A Câmara Municipal no tempo dos imperadores
Panorâmica de Curitiba em 1870. Cenário ainda rural no período do Brasil Império. (Foto – Acervo Casa da Memória) Tela Fundação de Curitiba, de Theodoro de Bona, que está no Colégio Estadual do Paraná. Com os colonizadores portugueses, cacique Ti
De todos os grandes impérios coloniais da civilização ocidental, nenhum durou tanto quanto o império português, que teve colônias em quatro continentes. Com alguma controvérsia, pode se dizer que este império teve seu fim apenas em 2002, quando Portugal reconheceu a independência do Timor Leste, o último território ultramarino considerado 'de jure' sob o domínio do “Ultramar Português”, nome oficial do império, que teve início em 1415, com a conquista de Ceuta, atual Marrocos. Foi o primeiro a surgir e o último a desaparecer.
A história do Brasil, enquanto nação detentora de uma estrutura política constituída, começa na época em que essa potência no cenário geopolítico do século XIV ampliava mais e mais sua influência econômica e geopolítica. Portugal chegou a fundar a cidade de Nagasaki no Japão e teve sob seu domínio grandes territórios no sul da Ásia e da África. No século XVI, nosso idioma torna-se língua franca nesses continentes; era a língua do comércio e questões internacionais relativas à administração, colônias e rotas. Feitorias eram tratadas com o idioma com que Camões imortalizava na obra Os Lusíadas as proezas e conquistas do navegador Vasco da Gama, descobridor do caminho para as Índias.
Enquanto Portugal ampliava seu domínio colonizador, conquistando novas terras, também aprimorava a administração das colônias. No Brasil, o papel das câmaras municipais foi decisivo nesse processo, pois essas casas eram os verdadeiros postos avançados da representação política do Império. É a presença da igreja matriz e da Câmara que marca a fundação da Villa de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba, em 29 de março de 1693, justamente o ano em que os historiadores apontam o início do chamado “ciclo do ouro”. Neste período, o Brasil ganha importância aos olhos de Portugal, que perdia a proeminência na colonização do Oriente, após constantes disputas com os holandeses.
Numa época anterior à implementação dos novos modelos políticos idealizados e disseminados a partir do processo que culminou na Revolução Francesa e que influenciariam todo o ocidente, a relação entre a Câmara de Curitiba e a população tinha traços distintos. Convém também destacar que Curitiba era o extremo meridional da ocupação portuguesa na América.
“Ajuntar e fazer eleição e criar justiça e câmara formada, para que assim haja temor de Deus e pôr as coisas em caminho”. Atendido esse pedido da corôa portuguesa pelo Capitão Povoador Mateus Leme, começava a história de Curitiba, sua Câmara Municipal, e do seu relacionamento com o Império português, que duraria quase dois séculos. Conhecendo algumas das medidas tomadas na Casa de Leis curitibana ao longo do período monárquico, pode se ter uma boa ideia de como era a mentalidade e os costumes dos homens públicos, do quadro jurídico e institucional, bem como do cotidiano do cidadão comum no pequeno vilarejo, que, no século XX, se torna uma das principais metrópoles de uma república independente, de dimensões continentais.
No início da história da Câmara de Curitiba, chegavam à Casa cartas como a do imperador Dom João V, que oferecia metade da riqueza contida em um navio pirata naufragado em Paranaguá àqueles que porventura conseguissem retirá-la do fundo do mar. O navio trazia mais de “duzentos mil cruzados” em prata e ouro, roubados da costa das “Índias de Castela”. A mensagem foi lida na Câmara Municipal no dia 27 de setembro de 1722.
De acordo com a legislação imposta por Dom João V, a comunidade deveria construir e fazer a manutenção das vias do povoado, num tempo de cavalos e carroças. A influência do poder político da Câmara, representante máxima da corôa, ia para muito além das divisas atuais. Na época, o que hoje conhecemos pela cidade de Araucária, era mais um bairro da Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba chamado Tinguiquera. Consta no termo de vereança (antiga ata das sessões da Casa) do dia 7 de novembro de 1746 que moradores desse bairro vieram à Câmara protestar contra moradores da região do Passaúna, que pretendiam abrir mais uma estrada. Alegavam que mal podiam manter a estrada existente e outra traria ainda mais problemas.
