A casa mal-assombrada de Curitiba: das “pedras voadoras”, só ficou a história

por Fernanda Foggiato | Revisão: Vanusa Paiva — publicado 14/08/2022 08h25, última modificação 26/08/2022 07h47
Após as três missas, os apedrejamentos acabaram. O mistério, no Capão da Imbuia, não.
A casa mal-assombrada de Curitiba: das “pedras voadoras”, só ficou a história

Para a comunidade, os apedrejamentos teriam acabado graças à intervenção do padre. (Montagem: Carol Periard/CMC)

Passadas quatro noites, e três missas, o “Diário do Paraná” noticiou, na edição de 9 de janeiro de 1974, uma quarta-feira, o fim do apedrejamento misterioso contra a casa do bairro Capão da Imbuia, zona leste da capital paranaense. O saldo, até ali, eram as vidraças dizimadas e o telhado da residência de madeira, localizada na esquina das ruas Professor Nivaldo Braga e Delegado Leopoldo Belczak, bastante danificado. As autoridades policiais continuavam em busca do atirador, enquanto a maior parte dos vizinhos acreditava em fato sobrenatural.

As diferentes teses sobre o fenômeno das “pedras voadoras” são o assunto, neste domingo (14), da terceira parte das matérias especiais sobre o mistério da casa supostamente mal-assombrada, no bairro Capão da Imbuia. Iniciada no fim de julho, a história é tema da primeira temporada da série “Curitiba Horror Stories”, mais um projeto do Nossa Memória da Câmara Municipal de Curitiba (CMC).

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Parte 1 – A casa mal-assombrada de Curitiba: o mistério das “pedras voadoras”

Parte 2 – A casa mal-assombrada de Curitiba: as missas e as chaves benzidas

Parte 4 – A casa mal-assombrada de Curitiba: a família que nunca mais voltou

De acordo com o “Diário do Paraná”, só era possível às “pedras voadoras”, pesando até 300 gramas, fazerem uma trajetória invisível, aparentemente horizontal. Só era possível vê-las após a pancada contra as vidraças, paredes ou telhas da residência. Os objetos, apesar disso, não atingiam o arvoredo que cercava o imóvel de madeira. Sobre as notícias da levitação dos talheres no local, o jornal esclareceu, na edição do dia 9 de janeiro de 1974, que “apenas um policial afirma ter visto ‘uma colher voando’”.

No entanto, com ou sem “talheres voadores”, a comunidade, segundo a publicação, continuava “convicta” de que a explicação era, sim, sobrenatural. A maior parte das pessoas atribuiu o fim das supostas assombrações às “bençãos dadas nas três missas de domingo”, dia 6, na Paróquia de São Benedito, localizada a uma quadra dali.

Criada em abril de 1968, a paróquia já havia sido uma capela da Igreja Nossa Senhora de Fátima, no mesmo bairro. A primeira missa, no dia 10 de setembro de 1961, foi celebrada pelo então arcebispo de Curitiba, Dom Manuel da Silveira d’Elboux.

O proprietário do imóvel, além de negar ter presenciado a levitação de quaisquer objetos, manteve a tese de vingança. Os apedrejamentos, defendia Till, desde o começo dos episódios, eram obra de rapazes do bairro, irritados “por ele ter mandado prender a sua empregada, com a qual promoviam ruidosos encontros durante as noites”.

Do Espiritismo ao Clero
A reportagem ouviu a opinião do presidente da Federação Espírita do Paraná (FEP), João Ghignone, para quem não havia nada de estranho no caso. Seriam apenas “espíritos atrasados, que não evoluíram e estavam sendo atraídos por pessoas da casa que sejam médiuns, ou até mesmo vizinhos”. Já na avaliação de parapsicólogos, o fenômeno poderia ser explicado pela telecinesia — a habilidade de mover objetos a distância, com o poder da mente.

Da Igreja Católica, a reportagem entrevistou o padre Emir Calluf, que depois deixou a batina e se dedicou à Psicologia, chegando a disputar uma cadeira da Câmara de Curitiba, nas eleições de 1988. Conforme sua análise, “quem conta um conto, acrescenta um ponto”. “Não é de se desprezar o tremendo poder da sugestão, que faz transformar uma sombra num fantasma e um assobio num gemido”, opinou.

Caçada no bosque
“Quando se fala em assombrações, os policiais riem, dizendo que é tudo papo furado, mas eles mesmos não conseguem explicar a origem das pedradas que já destruíram todos os vidros da casa e só são percebidas quando se vê estilhaços de vidro caindo”, narrou o “Diário do Paraná”. Na operação, mantida mesmo com o fim do apedrejamento, haviam sido vasculhados terrenos vizinhos e o bosque do Instituto de Defesa do Patrimônio Natural (atual Museu de História Natural do Capão da Imbuia).

Enquanto um soldado da Radiopatrulha chegou a testemunhar à reportagem que três elementos haviam sido detidos, um sargento e um tenente da Companhia de Operações Especiais, da Polícia Militar do Paraná (PM-PR), negaram, categoricamente, que os supostos atiradores das pedras haviam sido identificados. Em fevereiro de 1962, um caso também no Capão da Imbuia, em que havia se levantado a hipótese de fenômeno paranormal, foi desvendado pela Radiopatrulha.

“Mistério: forças invisíveis lançam pânico e terror no Capão da Imbuia.” Essa foi a manchete que o “Última Hora” havia estampado na capa do dia 5 de janeiro de 1962, quase 12 anos antes do mistério das “pedras voadoras”. A história, na década anterior, foi a seguinte: uma família de oito pessoas havia apelado à polícia, “apavorada com os fatos misteriosos” que vinham acontecendo no imóvel, nos três últimos meses.

