“Indústria dos aterros não quer triagem de lixo em Curitiba”, diz especialista
Na Tribuna Livre da quarta-feira (7), o especialista em reciclagem Elias Belco falou sobre a possibilidade de Curitiba adotar usinas de reciclagem. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)
Na última quarta-feira (7), a Tribuna Livre da Câmara teve como convidado Elias Belarmino Correia, conhecido como Elias Belco, conselheiro do Instituto de Solução, Inovação e Sustentabilidade. O especialista em reciclagem de resíduos sólidos esteve na Casa a convite do vereador Rodrigo Braga Reis (União), que ressaltou a importância do tema e esclareceu que é necessário saber quanto do lixo coletado diariamente em Curitiba chega a ser reciclado no final do processo.
Além de Elias Belarmino, também estavam presentes Marco Aurélio e Luiz Krukoski, diretores da Belcotec. Para o vereador Rodrigo, é importante que a percentagem de material reciclado aumente. “Eu sou um defensor do meio ambiente e acredito que essa tribuna livre trará esclarecimentos à população sobre de que forma se opera a coleta do lixo em nossa cidade”, disse o vereador.
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O convidado Elias Belarmino iniciou sua fala esclarecendo que Curitiba cumpre parcialmente as diretrizes previstas na Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS 2010 (lei 12.305/2010). De acordo com a legislação, o processo se dá em etapas: coleta, transbordo, transporte, triagem, tratamento e disposição final. “Curitiba não faz tratamento e o lixo é enterrado em um aterro na Fazenda Rio Grande. Pulamos da terceira etapa prevista pela PNRS para a última, sem a realização do tratamento”, disse Belco.
Ele lembrou que o artigo 9º da PNRS hierarquiza as prioridades na gestão e gerenciamento de resíduos sólidos: não geração de resíduos sólidos (políticas públicas e educação ambiental), redução de resíduos sólidos, reutilização, reciclagem, tratamento e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos (o que não for reciclável deve ser tratado em usinas de biocompostos, por exemplo).
Elias Belco fez uma breve retrospectiva de como Curitiba tem lidado com o lixo de 1964 até hoje. Entre 1964 e 1989, o lixo era enterrado em um aterro na Lamenha Pequena (e administrado pela empresa Terpa Lipater). Em 1989, criou-se o aterro da Caximba (administrado pela Terpa Lipater em parceria com a Cavo). Em 2001, foi criado o Consórcio Intermunicipal para Gestão de Resíduos Sólidos (Conresol), que hoje conta com a participação de 24 municípios. “Em 2005, surge o Sistema Integrado de Processamento e Aproveitamento de Resíduos (Sipar), com o objetivo de implantação de um processo industrial para reciclar, transformar [o lixo] em adubo e gerar energia a partir de 85% do lixo gerado. Na prática, nenhuma usina foi criada”, explicou.
Caximba
Em 2010, houve a desativação do aterro da Caximba após 21 anos de utilização e outros aterros foram adotados pela cidade, como na Fazenda Rio Grande e na Cidade Industrial (CIC). De acordo com Elias, são aterros particulares que recebem 2,5 mil toneladas de lixo diárias. Em 2022, um aterro da mantido pela empresa Estre desmoronou e matou um trabalhador. O Conresol abriu consulta pública para novo sistema de tratamento de resíduos com redução em 10 anos (que seria mantido pelas empresas Cavo/Estre).
A solução proposta pelo Instituto para resolver esse passivo ambiental, segundo Elias, passa pela adoção das usinas de triagem. As vantagens econômicas seriam: redução dos custos de destinação dos resíduos, redução dos valores com ampliação e licenciamento de novos aterros; aumento da vida útil dos aterros sanitários; redução de custos com a saúde pública e geração de emprego e renda. As vantagens sociais seriam: geração de um canal de renda familiar; desenvolvimento da economia solidária e circular; valorização e inclusão social (transformar catadores em recicladores); e profissionalização e desenvolvimento da lógica reversa. Vantagens ambientais: reciclagem e possibilidade de tratamento imediato a partir do recolhimento do lixo; redução do volume do lixo; redução da poluição do solo; eliminação dos gases provenientes dos aterros; não formação de chorume; e redução em 70% dos materiais enviados aos aterros.
