“Axé Zumbi Dandara” homenageia personalidades negras de Curitiba
Por iniciativa da vereadora Giorgia Prates (PT), a Câmara promoveu uma sessão solene em comemoração ao Dia da Consciência Negra. (Fotos: Rodrigo Fonseca/CMC)
Nesta sexta-feira (22), a Câmara Municipal de Curitiba (CMC) promoveu uma sessão solene com o tema “Axé Zumbi Dandara - Lembrar pra não repetir. Avançar pra não retroceder”. O evento foi uma iniciativa da vereadora Giorgia Prates – Mandata Preta (PT), que homenageou 34 personalidades negras que obtiveram destaque em Curitiba por meio de suas atividades. O mestre-de-cerimônias foi o Mestre Kandieiro e a sessão teve as participações do Grupo Zimba e da Orquestra de Berimbaus.
A mesa foi composta por: Giorgia Prates – Mandata Preta (PT) e Professora Josete (PT), vereadoras; Mãe Edimar, ialorixá, presidente do Centro Cultural Humaitá e conselheira estadual de Cultura; Megg Rayara, professora, coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade Federal do Paraná, tendo sido a primeira travesti negra a obter um doutorado em Educação no Brasil; Ana Cláudia Justino, representando a Rede de Mulheres Negras do Estado do Paraná; e David Sena (Davizinho Black), 11 anos, estudante do 6o ano do fundamental, integrante do Coletivo Negro do Colégio Estadual do Paraná.
Assista a sessão solene no canal da CMC no YouTube
Espaços que nos pertencem, nos foram negados e estamos retomando
Giorgia Prates, proponente da homenagem, manifestou ser uma honra poder homenagear tantas pessoas negras, justamente no ano em que o Dia da Consciência Negra passou a ser comemorado como um feriado nacional. “Esta sessão solene trata da resistência e da construção da sociedade que nos pertence, que nos foi negada e que estamos retomando. A gente não vai retroceder, tanto em respeito aos mais velhos quanto aos mais novos, pois cada reconhecimento mostra o valor que todos têm nessa sociedade”, disse Giorgia.
A vereadora enfatizou a importância de ser a primeira mulher negra, lésbica e do axé a se tornar vereadora em Curitiba. “A gente sabe o peso e a relevância disso. Que eles saibam que a gente vai colocar essa relevância em todos os espaços”, afirmou a parlamentar, que também exaltou o trabalho desenvolvido pela vereadora Professora Josete em cinco mandatos.
“Eu me pergunto como ela conseguiu lidar com pessoas que não têm vontade pessoal ou política de aceitar mudanças. Josete foi corajosa, mas ela não vai continuar (como vereadoras). Eu gostaria muito que essa noite fosse uma agradecimento à sua atuação”, disse Giorgia. A vereadora encerrou sua fala dizendo que a luta para que os jovens negros não mais sofram racismo nas escolas e nas ruas. “Devemos nos unir para que tenhamos os direitos e o respeito que merecemos”, concluiu.
Brasil ainda é extremamente racista e devemos promover a reparação histórica
“Sempre digo que essa casa é a casa do povo, mas nem sempre o povo pode estar aqui dentro. Então, para mim é uma honra e uma alegria ver tantos negros e negras, exemplos de vida, guerreiros e guerreiras enfrentando todo o racismo e dificuldades. O Brasil ainda é extremamente racista e devemos promover a reparação histórica”, disse a Professora Josete. O objetivo da homenagem, de acordo com ela, é valorizar e reconhecer os esforços dos indicados. “Mas que a homenagem se estenda a todos as mulheres e homens negros e que, cada vez mais, possamos dar largos passos para exterminar o racismo”, afirmou a vereadora.