“Segundo afirmaram, mãos misteriosas vêm destruindo os móveis e apedrejando o prédio. Em algumas investidas, os misteriosos personagens jogaram pedaços de pau de tamanho considerável sobre o teto, quebrando telhas e danificando seriamente a cobertura da casa”, continuou a reportagem. Entre outros “fatos misteriosos”, que também ocorreriam à luz do dia, os moradores relataram que, certa vez, “um par de sapatos, deixado ao lado de uma cama, dançava como se calçado por pés invisíveis”.

Nos supostos ataques aos móveis, “jogados de um quarto para o outro”, nem mesmo um berço teria escapado das “mãos invisíveis”. Na edição seguinte, dois dias depois da primeira notícia, o “Última Hora” desmentiu a farsa, desmascarada pela Radiopatrulha devido às contradições nos depoimentos dados pelos moradores. Para o desgosto dos curiosos de plantão, o caso não passou de um “embuste”.

Por meio do “plano diabólico”, os proprietários da residência desejavam a rescisão do contrato de compra e venda do lote. Os supostos atentados teriam levado a romaria de “milhares de curiosos” até o Capão da Imbuia, “que registrou um movimento de transeuntes e veículos nunca antes notado”.

Até uma “barraca de artigos diversos” seria instalada no local. A ideia foi de um mascate, que teria desistido da empreitada porque, desvendado o “embuste”, caiu o interesse pela “casa mal-assombrada”. “Quem não gostou da história foi o proprietário do loteamento, pois pretendia lançar uma campanha de vendas em breve, sendo transferida porque agora seria desastrosa”, concluiu o “Última Hora”.

Faltaram os ambulantes
De volta ao mistério de 1974, até hoje sem um desfecho oficial, o “Diário do Paraná” também noticiou que, em meio à movimentação policial, um bilhete ameaçador foi endereçado a Ildefonso Till. A mensagem, que ninguém soube explicar como chegara ali, dizia: “Enquanto sua empregada não for solta, a casa continuará sendo apedrejada”.

Escrito em letras de fôrma, o bilhete teria sido encontrado por um guarda-florestal, após um dos apedrejamentos. “O que deixou todos ainda mais intrigados foi que o papel do bilhete estava tão liso como se tivesse sido enviado pelo Correio. Não poderia ter sido posto por baixo da porta, porque toda a área estava cercada e não foi vista nenhuma pessoa se aproximando”, escreveu o “Diário do Paraná”.

“As suposições de que seriam os amigos da ex-empregada os autores da depredação também já foram postas de lado, porque numa das noites, enquanto ocorrera o fenômeno, [eles] foram vistos a uns 500 metros do local, dirigindo-se para o Centro da cidade”, informou o jornal.

Ildefonso Till, enquanto isso, reclamava da exposição e chacotas. Segundo o jornal, o morador da residência supostamente mal-assombrada dizia não se importar tanto com a compra dos vidros, para repor os que haviam sido quebrados pelas “pedras voadoras”, além de novas telhas. O problema, apontava a reportagem de 10 de janeiro de 1974, seria “o fato de ver sua moradia transformar-se em alvo das atenções gerais”.

O proprietário acreditava que a própria operação policial, devido ao aparato montado nos primeiros dias, teria ajudado a atrair os curiosos. “Ildefonso Till diz que nessas ocasiões só faltaram as tradicionais barraquinhas de pipocas e cachorros-quentes postarem-se diante de sua casa, pois fregueses era o que não faltaria”, apontou o jornal. “Além disso, seus próprios vizinhos e clientes passaram a fazê-lo alvo de toda a sorte de chacotas e perguntas cretinas.”

E essa foi a última entrevista de Ildefonso Till. A partir daí, o Capão da Imbuia retornou ao noticiário habitual: os crimes ocorridos na região, as partidas e eventos da equipe de futebol amador e os problemas como a falta de saneamento básico e as ruas de chão batido, além de matérias de utilidade pública sobre alterações em linhas de ônibus e pontos de campanhas de vacinação, por exemplo.

Vez ou outra, entretanto, a história voltava à tona. Foi o caso, em agosto de 1974, de reportagem sobre os problemas de infraestrutura na região. O local, à época, não era oficialmente um bairro curitibano, e sim parte do Cajuru. Algumas pessoas até chamavam o Capão da Imbuia de “Alto Cajuru”.

“Sua população é de apenas 50% católica”, indicou o “Diário”, citando as “misteriosas coisas que lá acontecem”. “O Capão da Imbuia ocupou, recentemente, as páginas dos jornais em virtude de aparição imaginária de coisas sobrenaturais, fantasmas e alma de outro mundo em uma residência”, lembrou a reportagem.

Confira, na quarta e última matéria da temporada, o que os moradores da região têm a dizer sobre o mistério das “pedras voadoras”, ocorrido há mais de 48 anos. Também revelamos o que aconteceu com a casa supostamente mal-assombrada e a família de Ildefonso e Irene Till.

Nossa Memória
Iniciado em 2009, pela Diretoria de Comunicação Social, o Nossa Memória é um projeto de resgate e valorização da história da Câmara Municipal e de Curitiba, já que ambas se entrelaçam. Além das reportagens especiais, a página reúne “Os Manuscritos”, com documentos desde a fundação da cidade, em 29 de março de 1693; e o “Livro das Legislaturas”, que mostra quem foram os vereadores da capital paranaense desde 1947. Também traz bancos de dados como o “Aconteceu” e o “Rua & História”, entre outros materiais com fatos marcantes da cidade, todos disponíveis para a consulta da população.

** Confira AQUI as referências da pesquisa histórica para as matérias especiais "A casa mal-assombrada de Curitiba".