A Câmara e o planejamento urbano de Curitiba

por Assessoria Comunicação publicado 14/07/2010 16h05, última modificação 30/06/2021 09h22
Desde que foi criada, assim que o povoado de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais passava à categoria de vila, em 1693, a Câmara Municipal participou ativamente do planejamento urbanístico da cidade, uma das características mais marcantes da capital do Paraná e que a faz reconhecida em todo o mundo. Ao examinar os antigos “termos de vereança”, atas nas quais ficaram registradas as atividades dos parlamentares ao longo de mais de três séculos, pode-se perceber o quanto o Legislativo, por meio de projetos de lei e outras medidas, contribuiu para tornar Curitiba referência em planejamento urbano.

A Coroa Portuguesa, neste período, atribuía aos chamados ouvidores a função de estabelecer as normas que ordenassem o crescimento das “villas”, dando também diretrizes para o surgimento de uma configuração jurídica sólida, objetivando o bem-estar das novas comunidades. Em 1721, o ouvidor Rafael Pires Pardinho chega à vila, cuja população era de 1.400 habitantes. Prescreve normas como a abertura de ruas retas e contínuas, com construções contíguas, visando a formação de quadras e impedindo, assim, que surgissem corredores, becos e pátios indesejados, capazes de comprometer a segurança, e para que a vila “crescesse uniformemente”, segundo consta no termo de vereança de 20 de janeiro deste mesmo ano.

Alguns episódios ocorridos na cidade, registrados nos arquivos do Legislativo de Curitiba, denotam bem a cultura da época e as soluções encontradas. Em 22 de fevereiro de 1734, após ter as paredes de suas casas danificadas pelo tráfego livre do gado pela vila, o tenente-coronel Manoel Rodrigues Motta recorreu à Câmara Municipal. O alcaide Domingos Lopes fez uma vistoria e, constatados os danos, foi instituída uma multa de cinco tostões para cada vez que os criadores permitissem que o gado “e outras cavalgaduras bravas” trafegassem pela então “Villa de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de "Coritiba"”.

A prioridade era abrigar no meio urbano da vila o comércio, o artesanato e as atividades religiosas. O espaço das áreas suburbanas até os limites do município, o chamado rocio, era destinado à agricultura. Deixando clara a distinção entre as zonas urbana e rural, o império português tinha por objetivo consolidar a imagem da vila como uma área urbana em pleno desenvolvimento. E a Câmara Municipal, com uma influência muito além dos limites do município, era a representante local do imperador luso, que impunha aos cidadãos o dever de zelar e manter as vias das povoações e freguesias.

Século XIX – Rumo à modernidade

No dia 9 de janeiro de 1831, a Câmara debatia acerca da desapropriação da residência de Maria Rosa da Paixão. Era necessária a abertura de uma rua que ligasse a praça Tiradentes e a Rua das Flores. A medida deu origem à rua São José, atual avenida Marechal Floriano Peixoto. Aos arruadores nomeados pela Câmara cabia a tarefa de demarcar os “chãos”, os terrenos concedidos aos moradores, e fazer o alinhamento das novas ruas, “deixando os becos necessários”. Aos “pillotos”, ficava a missão de medir os limites do rocio. Neste mesmo ano, a Câmara Municipal aprova seu primeiro código de Zoneamento.

Logo, a vila de Curitiba, que já era a sede da comarca, seria elevada à categoria de cidade, em 1842, e, com a lei imperial 704, de 1853, passaria a ser a capital da nova Província do Paraná. A partir daí, a população passaria a crescer mais rapidamente. Imensas levas de imigrantes ainda chegariam, trazendo sua cultura, costumes e conhecimento, principalmente no início do século XX.

Os gestores públicos deixavam evidentes suas preocupações com o crescimento da cidade nesse período. Na década de 1880, Curitiba ganha a Estrada de Ferro, o Passeio Público, o Teatro São Theodoro, a Santa Casa de misericórdia e, atenta às demandas de transporte coletivo, providencia a primeira linha de bondes.

