A escolha de Curitiba como capital do Paraná

por Assessoria Comunicação publicado 21/12/2012 18h35, última modificação 10/09/2021 08h37
Em 1853, a 5ª Comarca de São Paulo conseguiu sua emancipação política e se tornou Província, sendo batizada com o nome de Paraná. Sua administração ficou ao encargo do conselheiro Zacarias de Góes e Vasconcelos. Apesar da pouca idade (38 anos), o político nascido na Bahia acumulava experiências administrativas como presidente das províncias de Piauí e Sergipe. Ele sabia que a região do Paraná carecia de infraestrutura, estradas, educação e toda sorte de melhoramentos. Então, decidiu percorrer as cidades e avaliar as circunstâncias antes de oficializar qualquer medida.

Era necessário determinar a escolha da capital. Curitiba havia sido designada provisoriamente para esta função, mas a escolha definitiva deveria ser realizada pela recém-criada Assembleia Legislativa Estadual. Zacarias foi recepcionado no dia 19 de dezembro de 1853 pelos integrantes da Câmara Municipal, cujo presidente lhe deferiu o chamado “Juramento dos Santos Evangelhos”. A cerimônia foi concluída com a celebração de uma missa em ação de graças na antiga igreja matriz (que antecedeu a atual catedral metropolitana, inaugurada em 1893).

À época da emancipação, Curitiba ostentava o status de cidade desde 1842, mas a aparência do local era acanhada. Limitava-se a algumas ruas e travessas no entorno do Largo da Matriz (hoje conhecido como Praça Tiradentes). A economia local se fundava principalmente no comércio de gado em função da proximidade com o “Caminho de Viamão”, que ligava São Paulo ao Rio Grande do Sul, conforme esclarece a professora Cecília Westphalen, coautora de História do Paraná (Grafipar, 1969).

Essas dificuldades estruturais pesaram negativamente quando da escolha da capital e os defensores de Paranaguá como a nova capital foram bastante incisivos quanto às limitações urbanas de Curitiba. Eles alegavam que  a cidade portuária já contava há muitos anos com as condições necessárias a uma capital, além do fato de ter sido pioneira na campanha pró-emancipação. Por trás destes argumentos, havia os interesses políticos dos grupos locais.

Em Paranaguá predominavam os conservadores, liderados por Manoel Francisco Correia, produtor de mate (neste período, a cultura do mate ainda estava restrita às terras litorâneas). Já em Curitiba, a força estava com os liberais encabeçados por José Caetano de Oliveira, o Barão dos Campos Gerais, um dos mais representativos comerciantes de carne do período. Por ocasião da Revolta Liberal em Sorocaba (1842), José Caetano, que era pai do também político Jesuíno Marcondes, fora explicitamente favorável ao movimento revoltoso.  

A escolha de Curitiba
Oswaldo Pilotto, em seu estudo sobre a emancipação política do Paraná, esclareceu que a precariedade das condições estruturais de Curitiba se devia a muitos anos de descaso político com o local por parte dos administradores da Província de São Paulo. A Câmara Municipal de Curitiba, embora ativa e sempre disposta a possibilitar melhorias, sofria entraves de ordem burocrática e orçamentária. O acesso à cidade era difícil. Os caminhos que a ligavam ao litoral precisavam de constantes manutenções e, não por acaso, uma das primeiras medidas do conselheiro Zacarias como presidente da província foi a continuidade das obras da estrada da Graciosa (a inauguração da estrada só se daria 20 anos depois).

O pesquisador Sandro Aramis Richter Gomes observou que Zacarias sempre deu destaque à sua condição de funcionário público designado para uma missão e que, em razão disso, deveria se manter neutro em relação a questões regionais e tomar decisões de caráter técnico. O fato, entretanto, é que o conselheiro aderiu à campanha em favor de Curitiba e nos seus pronunciamentos e relatórios passou a defender a cidade como sede definitiva da província.

Ainda segundo Sandro Aramis, muitos dos argumentos usados por Zacarias coincidiam com os argumentos já manifestados por Jesuíno Marcondes sobre o mesmo tema, o que apontaria uma simpatia de Zacarias (que era filiado ao Partido Conservador) aos liberais curitibanos e à própria cidade. Apostava o conselheiro nas potencialidades da pequena Curitiba e, de certa forma, seu posicionamento acabou por influenciar os deputados provinciais que determinaram Curitiba como capital em caráter definitivo, decisão oficializada pela Lei nº 1 de 26 de julho de 1854 (a primeira norma votada pelo Legislativo estadual). 

Identidade
Os estudiosos do período concordam que, apesar das limitações enfrentadas por Zacarias, ele soube dar início a uma sistemática organização administrativa. Porém, mais do que isso, criou uma identidade coletiva ao povo que até então não se entendia como “paranaense”. Para o crítico e historiador Wilson Martins, “não existia nenhum paranaense antes disso, pelo simples motivo de que a província ainda não havia sido criada. Havia apenas curitibanos, naturais da 5ª comarca, como hoje designamos pelos adjetivos locais os habitantes dos diversos municípios – que não deixam de ser paranaenses, assim como os curitibanos de 1853 não deixavam de ser paulistas”.

A data da emancipação ganhou um caráter especial a todos os habitantes da nova província e, a partir dela, se desenvolveu um movimento de valorização local que ficou conhecido como “paranismo”. Essa corrente ganhou força no final do século XIX e se estendeu até a metade do século XX, quando marcou o espírito das festividades do Centenário da Emancipação. Embora muitas vezes o movimento tenha sido acusado de ufanismo gratuito, serviu para consolidar a identidade que teve sua gênese nos anos em que Zacarias esteve à frente da Província.

Lembra ainda a professora Aparecida Vaz da Silva Bahls que “a data também serviu para demarcar diversas inaugurações na capital, principalmente aquelas direcionadas para as reformas urbanas. Em 19 de dezembro de 1915, por exemplo, Cândido de Abreu, então prefeito de Curitiba, remodelou a Praça Zacarias no centro da cidade e entregou oficialmente à população o monumento de Zacarias de Vasconcelos”.

Por João Cândido Martins