A nevasca e outros fatos que marcaram Curityba no ano de 1928

por João Cândido Martins — publicado 26/06/2013 13h25, última modificação 27/05/2022 16h45
A nevasca e outros fatos que marcaram Curityba no ano de 1928

A imagem da Praça Osório registrada em 1928 mostra o aumento da dinâmica da cidade (Imagem: Casa da Memória)

Substituir o engenheiro João Moreira Garcez à frente da prefeitura de Curitiba. Essa era a missão do advogado e ex-deputado estadual Eurides Cunha, em 1928. Um verdadeiro desafio, considerando que Garcez ocupou o cargo por oito anos, tendo promovido algumas mudanças significativas na estrutura e na estética da cidade. Para o pesquisador Valter Fernandes da Cunha Filho, os prefeitos Cândido de Abreu (gestão 1912-1916) e João Moreira Garcez (1920-1928) foram determinantes para que a população associasse administração eficaz a critérios científicos.

O entendimento genérico era de que o novo urbanismo necessário ao desenvolvimento da cidade só poderia ser realizado por um engenheiro (o modelo de profissional técnico-científico alimentado no imaginário da população). Eurides não preenchia esse requisito, mas mesmo assim, foi convidado pelo presidente do estado, Affonso Camargo, para ocupar a cadeira de prefeito.

Houve problemas na realização de serviços essenciais e os jornais publicavam constantes reclamações, mas ainda segundo Cunha Filho, “a gestão Eurides Cunha esteve muito longe de se caracterizar pela inércia”. Entre suas contribuições, destacaram-se melhorias pontuais no sistema de esgoto e a construção de um matadouro nas imediações da estrada da Graciosa, em substituição ao antigo (e precário) Matadouro do Guabirotuba, fundado em 1889. Foi também sob sua gestão que passaram a funcionar os primeiros ônibus coletivos, administrados pela mesma empresa que fornecia energia elétrica para a população.

Independente das dificuldades administrativas, Eurides foi obrigado a entregar o cargo por ocasião da Revolução de 30. Foi substituído por Lothário Meissner, engenheiro. Anos depois, a Câmara nomeou uma praça com o nome de Eurides da Cunha.

O castelo

A Câmara Municipal votou naquele ano um novo Código de Posturas (regulamentação geral sobre questões urbanas como manutenção de edificações, etc). Um concurso promovido pela prefeitura elegeu a chamada Villa Emilinha como a casa mais exuberante da cidade, mas a grande construção residencial curitibana surgida em 1928 foi o Castelo do Batel, também conhecido como Palacete Luiz Guimarães. Milionário do café, Guimarães solicitou ao engenheiro Eduardo Fernando Chaves que fosse ao Vale do Loire, na França e buscasse inspiração para o projeto de um castelo. Ao retornar, o engenheiro justificou o dinheiro gasto em sua ida. Proporcionou ao proprietário Luiz Guimarães aquela que foi considerada por muito tempo, a residência mais luxuosa de todo o Brasil. Seus detalhes externos e internos são objeto de estudo  até hoje, representando a ostentação arquitetônica habitual entre os privilegiados daquele período.

Outra construção que mudou a paisagem de Curitiba foi o Palácio Avenida, construído na esquina entre a rua XV e a Travessa Oliveira Bello. O prédio mesclava residência e comércio, mas o que de fato chamava atenção era o Cine Avenida, instalado no térreo. Ele se tornou o cinema mais importante e concorrido da nascente Cinelândia que se instalava naquela região.

A poucos metros do Cine Avenida, surgiu a sede da Secretaria da Saúde Pública, que posteriormente se tornou a sede da Secretaria do Trabalho e da Assistência Social. Atualmente o prédio comporta o Museu de Arte Contemporânea (MAC). O Colégio Dom Pedro II também surgiu em 28 e sua excelência de ensino contribuiu para o status de região nobre, alimentado pelos moradores do Batel desde o final do século XIX.

Variedades
Romário Martins se estabeleceu como o grande líder do Movimento Paranista que, desde o ano anterior possuía sede, publicações e passava a repercutir junto ao imaginário da população. Contribuiu para isso o surgimento da revista Illustração Paranaense, publicação que exaltava o Paraná e o sentimento de “Paranismo”. A qualidade (textual e gráfica) da revista que era administrada pelo fotógrafo João Groff, conseguiu se manter até o advento da revolução de 30, mas sua influência ainda se faz sentir, por exemplo, nos pinhões desenhados nos calçamentos de petit-pavé do centro da Curitiba. Ainda no contexto paranista, o grande nome que despontou em Curitiba foi o da Miss Paraná, Didi Caillet. Simpática, culta, reconhecidamente bela, Didi conquistou o segundo lugar no concurso de Miss Brasil, embora liderasse a preferência do público. Tornou-se uma referência da cena cultural do Paraná.

Quem chegasse a Curitiba naquele ano de 1928 poderia frequentar o recém-inaugurado Bar Palácio, na Rua Barão do Rio Branco. Poderia comprar para seu filho as balas Zequinha, que interessavam mais pelas figuras da personagem Zequinha em múltiplas situações. Poderia torcer a favor ou contra o Britânia Sport Club, que  conquistou o heptacampeonato paranaense em 1928. Também poderia ler os primeiros versos da jovem Helena Kolody (16 anos completos em 1928) publicados na revista Garoto. Título: “A Lágrima”.    

Dois nomes importantes da cena local se foram naquele ano: Generoso Marques e Nilo Cairo. O primeiro, político emblemático da cena paranaense da virada do século XIX para o XX, e o segundo, médico, fundador da Universidade do Paraná e entusiasta da homeopatia. Também em 28, acontecia o julgamento de Febrônio Índio do Brasil, psicopata preso no Rio de Janeiro sob a acusação de ser o responsável pela morte de vários jovens. Ele se fazia passar por dentista e houve quem dissesse que teria vivido em Curitiba por pelo menos alguns meses. Nunca ficou determinado se Febrônio fez alguma vítima por aqui, mas a mera suposição de que caminhou entre os curitibanos dominou as rodas de conversas.

Estes foram alguns dos fatos que marcaram Curitiba em 1928, mas o evento que realmente ficou gravado na mente e na memória afetiva dos curitibanos foi a nevasca que se precipitou durante os dias 3 e 4 de julho, embranquecendo toda a cidade. Para muitos, o aspecto proporcionado pela neve acabou disseminando a ideia de que Curitiba seria a mais “europeia” das capitais, impressão que, em muitos sentidos, ainda repercute. Além de algumas fotografias da neve de 28, há também um filme realizado pela empresa Botelho Filmes que exibe imagens do fenômeno.

Referências Bibliográficas

Lei ordinária 1.125/1955 (denomina logradouro como Eurides Cunha)

As Virtudes do Bem Morar (sobre o engenheiro Eduardo Fernando Chaves)

Cidade e Sociedade: A gênese do urbanismo moderno em Curitiba (1889-1940)
Dissertação apresentada Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1998. Valter Fernandes da Cunha Filho

Irã Dudeque Espirais de Madeira Espirais de madeira: uma história da arquitetura de Curitiba. Irã Taborda Dudeque, Studio Nobel. Curitiba, 2001.

Didi Caillet, a melindrosa do Paraná. Matéria publicada na gazeta do Povo em 26/04/2009. Adriana Czelisnizak.

Didi Caillet e a Opereta Marumby

Sobre Helena Kolody (poesias e fotos)

Sobre o Matadouro Modelo

Sobre Febrônio Índio do Brasil

Filme: A neve em Curityba