, a exemplo de muitos outros espaços feitos com o mesmo objetivo, como os Passeios Públicos de Vila Bela, no Mato Grosso, criado em 1773; Vila Boa de Goiás, fundado em 1778; Rio de Janeiro, construído entre os anos de 1779 e 1883; e o de Salvador, datado de 1803. Todos foram inspirados no Passeio Público doado para a cidade de Lisboa pelo Marquês de Pombal, em 1764.
Ao lado do Passeio Público, o antigo Atalho da Graciosa também recebeu melhoramentos e passou a se chamar Boulevard 2 de Julho (posteriormente se tornaria a Avenida João Gualberto). Em seu entorno foram instalados os mais exuberantes palacetes da era dos barões da erva-mate. De certa forma, o Passeio acabou valorizando a região que, ao lado do Batel, passou a reunir as residências dos cidadãos mais abastados. Não por acaso, a linha de bondes iniciava no engenho do Barão do Serro Azul, no Batel, passava pelo centro da cidade e acabava em frente ao Engenho da Glória, alguns metros depois da entrada do Passeio. Segundo o historiador Magunus Pereira, a diversidade e exuberância da vegetação do Passeio foi uma forma dos ervateiros criarem um ambiente que se diferenciasse do “caótico mato que envolvia a cidade”.
Fontana foi escolhido como o primeiro administrador do parque, mas ao contrário do que ele provavelmente desejava, sua gestão durou pouco. Entendia ele que os lazeres e serviços oferecidos deveriam ser cobrados e, dessa forma ele conduziu os negócios, até a instalação do carrossel, também conhecido como a “elegante máquina de cavalinhos”.
Revolta Popular
No entendimento da pesquisadora Cassiana Lícia Lacerda, “essa máquina, certamente, proporcionava um sentimento de conquista povoando o imaginário dos adultos e das crianças, causando até certo tumulto”. O alvoroço provocado pelo carrossel na população pelo mecanismo foi tão intenso, que Fontana criou regras e aumentou os preços para o uso da máquina. Houve desconforto popular. As mudanças políticas diminuíram as verbas destinadas ao Passeio. Fontana ficou contrariado, pois teve de bancar a custas da manutenção do local (como já havia feito por ocasião das obras iniciais de saneamento).
A situação que realmente o deixou furioso aconteceu quando fiscais da administração pública foram lhe cobrar recibos e notas fiscais das obras que ele mesmo estava pagando. Isso o tirou do sério a tal ponto que ele fechou os portões do Passeio em represália. Diante dos portões fechados do Passeio Público, os populares quase promoveram uma revolta armada. O povo em massa invadiu o parque numa clara demonstração de que aquele espaço era de todos, era “res” pública. A cena não parece combinar com o pacato cenário sugerido pelos relatos da Curitiba antiga, mas em 1889 todo o Brasil atravessava uma turbulência política gerada pela iminência da República. Fontana, que possuía inegáveis vínculos com a monarquia, resolveu se afastar da direção do Passeio Público que, no decorrer dos anos seguintes, passou por inúmeras transformações.
Quando Fontana faleceu, o jornal “A República” publicou um obituário dizendo que ele fora responsável pela iniciativa do projeto do parque e pela doação do terreno. Em verdade, a iniciativa de se criar um parque veio de Taunay e o terreno pertencia em sua maior parte à administração municipal. Curiosamente, o mesmo texto publicado erroneamente por “A República” foi usado em duas placas de bronze instaladas no Passeio. E o busto de Fontana que se encontra na entrada do parque é de mármore, um material mais comum em cemitérios.
*O Passeio Público foi inaugurado às três horas da tarde do dia 2 de maio de 1886, um domingo. Surgido de necessidades sanitaristas, o parque permanece até hoje como um pedaço de área verde em meio à cidade.
Referências Bibliográficas:
Passeio Público, primeiro parque público de Curitiba. Boletim Informativo da Casa Romário Martins, vol. 26, número 124. Agosto de 2001. Texto de Cassiana Lícia de Lacerda.
Semeando iras rumo ao progresso – Ordenamento jurídico e econômico da Sociedade Paranaense, 1829-1889 (Magnus Roberto de Mello Pereira. Editora da UFPR, 1996).
"O Verde na Metrópole: a evolução das praças e jardins em Curitiba 1885-1916", de Aparecida Vaz da Silva Bahls. Dissertação apresentada para o Mestrado em História da UFPR, em 1998.
Reprodução do texto autorizada mediante citação da Câmara Municipal de Curitiba