1913: A explosão que deixou Curitiba de luto
Diário da Tarde, edição do dia 2 de julho de 1913. Exemplar disponível para consulta em microfilme na Biblioteca Pública do Paraná. (Reprodução – Foto Chico Camargo/CMC)
Em 1913, às 14 horas do dia 1º de julho, uma grande explosão nos armazéns da antiga estação da estrada de ferro Curitiba/Paranaguá atingiu o Palácio Rio Branco – onde hoje são realizadas as sessões plenárias da Câmara de Curitiba – fazendo com que o prédio passasse por uma reforma. O estrondo se fez ouvir na cidade inteira, assim como pôde ser vista uma grande nuvem de fumaça. Quatorze pessoas morreram e outras inúmeras ficaram feridas.
O Diário da Tarde – periódico que circulava na cidade à época –, naquele mesmo dia, anunciou: “Às duas horas da tarde de hoje, mais ou menos, enorme estampido ensurdecedor echoou pela cidade, dando o alarme de um sinistro acontecimento. Por toda a cidade houve a princípio um instante de estupor e depois de verdadeiro pânico e desespero. Que seria?”
Três carroças, carregadas com aproximadamente 730 quilos de pólvora negra, foram pelos ares, em frente ao armazém de Paranaguá – que, segundo informações do Museu Ferroviário, ficava na avenida 7 de Setembro com a Marechal Floriano e onde hoje há um shopping. O explosivo estava sendo carregado por praças (patente militar inferior à de segundo-tenente) até a estação. O carregamento havia sido vendido pelo Ministério da Guerra ao sr. Alexandre Gutierrez, que tinha o objetivo de utilizá-lo em pedreiras na Serra do Mar.
Os danos atingiram todas as casas próximas, ao ponto de caírem as vidraças com os caixilhos. Um eixo de carroça atravessou o muro do Congresso (Palácio Rio Branco) de lado a lado. “Foi objecto da nossa atenção a fachada do edificio do Congresso que lança para a Praça Euphrasio Correia, até os prejuízos foram importantes pela ruptura de todas as vidraças e dos móveis internos”, informou o jornal Commercio do Paraná, no dia seguinte.
“No palácio do governo (na rua Barão do Rio Branco, hoje Museu da Imagem e do Som em reforma) caiu o estuque de uma das salas”, descreveu o Diário, no dia seguinte. Também nas ruas Silva Jardim, “Ratcliff” (atualmente Dr. Westphalen), Visconde de Guarapuava, Floriano Peixoto e praça Eufrásio Correia os prédios ficaram com as vidraças quebradas.
Bondes, linhas telegráficas e telefônicas pararam de funcionar. “Pontos negros se destacaram, como si corvos esvoaçando desordenadamente: eram destroços da explosão – fragmentos de carroças, de animaes, frangalhos de corpos humanos, telhas etc”, informou o Diário da Tarde. Segundo o mesmo, houve estragos desde o Batel até os fins da rua XV de Novembro.
Em poucos minutos, moradores de diversas regiões vieram conferir o ocorrido. Quase toda a população da capital paranaense correu até lá. “Pelas imediações da estação jaziam os destroços da explosão. Aqui, vísceras, cabeças separadas dos corpos; ali, cavalos mortos, outros fragmentos, enfim, uma infinidade de destroços, atestando a violência inaudita da explosão” (Diário da Tarde, 1/7/1913).
A tragédia, à época, pelo número de habitantes da cidade (cerca de 50 mil)², foi considerada uma verdadeira “hecatombe”. “Nos annaes das grandes desgraças humanas, raramente se registrará tão emocionante tragédia”, lamentou o Diário no dia seguinte.
De fato, até hoje em Curitiba não se viu explosão de tamanho alcance. Ressalte-se que, em 1976, um caminhão que transportava aproximadamente 1.500 quilos de dinamite explodiu no Cabral, divisa com Juvevê. Três pessoas morreram. No asfalto, ficou uma cratera com quase três metros e muitos estragos, como relata Anna Carolina Azevedo, autora do livro “Dinamite” – publicação que conta a história. “De fato, o impacto na estação de trem foi muito maior, pensando nas pessoas mortas, mas a dinamite em 1976 acabou com boa parte de um bairro”, relembra.
Já em 1990, uma loja de fogos de artifício na rua Visconde de Guarapuava com a Westphalen explodiu, matando três pessoas da mesma família. Mas os estragos, ainda assim, foram em menor escala.
Em 1913, a estação de trem era bastante movimentada, pois levava diariamente pessoas para Paranaguá, interior do Estado, São Paulo e Rio de Janeiro. “Muitos dos moradores dos hoteis e imediações da estação, grandemente surpresos com o terrível choque, em gritos alucinantes pediam socorro como que se estivessem sob o peso de um grande terror”, Diário da Tarde, 2 de julho de 1913.
Foi assim, em detalhes, que o jornal descreveu como a população recebeu o susto. “A exma. Sra. d. Francisca Munhoz Cavalcanti, esposa do dr. Carlos Cavalcanti (presidente da província à época e que hoje dá nome a uma rua no bairro São Francisco), ouvindo o ruído da explosão, emocionou-se grandemente, sendo victima de ligeira syncope. A exma. Senhora julgou que tivessem arremessado uma bomba de dynamite no palácio presidencial”. (Diário da Tarde, 1/7/1913)
Muitos acreditavam que estar no ano de 1913 era um sinal de azar, como se pode perceber em um trecho de texto publicado na revista humorística e literária A Bomba, do dia dez daquele mês:
“- Sou supersticioso, confesso. E o diabo do 13: estamos em 1913.