Negros devem ter conhecimento de quem são, de onde estão e onde querem chegar
Presidente do Centro Cultural Humaitá e conselheira estadual de Cultura, a ialorixá Mãe Edimar, iniciou sua fala saudando a ancestralidade de cada um dos presentes, independente da religiosidade que professem. Ela rogou para que todos tenham paz nos seus corações e para que todos sejam bençãos e acalantos uns para com os outros. “Somos um coletivo. Sozinhos não chegaremos a lugar algum e não construiremos nada. Precisamos estar unidos contra o racismo do dia a dia, o racismo estrutural. Aquela coisa velada. Não vamos entrar em guerra, mas devemos ter conhecimento de quem somos, de onde estamos e de onde queremos chegar”, disse Mãe Edimar.
O racismo é mais violento mesclado a questões de gênero
A professora e ativista Megg Rayara destacou ter sido a primeira travesti negra a obter um doutorado em educação no Brasil. “Falo disso não por vaidade, mas em tom de denúncia, pois esse fato revela o quanto ainda temos de avançar. Quando a gente pensa no racismo, é necessário entender que ele opera de forma muito mais violenta quando se associa ao preconceito de gênero e ao discurso da meritocracia”, apontou.
Para Rayara, a luta da população negra de Curitiba e da UFPR está reverberando. “Nossa política de inclusão foi expandida e transformada numa Pró-Reitoria de Políticas Afirmativas e Equidade. Pela primeira vez em seus 112 anos de existência a UFPR terá uma pró-reitora negra”. A professora saudou aqueles que antecederam a luta e destacou que o combate ao racismo é interseccional, na medida em que envolve todos os setores da sociedade.
Mobilização pela Marcha Nacional das Mulheres Negras
Ana Cláudia Justino, representando a Rede de Mulheres Negras do Estado do Paraná, disse que a luta antirracista não deve se limitar a datas importantes. “O mandato da Giorgia mostra a intenção do que deve ser a prática antirracista. Ela se associou à Rede e estamos em mobilização pela Marcha Nacional das Mulheres Negras, que irá acontecer em novembro de 2025”, disse Justino.
Sou um menino de 11 anos, preto, periférico e estou tendo voz na CMC
David Sena, o Davizinho Black, tem 11 anos, cursa o 6o ano do ensino fundamental e integra o Coletivo Negro do Colégio Estadual do Paraná. Vítima de racismo em 2023, teve apoio da vereadora Giorgia no sentido de punir os adultos responsáveis pelas condutas delituosas. “Sou uma criança de 11 anos, sou preto, uso “black” (cabelo), moro na periferia e estou tendo voz e fazendo política na Câmara Municipal de Curitiba”, disse o jovem. Entretanto, ele reconhece que isso só está acontecendo porque outros negros vieram antes dele e abriram caminhos. “Axé Zumbi, lembrar para não repetir”, finalizou Davizinho.
Homenagem póstuma ao professor Paulo Vinícius, da UFPR
O recentemente falecido professor Paulo Vinícius, da UFPR, recebeu uma homenagem póstuma. A vereadora Giorgia ressaltou não só seu trabalho na Universidade Federal, como também em todo o Brasil. “Ele abriu espaço para negros na UFPR e comigo não foi diferente”, disse a parlamentar. A professora Meg Rayra revelou que Paulo Vinícius foi seu orientador de mestrado. “Muitos acompanharam sua luta. Paulo Vinícius ajudou a formar muitos mestre e doutores na área da educação e, se hoje sou professora, devo isso a ele”, declarou. Ela também lembrou que um jardim em homenagem ao professor Paulo Vinícius foi criado no Campus Rebouças da UFPR.
Homenageados
Mano Cappu. Cineasta, rapper, sócio da empresa CWBlack, reconhecido como talento da rede pelo Projeto Paradiso e destaque no 36º Festrival de cinema latino em Toulouse, na França. Mano Cappu esteve preso em 2011 por 18 meses em razão de um crime que não cometeu.
Rúbia Divino. Mulher negra e periférica, cantora, compositora e produtora cultural. Explora o jazz, o samba e o afrobeat e, nas escritas, ressignifica as temáticas afrobrasileiras.
Alienação Afrofuturista. Alexandre Ramos da Cunha, nascido em Terra Roxa, começou sua carreira musical em 2008, em Foz do Iguaçu. Um ano depois, veio para Curitiba, trazendo a fusão do rap do reggae e da música africana.