“Curitiba paga R$ 6 milhões por mês para enterrar lixo. Se usasse uma usina de compostagem e de triagem teria uma economia de R$ 44 milhões por ano e a criação de 6 mil empregos diretos. Haveria um ganho de R$ 18,5 milhões por ano em recicláveis, R$ 21,4 milhões por anos em créditos de reciclagem e os números produzidos com cinco usinas de triagem e reciclagem, naturalmente teriam teriam impacto na taxa de lixo”, disse Belco.
Passivo ambiental
Em resposta à vereadora Sargento Tânia Guerreiro (União), Elias Belarmino Correia esclareceu que Curitiba inovou na década de 1990 com iniciativas como Coleta Seletiva, Troca Verde e Família Folha: “Era o momento da mudança do aterro da Lamenha Pequena para a Caximba. O processo de coleta sempre teve eficiência. Sou curitibano e reconheço essa inovação, mas ela se perdeu pois sempre enterramos o lixo. O problema não é a coleta, mas a destinação final.”
Acerca da Troca Verde, projeto que faz uma permuta de recicláveis por alimentos, os locais de troca podem ser encontrados no site da prefeitura. O vereador João da 5 Irmãos (União) questionou quais seriam as dimensões de uma usina e Belco disse que uma usina que reciclasse 400 toneladas por dia ocuparia aproximadamente 1 alqueire com o emprego de 800 trabalhadores. “A indústria do aterro ganha por tonelagem, não há interesse econômico por parte desses grupos na adoção da triagem. Se o Brasil adotasse esse modelo, automaticamente 8 milhões de empregos seriam criados”, disse o especialista.
Professor Euler (MDB) indagou a quem interessa essa não alteração de paradigma quanto ao tratamento do lixo. Elias explicou que, se houver triagem, a indústria do aterro vai deixar de lucrar. “Todo lixão, no final, se torna uma massa falida. Quando está para terminar o período de uso do lixão, as empresas responsáveis entram em recuperação judicial, pois só a manutenção desses locais custa em torno de 280 mil por mês. No Brasil, temos um histórico de 30 anos de uso de aterros. As empresas entram em falência, somem e quem paga o prejuízo somo nós”, disse Belco.
Elias Belarmino Belco ainda declarou que esse contexto deve ser entendido na perspectiva do novo Marco Legal do Saneamento, que manteve a taxa de recolhimento em 100%. “Ou seja, se eu gasto R$ 1 milhão com recolhimento, esse custo é repassado para a população. O modelo deve ser repensado”, finalizou
Inserção social
Em resposta ao vereador Oscalino do Povo (PP), Belco disse que a única cidade do Paraná que adota o modelo das usinas é, por enquanto, Colorado, mas isso está se tornando comum em muitos municípios de São Paulo, Rio de Janeiro e de outros estados. Amália Tortato (Novo) perguntou sobre os custos de instalação de uma usina. De acordo com Belco, os valores ficam entre 10 e 12 milhões. Em resposta à vereadora Noemia Rocha (MDB), Belco disse acreditar que a adoção das usinas seria uma forma eficiente de inserção social: “Penso que quem deveria operar essas usinas, quem deveria cuidar do lixo deveriam ser os próprios catadores com gestão das cooperativas.”
Para Herivelto Oliveira (Cidadania), Elias Belarmino Correia respondeu que a inserção social dos carrinheiros pode acontecer com a adoção das usinas. Sobre o Ecoponto, questionado pelo vereador Hernani (PSB), Belco acredita que ś uma boa solução, mas citou que esse sistema é adotado na Alemanha e, mesmo assim, os alemães só conseguem reciclar 40% de seu lixo.
Em suas considerações finais, Rodrigo Reis se disse espantado com a pequena percentagem de material que é efetivamente reciclado em Curitiba e com o baixo valor recebido pelos catadores. Ele indagou de que forma os vereadores poderiam intervir no próximo edital de licitação do serviço de coleta de lixo para que houvesse a adoção das medidas propostas pela empresa Belco em parceria com o Conrecol.
Na opinião de Belco, as licitações seguem modelos antigos quando, na verdade, deveriam ser feitas diversas licitações, cada uma contemplando uma etapa do processo. “Já começa errado por se tratar de concessão e não há como uma empresa gerir todos esses momentos, não há como colocar tudo num pacote. A licitação deve ser feita sabendo-se de que vivemos em um mundo de inovações. Antigamente não se pagava a logística reversa e, hoje, 20% de tudo que compramos deve ser devolvido em forma de certificado. O edital não contempla o fato de que a reciclagem pode ser um processo lucrativo”, concluiu.
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