Concordei. Mas concordei de um modo diverso: estendei mais a superstição. Achamos que a fatalidade não se enclausura em um número qualquer, nem no 10 nem no 13. Tanto assim, que muitas pessoas até consideraram o 13 um número feliz! Ella, a fatalidade, deve ser cega, e por isso cai sobre qualquer número, infallivelmente. Cái e passa e deixa silêncios enigmáticos à nossa perturbadora compreensão”.
As causas da explosão
De acordo com o Diário da Tarde, a pólvora fora recentemente arrematada em concorrência pública aberta pela intendência da 11ª região militar, com sede na capital. Foi vendida por ser considerada “inaproveitável” para o serviço de artilharia. Foi levada até a estação por militares, a pedido do próprio comprador.
Conforme o mesmo periódico, antes do acidente, por volta das 13 horas, praças saíram com a pólvora do 2º esquadrão de trem, do depósito de inflamáveis da intendência da 11ª região militar, que ficava junto a uma chácara no Água Verde. (Diário da Tarde, 2/7/1913)
O Commercio do Paraná informou que eram três carroças contendo 39 tambores do explosivo, num total aproximado de 730 quilos. Nelas estavam nove praças do Esquadrão de Trem e da Bateria de Obuzeiros (canhões). Enquanto os soldados descarregavam, um deles entrou no armazém com um cunhete de munição (caixote feito para abrigar este tipo de material), que teria como destino a Intendência da Guerra, no Rio de Janeiro.
Em depoimento à polícia, o pesador João Walter, que sobreviveu à tragédia, disse que não quis receber a carga, visto que era terça-feira e o dia dos explosivos era somente na quarta-feira. “Insistindo o pesador em não receber a carga, após pequena discussão, o soldado apanhou o cunhete e voltando para a porta exasperadamente gritou: 'Pois eu é que não volto mais com esta droga'. E acto contiuno atirou o cunhete de cartuchos contra as pedras da calçada, com toda a violência” (Commercio do Paraná, 2/7/1913).
A consequência foi imediata. Uma das carroças que estava perto foi atingida pelo fogo, explodindo todas as outras, como contam os dois periódicos.
Nos dias subsequentes surgiram outras versões nos noticiários. Uma delas apontava para um eventual contato com um fio elétrico da rede de bondes da cidade, que passava em frente à estação. Outra dizia que um dos praças deixou cair um fósforo aceso sobre um tambor de pólvora, detonando os demais.
“Cremos, portanto, prevalecer a 1ª (versão), aliás, confirmada pelo testemunho do pesador João Walter que vio o soldado jogar o perigoso cylindro ao solo”, opinou o Commercio do Paraná no dia três.
Palavra de especialista
Em uma análise atual do contexto, o especialista em explosivos da Delegacia de Explosivos, Armas e Munições da Polícia Civil (DEAM), Lourival Prehs, mais conhecido como “Bombinha”, diz que a primeira versão é perfeitamente possível. “Antigamente essas munições tinham fulminato de mercúrio, um composto químico bem sensível à fricção e ao impacto. Não eram como as de hoje”, explicou.
Ele, que é químico e trabalha há 40 anos com estes artefatos, disse que, atualmente, além de maior segurança no fabrico destes materiais, há mais cautela no transporte e armazenamento dentro da cidade. “Para movimentar qualquer tipo de explosivo ou fogos de artifício dentro de Curitiba é necessário conseguir uma licença da DEAM. Primeiro analisamos o que será transportado e as condições de armazenamento, antes de liberar”, explicou Prehs.
No seu entendimento, lembrar do passado faz com que os erros não se repitam no futuro e, vale a máxima, de que todo o cuidado é pouco. “Com explosivo você só erra uma vez, não tem chance de errar a segunda”, alertou.
“Vem de molde que se registre a irregularidade de sinão, pelo menos a imprudência, de se entregar a condução de carga tão perigosa a soldados arrebatados e inconscientes da missão de que lhes investiram. Sirva de exemplo para que no futuro se destaque um oficial que, com a responsabilidade de seu cargo e preparo technico, saiba conduzir soldados portadores de valores da nação cujo sacrifício acarretará a vida de operosos cidadãos”, Commercio do Paraná, 2 de julho de 1913.
* As citações de atas e notícias, entre aspas, são reproduções fieis dos documentos pesquisados. Por isso, a grafia original não foi modificada.
Referências bibliográficas:
1) Jornal Commercio do Paraná, 8 de julho de 1913, noticiando a última vítima que morreu em decorrência das queimaduras.
2) Impressões do Brazil no Seculo Vinte
Museu Ferroviário
Jornal Diário da Tarde: edições de 1, 2 e 3 de julho de 1913. Disponíveis em microfilme na Biblioteca Pública do Paraná.
Jornal Commercio do Paraná: edições de 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 de julho de 1913. Disponíveis em microfilme na Biblioteca Pública do Paraná.
Revista “A Bomba”, de 10 de julho de 1913. Exemplar disponível para consulta na Biblioteca Pública do Paraná.
Reprodução do texto autorizada mediante citação da Câmara Municipal de Curitiba