Aline Reis. Jornalista, eleita pela segunda vez como a jornalista negra mais admirada no Sul do país, foi também selecionada como uma das 50 jornalistas mais influentes do país. Primeira mulher negra eleita presidente do Sindicato dos Jornalistas do Paraná.
Ana Elisa. Mulher preta, umbandista, mãe de dois meninos, secretária escolar há 14 anos, bacharel em Direito e diretora do Centro Humaitá. Também faz parte da Escola de Samba Imperatriz da Liberdade.
Angela Maria da Silva. Pedagoga e especialista em educação étnico-cultural e mídia integradas na educação. Professora, mãe e avó, uma das diretoras do SISMMAC e integrante do movimento negro.
Angela Maria de Castro. Pedagoga, especialista em história e cultura da África pela Universidade Federal do Paraná. É dirigente do Sindicatos dos Servidores do Magistério de Curitiba.
Angelino Cassanova Domingos. Ativista cívico e pessoa com deficiência. Criou o projeto Autenticidade e Lucidez, em defesa das pessoas em Angola e no Brasil. Aspira ser juiz com o compromisso de transformar vidas.
Samba do Cassin. Nascido em Brasília, Cassin Vieira é cantor, compositor e produtor musical. Esteve envolvido com o samba e a com a música popular desde criança. Nutre profunda paixão pelo samba.
Coletivo Preto do Colégio Estadual do Paraná. Surgiu em 2022 com um grupo de alunos jovens pretos de Curitiba e região Metropolitana. O grupo busca fomentar o antirracismo no ambiente escolar, por meio da cultura e o conhecimento.
Davi Black. Primeiro rapper do Paraná. Compositor e produtor cultural atuante desde 1991, tendo lançado seu primeiro álbum em 1994. Foi protagonista do primeiro programa de rap transmitido no estado pela rádio Estação primeira FM.
Davizinho Black. David Sena, 11 anos, estudante do 6o ano do fundamental, onde estuda robótica e pratica basquete. Pertence ao Coletivo Preto do Colégio Estadual e gosta de andar pelas rodas de samba.
Day Paixão. Cantora, compositora, bailarina, coreógrafa e produtora artística e de eventos, com 25 anos de atuação, colecionando prêmios e reconhecimento. Sua música “Nega da pele preta” está em lançamento nas plataformas digitais.
Dharma Jazz. Multi-instrumentista, compositora, produtora musical, rapper, travesti, pioneira no Brasil no estilo conhecido como Punk Jazz. Primeira travesti negra a acessar os espaços na cena jazz em Curitiba.
Edimar Matias, a Mãed Edimar. Babalorixá, nascida em Santos. Tem 55 ano, é graduada em Contabilidade e está aposentada. Atualmente, cursa Direito. Foi iniciada nas religiões de matriz africana em 2005, em Fazenda Rio Grande.
Chica. Filha de mãe brasileira e pai africano, é mãe solo da Desirée. Foi uma das fundadoras da escola de samba Deu Zebra no Batuque e também uma das fundadoras e atual vice-presidente do Bloco Pretinhosidade. Formada em História e Geografia pela Faculdade Espírita.
Bete. Mora em Curitiba há 20 anos. Vendedora ambulante e ativista pela melhoria das condições da categoria. Mulher forte, aguerrida e participativa.
Grupo Baquetá. Fundado em 2009, idealizado por Camila dos Santos. O grupo produz espetáculos de dança, música em eventos por todo o país. Espetáculos baseados nos saberes afro e dos povos originários, exibidos por pessoas negras e indígenas compromissadas em promover o respeito e a dignidade étnico-racial.
Grupo Zimba, representado pelo contramestre André Boquinha. O grupo é dedicado à prática e preservação da Capoeira Angola em Curitiba há quase duas décadas. Esse trabalho entende a capoeira não só como uma luta, mas como um conjunto de práticas e saberes da cultura negra em um cenário de apagamento histórico da cultura negra.