Em 1895, o Brasil já era uma república e as dinâmicas políticas adquirem novos contornos. A Câmara Municipal de Curitiba aprovava o primeiro Código de Posturas, tratando de todos os aspectos centrais da urbanidade: dos cemitérios aos entretenimentos públicos, do comércio à salubridade. O documento é abalizado por engenheiros, médicos sanitaristas e profissionais de outras áreas. Outro código viria em 1919. Em 1930, o processo de hierarquização do solo, que teve início em 1903, seria revisado.

Se no século XIX foi marcante no planejamento urbano de Curitiba as diretrizes do francês Pierre Taulois, no século seguinte, sobressaiu-se outro francês, com fortes influências intelectuais positivistas, cartesianas, no trabalho do sociólogo francês Emile Durkheim e com uma carreira reconhecida não só no Brasil, por já ter atuado na elaboração do plano de urbanização do Rio de Janeiro, como em várias partes do mundo: Donat Alfred Agache.

O Plano Agache

Por conciliar, em sua formação, vasto conhecimento sociológico e a arquitetura, Agache tornou-se um urbanista e foi contratado pelo prefeito Rozaldo de Mello Leitão, com a empresa Coimbra Bueno & Cia Ltda., em 25 de abril de 1941. O interventor federal no Paraná era Manoel Ribas. Um corpo de técnicos da cidade colaborou com o projeto, que se chamou Plano de Urbanização de Curitiba. A Universidade do Paraná (atual UFPR) e o Ministério do Exército também contribuíram com informações. Um formidável capital humano se une, interessado em aprender a metodologia de Agache, que tanto prestígio e reconhecimento lhe proporcionou.

O plano apresentava todo o rigor metodológico típico da Academia francesa na época. No texto original, consta toda a análise ambiental e estrutural da cidade, e as medidas necessárias para uma Curitiba moderna, urbana e civilizada. Recebe destaque um “Plano das Avenidas”, um código de obras, um plano para remodelação, extensão e embelezamento, zoneamento, bem como considerações e medidas para comunicação e transporte. Para cada diretriz, Agache apresentou argumentos técnicos, sociológicos e mesmo de ordem psicológica. Também aponta casos e características de outras cidades, fazendo críticas e procurando evitar que tais problemas se repetissem em Curitiba. Dentre o presente legado da obra de Agache para a capital do Paraná, destaca-se hoje o Centro Cívico.

Plano Diretor de 1965

Pouco mais de uma década depois, a Câmara Municipal, em 15 de julho de 1954, aprovava projeto que criava uma comissão especial para estudar o transporte coletivo na capital. Em 1964, surge o Plano Preliminar de Urbanismo (PPU), propondo um modelo linear de desenvolvimento, distinto do Plano Agache, que previa um crescimento radial. Em 1965, é criado o Ippuc – Instituto de Pesquisa e Planejamento de Curitiba, com o objetivo de dar maior suporte técnico à elaboração e execução do PPU. Previa-se a participação popular no projeto.

E foi na Casa de Leis de Curitiba que propostas foram apresentadas, ideias e possíveis soluções intensamente debatidas. O Plano Diretor que daí surgiu tornou-se conhecido como Plano Serete e cada medida teve de ser analisada e aprovada pelos vereadores curitibanos. O prefeito da cidade era Ivo Arzua. O Plano Serete previu o crescimento dos bairros mais afastados do centro, a criação do que hoje tornou-se a Cidade Industrial e preparou a cidade para o desenvolvimento acelerado e o intenso crescimento da população, nas décadas de 70 e 80.

Desde então, a Câmara Municipal buscou conciliar, em sua atuação, a harmonia com este plano, com a execução das necessárias mudanças que surgem na medida em que a metrópole cresce. Houve mudanças no Plano Diretor, dentre as quais as adaptações requeridas pelo Estatuto das Cidades, promulgado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 2001.

Por meio de comissões especializadas em temas como obras públicas, bem-estar social, urbanismo e segurança pública, a Câmara continua pautando e propondo soluções para a Curitiba do século XXI, em franco desenvolvimento. São também levadas em conta as demandas da região metropolitana para melhorar a integração.

Por Edson Camargo