“Nada justifica a violência contra a mulher”, diz psicóloga da Casa da Mulher Brasileira
“Todos os dias eu atendo mulheres que foram mutiladas física ou emocionalmente", disse Jéssica Mendes. (Foto: Rodrigo Fonsca/CMC)
Respondendo a perguntas dos vereadores da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) sobre como reduzir as agressões sofridas pelas mulheres da cidade, a psicóloga da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), Jéssica Paula da Silva Mendes, pediu mais políticas públicas voltadas à emancipação feminina e a abertura de mais postos de atendimento na cidade. “Hoje, a única Delegacia da Mulher fica no Cabral [na estrutura da Casa da Mulher Brasileira]”, disse Jéssica Mendes, que afirmou que a maioria das vítimas ali atendidas moram no outro lado da cidade, em bairros como Sítio Cercado, CIC e Boqueirão.
Na Casa da Mulher Brasileira (CMB) desde o início, em 2016, a psicóloga da DPE-PR atua diretamente no atendimento das vítimas de violência doméstica e por isso foi chamada a participar da Tribuna Livre, nesta quarta-feira (8), no Dia Internacional da Mulher. O convite para Jéssica Mendes partiu da vereadora Maria Leticia (PV), que é a atual procuradora da Mulher da CMC, e a Tribuna Livre integra o cronograma de atividades da Semana Pró Mulher da Câmara de Curitiba. “Somente a Defensoria faz de 700 a 800 atendimentos por mês na Casa da Mulher Brasileira. Em 2022, foram 15 mil mulheres em situação de violência doméstica e familiar”, expôs Mendes.
“Todos os dias eu atendo mulheres que foram mutiladas física ou emocionalmente, que perderam funções vitais e até membros do corpo, que perderam a autoestima e a autonomia, além de ter a saúde mental destroçada. Outras tantas foram impedidas de estudar, de trabalhar, foram isoladas de seus familiares e amigos, perderam a capacidade de sonhar e de acreditar numa vida realmente livre. São mulheres que perderam a fé e a esperança, que se sentem reféns desse sofrimento. Há aquelas que tiveram suas vidas interrompidas antes de chegar ao serviço de proteção, cujos filhos foram privados da convivência com a mãe, cujos familiares e amigos vivenciam o luto interminável”, testemunhou a psicóloga da DPE-PR.
Mestre em psicologia e docente da FAE, Jéssica Mendes citou casos de feminicídio e apresentou aos vereadores uma crítica à banalização das vidas das mulheres, da objetificação dos corpos e do silenciamento das suas vozes. “Hoje, venho convocá-los a assumirem o lado da justiça e da igualdade. Não há posição neutra entre ‘matar’ e ‘deixar morrer’. São as pedagogias de gênero que moldam o ser e o estar hegemônicos. A opressão é ocultada pela naturalização da hierarquia entre os gêneros e, por consequência, dos efeitos colaterais que ela produz, dos quais o mais radical é a violência sistemática dirigida às mulheres”, explicou.
“As mulheres se tornam alvo por tentarem romper um relacionamento, por defenderem os filhos, por queimarem a comida, por fazerem piada da própria desgraça, por serem ‘sociáveis demais’, por se relacionarem novamente após um término, por escolherem a roupa que vão vestir e por tantas outras situações triviais. Tornam-se alvo única e exclusivamente por serem mulheres. A assimetria entre os gêneros nada tem de natural. Não há diferença biológica que, do ponto de vista científico, seja capaz de sustentar o argumento da inferioridade feminina”, denunciou Jéssica Mendes, cuja fala foi transmitida ao vivo e está disponível no canal da CMC no YouTube.
Tico Kuzma (Solidariedade), Ezequias Barros (PMB), Rodrigo Reis (União), Noemia Rocha (MDB), Sidnei Toaldo (Patriota), Dalton Borba (PDT), Alexandre Leprevost (Solidariedade), Serginho do Posto (União), Marcos Vieira (PDT) e Professora Josete (PT) apresentaram questões e comentários à psicóloga da Defensoria Pública do Paraná. Jéssica Mendes disse a eles que é fundamental “entender que quem sofre violência tem prejuízos globais”, portanto são necessários “serviços protetivos que pensem para além dos casos da violência instalada", como escola para as crianças, qualificação profissional para as mulheres, “toda medida que proporcione autonomia para essa mulher”.
Sobre comentários a respeito do papel dos homens na violência, a convidada da Tribuna Livre disse que os dados de suicídios de feminicidas após o crime contra as mulheres “mostra como a masculinidade, na forma como ela se constrói em uma sociedade machista e patriarcal, é letal também para os homens”. “Eu gostaria de dizer que temos um tipo de homem específico que representa uma ameaça para as mulheres, mas não existe esse tipo. Todas as mulheres são potenciais vítimas e todos inseridos na sociedade machista são reprodutores dessa violência”, afirmou. “Eu sempre digo às mulheres que eu atendo que nada do que elas tenham feito justifica a violência."
Tribuna Livre
A Tribuna Livre é o espaço democrático de debates mantido pela CMC para ser o canal de interlocução entre a sociedade e os parlamentares. Os temas em pauta são sugeridos pelos vereadores, que, por meio de um requerimento, indicam uma pessoa ou entidade para discursar e dialogar no plenário. As falas neste espaço podem servir de prestação de contas de uma entidade que recebe recursos públicos, de apresentação de uma campanha de conscientização, de discussão sobre projeto de lei em trâmite na Casa, etc.
Conforme o Regimento Interno (RI) do Legislativo, as Tribunas Livres ocorrem às quartas-feiras, durante a sessão plenária – por acordo de líderes, após o espaço do pequeno expediente. Se você participa de uma entidade, representa uma causa ou uma atividade coletiva, entre em contato com um dos vereadores para sugerir a realização da Tribuna Livre. O RI veda a participação de representantes de partidos políticos; candidatos a cargos eletivos; e integrantes de chapas aprovadas em convenção partidária.
As sessões plenárias começam às 9 horas e têm transmissão ao vivo pelos canais da Câmara de Curitiba no YouTube, no Facebook e no Twitter. Clique aqui para consultar os temas abordados nas Tribuna Livres anteriores.
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