Janine Mathias. Representada por Angela Chardeski. Cantora, compositora, atriz, mãe e empreendedora cultural. Do samba ao rap passando pelo soul, ela trabalha com a diversidade da música preta brasileira. É filha de sambistas do berço boêmio de Brasília, onde também teve contato com o rap. Radicada em Curitiba desde 2009, ela canta a autoestima da mulher negra e exibe em cada canção a sua ancestralidade.
Jocelli Mendes. Presidente do Coletivo Amigos da Roda de Rua. Agente cultural dedicada à preservação e à valorização da cultura afro com projetos dedicados à capoeira, à oralidade e ao fortalecimento das lideranças comunitárias, com foco na inclusão.
Juliana Mildemberg. Professora da educação infantil em Curitiba, pedagoga, coordenadora do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba e secretária de Assuntos Jurídicos da Federação dos Sindicatos Cotistas do Paraná. Membro do Fórum Municipal de Educação de Curitiba e do Fórum Estadual de Educação.
Karina Verhagen. Mulher, mãe, negra, periférica, presidente da Associação de Moradores Tomás Coelho, em Araucária, comunicadora popular e militante filiada ao PT. Militante da Vigília Lula Livre e filiada à UDN. Conselheira local de saúde e assistência social. Técnica em Mecânica Industrial.
Lucimar Dias. Doutora em Educação pela USP, professora da Universidade Federal do Paraná e coordenadora do ErêYá Grupo de Estudo e Pesquisa.
Professor Paixão. Militante, formado em Letras com pós-graduação em Organização do Trabalho Pedagógico. Mestre em Políticas Educacionais, foi diretor do APP Sindicato e da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação. Coordenou o Coletivo Estadual de Combate ao Racismo e fez parte do Fórum de Entidades Negras do Paraná.
Massai. Artista visual, DJ, produtor de eventos, ativista do hip hop há mais de 20 anos. Nascido em Curitiba, sua arte reflete a diversidade da cultura negra. Criador do evento Tamborzão CWB, festa afro criada em 2014. Colaborou com a Marcha do Orgulho Crespo e, este ano, fez sua estreia no audiovisual, no curta-metragem Pensa, dirigido por Mano Cappu.
Margleyse Santos. Professora no município da Lapa. Atualmente reside em Curitiba e é militante da Marcha Mundial das Mulheres. Faz parte do Fórum Estadual de Educação e do Coletivo das Mulheres do PT. Atualmente, é dirigente estadual da Associação dos Professores do Paraná (APP). Tem como bandeira de luta a vida das mulheres, principalmente das mulheres pretas.
Megg Rayara. Professora, primeira travesti negra a conquistar o título de doutora em Educação no Brasil. Coordenadora do Núcleo Afrobrasileiro da UFPR desde 2019. Também coordena a Política de Inclusão e Diversidade da UFPR.
Mestre Kandiero. Pesquisador, escritor, poeta e ator de diversas obras premiadas. Ensina história e cultura afroparanaense e é idealizador e fundador do Centro Cultural Humaitá.
Nicole de Oliveira. Graduada em Letras pela UFPR. Artista e militante da cultura negra. Diretora de combate ao racismo e atual diretora de políticas educacionais da UPE. Coordenadora do Coletivo Nacional Juventude Negra e da Marcha Mundial das Mulheres. Também integra o Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres.
Rede de Mulheres Negras. Representada por Ana Claudio Justino. Organização sem fins lucrativos, autônoma e independente. A Rede foi fundada para ampliar a implementação de políticas públicas específicas, com foco em gênero e raça.
Pretha Almeida. 35 anos, mãe, mulhe,r negra, artista, ativista, produtora e empreendedora. Entusiasta da cultura urbana de Curitiba.
Vera Paixão. Técnica de Enfermagem, cuidadora de idosos e militante do Movimento Negro há 36 anos. Fundadora e coordenadora do grupo afrocultural Kanaombo.
Carlinhos. Ativista do Movimento Negro, integrante do Coletivo Estadual de Combate ao Racismo do PT Paraná. Também integra o Bloco Afropretinhosidade.
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