Nely Almeida e a Irmandade de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba
Encerrando as atividades promovidas pela Câmara Municipal em celebração ao Dia Internacional da Mulher, o Legislativo resgata a memória da ex-vereadora Nely Almeida, falecida em outubro de 2012 e velada no próprio Palácio Rio Branco, prédio histórico da Câmara de Curitiba. A reportagem, elaborada pela Assessoria de Comunicação, dá particular atenção às suas pesquisas sobre a história de Curitiba. O projeto de resgate histórico realizado há cinco anos pela Câmara Municipal tem por objetivo destacar pessoas e eventos que tenham relevância para a construção da cidade.
Em seis mandatos como vereadora na Câmara Municipal de Curitiba, Nely Almeida mostrou coerência e clareza de princípios. Sua preocupação com o bem estar dos desfavorecidos era constante e se manifestava na luta pela aprovação de projetos como, por exemplo, o que isentava pessoas com mais de 65 anos do pagamento da tarifa de transporte coletivo. A trajetória parlamentar de Nely está documentada e disponível para que um dia seja objeto de estudo por parte de pesquisadores interessados em entender a história recente da política curitibana.
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Não tão notório é o fato de que a própria Nely ocupou a posição de pesquisadora, quando, na metade dos anos 1970, aventurou-se pela leitura e transcrição de dois remotos documentos: o primeiro era o “Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba”, manuscrito inaugural daquela entidade religiosa, datado de 1741. O segundo livro continha os Assentamentos da mesma instituição, isto é, dados gerais sobre integrantes, contribuições e o registro das atividades entre os anos de 1743 e 1876, data em que, segundo informações verbais de Julio Moreira e David Carneiro, a Irmandade foi extinta e a antiga Igreja Matriz demolida em favor da construção de uma nova catedral (que só seria concluída em 1893).
Nely Almeida transcreveu toda essa documentação antiga, acrescentou comentários e contextualizações e, no ano de 1977, publicou “Curiosidades Históricas da Irmandade de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais da Vila de Curitiba”. A transcrição dos manuscritos, que pertenciam ao acervo do Instituto Histórico e Etnográfico Paranaense, foi revisada pelo professor Milton Miró Vernalha. Segundo Nely, os documentos sofreram forte ação do tempo. O segundo livro estaria mais conservado, pois era guarnecido por uma resistente capa de couro de cabra, que o protegeu durante mais de 130 anos.
Nely Almeida
De origem catarinense, a família de Nely Lidia Valente Almeida chegou a Curitiba em 20 de maio de 1953. A cidade vivia uma efervescência cultural que se revelava nas comemorações do Centenário da Emancipação Política do Estado, nos contos de Dalton Trevisan, na arquitetura modernista de prédios como o Teatro Guaíra e em outras manifestações culturais.
Licenciada em História e Geografia pela Universidade Federal do Paraná no ano de 1957, Nely já era conhecida na cena artística de Curitiba por sua participação na montagem da peça “As Preciosas Ridículas”, do dramaturgo francês Molière, levada aos palcos pelo grupo experimental Teatro do Estudante Paranaense. Ela surgiu na mesma cena teatral que gerou nomes como Ary Fontoura e Odelair Rodrigues, mas seus caminhos foram outros.
O casamento ainda jovem com o eminente cirurgião Félix do Rego Almeida trouxe filhos e as responsabilidades decorrentes, mas a administração da vida familiar não impediu que ela também desempenhasse atividades de interesse social. “Acompanhando o doutor Félix, Nely iniciou um intenso trabalho social na Santa Casa de Misericórdia, liderando grupos de voluntários, inclusive na reconstrução do hospital depois de um incêndio”, conforme lembra a vereadora Julieta Reis (DEM). Para ela, a amizade e o respeito por Nely só aumentaram com os muitos anos de convívio parlamentar e pessoal. “Alegre, simpática, determinada, jamais deixou de expressar suas posições, sempre muito claras. Culta, inteligente, participativa, combativa na defesa de suas ideias. E mais que isso: corajosa! Enfrentou vereadores de frente, sem se apequenar”, enfatizou a vereadora Julieta em depoimento publicado pelo jornal Gazeta do Povo por ocasião do falecimento de Nely.
A Irmandade
“Há muito pensava em escrever alguma coisa sobre o papel da Igreja na formação histórica de Curitiba”, declarou Nely na frase que abre a introdução ao seu estudo sobre a Irmandade. De fato, a influência religiosa é marcante nos primeiros anos da vila, a começar pela lenda de que quando os primeiros moradores de Curitiba ainda ocupavam a margem esquerda do Rio Atuba, a imagem da santa padroeira sempre aparecia com os olhos voltados para a região onde hoje é o centro da cidade (confluência dos rios Belém e Ivo). Posteriormente, em 1721, alguns provimentos do Ouvidor Raphael Pires Pardinho trataram de obrigações religiosas, como a de assistir à Procissão de Corpus Christi e a de limpar as frentes das casas por onde passasse o cortejo (sob pena de multa).
No Brasil, o vínculo jurídico-administrativo entre a igreja e o poder público vigorou da descoberta em 1500 até a proclamação da república. “O esboço social de núcleos do Brasil colonial gravitava sempre em torno da Igreja. Nela seus primitivos moradores encontravam alento através da fé, para suportarem as agruras de uma terra inóspita”, pontuou Nely.
Nesse contexto, nasceu, em 1741, a Irmandade de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, que se propunha a atividades de natureza religiosa e caritativa. O documento conhecido como “Compromisso da Irmandade” foi elaborado naquele mesmo ano e consistia em 32 páginas manuscritas com regras gerais de procedimento para os membros daquele grupo cristão. De acordo com Nely, “(a irmandade) não servia apenas como uma sociedade destinada à salvação eterna, mas também como um agrupamento de homens que se reuniam de livre e espontânea vontade para iniciar também o esboço político da época”, o que corrobora a significação da Irmandade como instituição agregadora dos habitantes de Curitiba durante aqueles difíceis períodos iniciais.
O segundo documento contém os assentamentos da irmandade, bem como o registro dos compromissos financeiros dos irmãos (contribuições em dinheiro). O pagamento da contribuição era obrigatório para os associados e o valor variava em conformidade com as posses do pagante. Nely destacou o fato de que a lista de membros da Irmandade compreendia desde figuras ilustres da política nos séculos XVIII e XIX a cidadãos comuns. “Através deste segundo livro os curitibanos de agora poderão observar seus antepassados bastante enfronhados em prestarem serviços a sua santa padroeira e, consequentemente, a toda uma coletividade”, escreveu Nely.
Além da pesquisa sobre a Irmandade, Nely também publicou o Esboço histórico da justiça de Curitiba (1975) e História de Curitiba: ensaio sobre sua evolução (1978).
*Agradecimentos à senhora Lúcia Adélia Fernandes, auxiliar técnico-administrativo do Círculo de Estudos Bandeirantes.
Referências sobre Nely Almeida:
Vereadora Julieta Reis (depoimento dado ao jornal Gazeta do Povo)
Dante Mendonça (depoimento publicado em Paraná Online)
Acervo digitalizado do jornalista Aramis Millarch (matérias gerais 1975, 1977 e 1978)
Reprodução do texto autorizada mediante citação da Câmara Municipal de Curitiba