No mesmo dia, a Câmara registrava a chegada de novo comunicado do imperador luso, com mais uma lei: os escravos fugidos, conhecidos como quilombolas, que se juntassem em quilombos voluntariamente, fossem marcados com ferro quente com a letra 'F' no ombro. Caso o quilombola já fosse achado com a marca, dever-se-ia cortar-lhe uma das orelhas. As pessoas negras não eram consideradas da espécie humana. Portanto, a legislação que a eles se aplicava era diferente. A ordem da corôa era que se nomeasse um ou mais capitães do mato para, na companhia dos negros carijós, que sabiam onde e como localizar os quilombolas, fossem capturá-los e puni-los. Demorou quase um século e meio após essa medida para que os escravos fossem libertos, em 1888.
A proteção aos animais, contudo, já se fazia presente na discussão política. No dia 7 de setembro de 1765, data que ainda não era feriado, pois a independência do Brasil só ocorreria em 1822, os vereadores debateram a caça: “Proebimos que pessoa alguma não casse nem tire ovos de perdises nos tempos que são proebidos que são de setembro a dezembro com pena de que todo aquele assim matar perdises ou lhes tirar os ovos pagar dous mil réis por cada vez”.
Na segunda metade do século XVIII, a ordem da Coroa Portuguesa era que se desfizesse progressivamente a imagem rural da vila e se desenvolvesse um perfil cada vez mais urbano e moderno. E a Câmara reverberava essa diretriz, de acordo com a ata do dia 14 de setembro de 1783.
Em 1822, o Brasil torna-se um país independente. Mas continua sendo uma monarquia, com toda a herança do modelo de governo e administração portugueses bem presente em suas instituições. No dia 11 de junho de 1824, a Câmara envia ao presidente da província “uma conta do que se há arrecadado contribuição voluntaria para a Marinha do Império”. Estruturavam-se as forças de defesa de um império recém-formado.
No dia 17 de maio de 1859, chegava à Câmara Municipal portaria do presidente da província, que dava a notícia da “Coroação e Sagração de Sua Magestade Imperial” (D. Pedro II). A missiva ordenava que “se fizesse público por 'Editaes'” o fato, nas freguesias e capelas da capital de um Paraná já separado do estado de São Paulo desde 1853. Seguindo o costume, a população deveria iluminar suas casas com velas e estava convidada a participar dos solenes “Te-Deum Laudamus” (cerimônia católica cujo nome significa “A Vós Deus, Louvamos”) e das missas cantadas que foram celebradas.
O século XIX avançava e as influências ideológicas da burguesia européia faziam a cabeça das elites locais. Não se pode esquecer do conflito sangrento entre conservadores e liberais em São José dos Pinhais, na eleição de 1852. Muitas das leis locais, nesse período, foram geradas visando efeitos na esfera cultural e dos costumes. Tanto os bailes da burguesia quanto os fandangos sofriam intervenções, que só aos poucos foram se abrandando, a partir de 1860. Os imigrantes logo viriam, trazendo suas influências e absorvendo os costumes locais. No fim do século, surge o baile tipicamente curitibano: o “sumpf”.
Na década de 1880, há a transformação urbana da cidade, que seria depois celebrada por Rocha Pombo, que escreveu, em 1890, sobre a “Curitiba suntuosa de hoje, com suas grandes avenidas e boulevards, as suas amplas ruas alegres”, etc. Nesse período, a cidade também ganha o Teatro São Theodoro e a estrada de ferro ligando-a ao porto de Paranaguá. Assim, se preparava para a fase vindoura, o advento da república.
Referência Bibliográfica: Boletim do Archivo Municipal de Curitiba (B.A.M.C.)
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